sexta-feira, 25 de abril de 2003

DISCURSO DE 25 DE ABRIL (2003)

Minhas senhoras e meus senhores

O Bloco de Esquerda agradece, na pessoa do senhor Presidente da Assembleia Municipal, o convite que lhe foi dirigido para estar presente nesta Sessão Solene comemorativa dos vinte e nove anos da Revolução de Abril e agradece, também, a faculdade conferida de tecer alguns comentários relativamente a esta efeméride.

Passados vinte e nove anos pouco resta, infelizmente, do sonho de uma sociedade mais igualitária. Restam-nos, no entanto, os cravos (quiçá importados), a liberdade de podermos publicamente exprimir os nossos pensamentos e a vontade e a força para lutarmos para que os ideais de Abril venham um dia a tornar-se realidade.

Faz hoje um ano que demos voz a todos aqueles que, mais ou menos silenciosamente, vão sofrendo com as injustiças da justiça do nosso país e é com pesar que constatamos que situações idênticas àquelas que denunciámos ainda proliferam: um governante com contas na Suiça não declaradas ao fisco; a venda de terrenos a empresas de amigos dos governantes a preços muito abaixo do seu valor real; envolvimento cada vez mais notório de um ministro em negócios pouco claros com uma Cooperativa de Ensino; a avalanche de falências fraudulentas de empresas que têm levado ao desespero milhares de lares; e o escândalo do abuso sexual de menores, conhecido há muitos anos dos responsáveis, mas como afectava e afecta os mais desfavorecidos da nossa sociedade foi durante muito tempo, e por sucessivos governos, silenciado.

Aqui deixamos o nosso louvor e a nossa solidariedade para com todos aqueles que têm tido a coragem de trazer a público essas situações sórdidas e apelamos ao Estado para as apoiar com todos os meios financeiros, legais e psicológicos para que se possa desmantelar essa hedionda rede e condenar os que nela, até agora impunemente, têm estado envolvidos.

Há bem pouco tempo, Portugal viu-se envolvido num conflito internacional, através do comprometimento político do seu Primeiro-Ministro. Uma guerra declarada unilateralmente pelos Estados Unidos da América, com o beneplácito do Reino Unido, e contra a maioria dos países representados no Conselho de Segurança das Nações Unidas. As razões apontadas prendiam-se com a existência de armas de destruição massiva. Não foi encontrado esse tipo de armas! O responsável da comissão de inspectores das Nações Unidas já veio a público dizer que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha se basearam em documentos forjados para desencadear a guerra. E perguntamos nós: quem poderá ter forjado esses documentos senão os governos desses próprios países? Qual a reacção política do nosso Primeiro-Ministro perante tal informação? E que é feito das outras potências que discordavam da guerra?

Ainda não há muito tempo foi formado o Tribunal Internacional com vista a julgar crimes contra a humanidade. Qual foi a posição do governo americano? Tribunal sim, mas os americanos serão julgados no seu próprio país. George Orwell retratou bem esta situação no seu livro intitulado "O Triunfo dos Porcos", no qual a dado passo a constituição foi alterada passando a ter um único artigo: "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros."

Esperamos que, brevemente, Bush, Blair e todos os governantes que explicitamente apoiaram a guerra pelo controlo das jazidas de petróleo venham a ser indiciados pelo Tribunal Internacional por crimes contra a Humanidade. Só assim o mundo voltará a dar crédito à ONU.

A democracia não é fácil. De um modo simplista podemos defini-la como o respeito pelos outros e pelas suas ideias. Praticá--la não é um acto teórico, manifesto de boas intenções, mas sim uma prática diária. Infelizmente a nossa democracia tem sido construída com base no fanatismo, fazendo lembrar as palavras de um político de má memória que dizia: "Quem não é por mim é contra mim."

Ainda não tentamos entender as razões da proposta do nosso adversário político. Se a ideia parte dele, então não presta. Este radicalismo absurdo, a par da mediocridade de muitos dos que têm dirigido os nossos destinos aos mais diversos níveis, atirou Portugal e o nosso povo para a cauda da Europa. Somos os melhores no que de mais negativo existe.

A nível local, lamentamos profundamente que as tricas políticas entre os dois maiores partidos tenha conduzido a uma posição extremada por parte do senhor Presidente da Câmara. A não realização de protocolos com as Juntas de Freguesia lideradas pela oposição não será benéfica para ninguém. Estranho é, igualmente, que a nossa proposta de introdução de um ponto prévio à Ordem de Trabalhos para intervenção do público nas Sessões da Assembleia Municipal não se tenha concretizado. Será que a Assembleia receia a voz do povo que a elegeu?

O exercício do poder pelo poder não glorifica quem o pratica. A capacidade de diálogo e entendimento sim, traz progresso e harmonia.

Quando os cidadãos aceitam candidatar-se a determinados cargos públicos têm de ter no seu espírito que irão ser eleitos para servir os outros e não para se servirem a eles próprios.

Fazemos votos para que daqui a um ano, nesta tribuna ou fora dela, não seja necessário proferir palavras tão duras e sim congratularmo-nos por uma boa qualidade de vida, que tarda a chegar.

E mais não disse.

Viva o 25 de Abril!

Viva Almodôvar!

Viva Portugal!