quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Minas de Portugal: De 2017 para 2018 nenhuma luta ficou esquecida.




" O último trimestre de 2017 foi de conflito entre os trabalhadores mineiros de fundo, de superfície e serviços conexos, no baixo Alentejo, e as respetivas administrações das empresas concessionárias das explorações minerais e “prestadoras de serviços”.

Ao mesmo tempo que se anunciam os resultados positivos das estratégias alternativas acordadas à esquerda, e sustentadoras do atual governo PS, como a recuperação e consolidação de direitos com evidentes reflexos positivos nos índices económicos e de desenvolvimento, o sector mineiro desta região dá provas de não querer estar em linha com a estratégia governamental.

Os trabalhadores da SOMINCOR S.A., instigados a mudar para um horário de trabalho, que aparentava ser benéfico para a conciliação da vida pessoal com a profissional – uma manobra que durou vários meses com testes sectoriais e muita “conversa de corredor” que os levou a crer na viabilidade e honestidade de uma proposta que iria ao encontro das suas reivindicações, esbarraram numa armadilha que afinal lhes faria recuar os direitos consagrados pelo seu contrato coletivo de trabalho, caso os seus representantes legais não a tivessem detetado atempadamente.

Se por um lado, a proposta de horário da empresa parecia convidativa: um horário condensado em 4 dias de trabalho a 10h42m seguido de 4 dias de descanso, a aceitação do mesmo previa, já sem referir as implícitas perdas monetárias, a renúncia a dias de férias, do pagamento de parte das horas noturnas, a venda compulsiva a preço de saldo de folgas adquiridas, a extinção do crédito de 3 dias por compensação da penosidade dos trabalhos e, principalmente, a extinção do Contrato Coletivo de Trabalho pela sua substituição por um Acordo de Empresa – Alto negócio, portanto!

Os trabalhadores, a quem se dirigiam estas alterações, são homens e mulheres cujo carácter foi moldado pela rudeza do seu trabalho, porém não são acéfalos como alguns altos quadros os julgaram e esse foi o maior erro que insistentemente cometeram e fez despoletar o conflito.

Depois de várias conversações entre os representantes da administração e os representantes dos trabalhadores, que conduziram basicamente a nada em concreto, os trabalhadores em plenário em meados de setembro, decidiram enveredar por um combate mais vigoroso pelos seus direitos, que se traduziu em 3 períodos de greve de cerca de uma semana laboral, em cada um dos 3 meses seguintes, correspondendo ao último trimestre de 2017.

A esta luta juntaram-se também os trabalhadores de superfície da operação de lavarias e serviços conexos, que há longos anos reivindicam a contagem do tempo de serviço em condições idênticas às dos mineiros, dado que o grau de desgaste profissional nestes locais de trabalho é similar.

Assim, em outubro de 2017, os trabalhadores da SOMINCOR, S.A. (mineiros, operadores de lavarias e de outras áreas) deram início ao primeiro período de greve deliberado, que alcançou a adesão de 17% dos trabalhadores. Um número adiantado à comunicação social pela própria empresa, mas que teve impacto na paralisação de aproximadamente 90% da cadeia de 

produção, correspondendo a significativas perdas económicas.

Naturalmente, contra as expectativas dos trabalhadores, a luta agudizou-se em novembro, quando no 2º período de greve, a administração em resposta às justas reivindicações dos trabalhadores, adotou uma posição de força, enveredando por caminhos pouco dignos de pessoas de bem.

Desde logo vedou o acesso com redes e portões ao espaço onde historicamente os trabalhadores ganharam várias lutas, empurrando desta forma o piquete de greve para espaço “público” onde ficaria mais facilitada a atuação da GNR. E, efetivamente, a GNR consumou os objetivos expectados: reprimir a ação do piquete de greve e outras peripécias de condução, quiçá aprendidas nas notícias sobre atropelamento de civis naquela parte dos telejornais em que se fala de terrorismo, e dignas de inquirição na Assembleia da República.

A decisão da administração da SOMINCOR, S.A., empurrar o piquete de greve para fora do espaço “privado” da empresa foi, talvez, a alavanca necessária para desemperrar os trabalhadores mineiros e fazê-los ir a Lisboa, ao Ministério do Trabalho e Segurança Social para em uníssono se fazerem ouvir nas suas justas reivindicações ao Ministro Vieira da Silva, que é a quem compete a mediação, direta ou por delegação, dos conflitos laborais.

Eventualmente, bateu-se em porta errada, já que este é o ministro, que no anterior mandato de um outro governo PS, foi o principal progenitor da aberração da caducidade dos Contratos Coletivos de Trabalho.

Nas minas de Neves-Corvo, explorada pela SOMINCOR, S.A., os vários anos de paz social que aí se viveram, foram anos de demasiadas conceções. Muitas vezes por medo, outras por comodismo, e tantas mais que em jeito de segredo e promessa, tal como se faz com as crianças: se te portares bem, ganhas um doce; abriram espaço suficiente para fragilizar a coesão e a camaradagem mineira, de fundo e de superfície. 

Com uma certa distância temporal, bem como geográfica, a anterior Pirites Alentejanas – presentemente Almina S.A. - dista de Neves-Corvo cerca de 40 km e situa-se na vila alentejana de Aljustrel, e já foi concessão mineira da SOMINCOR S.A. 

Depois de muitos enredos em torno desta concessão mineira em Aljustrel, que até levaram à demissão do Ministro Manuel Pinho, a concessão acabou por ser entregue às mãos dos irmãos Martins do grupo Martinfer e transformou-se em ALMINA, S.A..

Mas, aqui, a transformação não foi só no nome.

Enquanto concessão da mineira SOMINCOR, S.A., em nome da paz social, abriu-se caminho a práticas laborais que só têm paralelo na obra “Germinal”, do Francês Emílio Zola. Os irmãos Martins, sucessores à anterior concessão, verdadeiros desconhecedores do negócio mineiro, mas de artes apuradas para a exploração, aprofundaram-nas.

Durante anos, em nome da paz social e do bem comum, esta empresa teve uma classe especial de trabalhadores: os colaboradores. Mesmo sem se aperceberem, com o tempo a classe trabalhadora foi desaparecendo, pouco a pouco. Uns foram para a reforma, outros morreram,  muitos foram amordaçados e os poucos que ainda se lembravam do que era ser trabalhador, achavam-se poucos para fazer a diferença.

Os horários condensados de 10 horas de trabalho em 4 dias com 4 dias de folga, permite-lhes ter um salário acima do Salário Mínimo Nacional, cerca de 600 Euros. Aqueles que hoje ainda não têm um “biscate” na folga, se a conjuntura assim o permitir, em 2019, já terão o privilégio de se matarem a trabalhar pelo preço mínimo de referência salarial nacional. E não é recurso estilístico quando se refere que estes trabalhadores matam-se a trabalhar, é literalmente um facto, que na maior parte dos casos tenta ser dissociado das condições precárias da segurança nestas minas e que frequentemente envolve equipamentos obsoletos, desprotegidos, manutenção deficiente, etc.

Animados pelos sucessos da luta dos camaradas da mina Neves-Corvo, os trabalhadores mineiros na Almina S.A., homens e mulheres, resolveram dizer BASTA!

BASTA! de medos, de comodismos, de humilhação.

Disseram-no em plenário, e fizeram-no nas ruas de Aljustrel.

Durante 4 dias, no final de novembro, organizaram-se em piquetes de greve, pelo direito à segurança, a serem representados pelo sindicato mineiro, pela aplicação do Contrato Coletivo de Trabalho da indústria mineira, e outras matérias.

Nesta empresa, ditou o bom senso que se iniciassem conversações com o Sindicato Mineiro.

Na SOMINCOR, infelizmente, foi necessário dar início a um terceiro período de greve, em dezembro, em três dias intercalados. Aqui, porque impera o braço de ferro, mais que o bom senso - talvez uma questão de cultura ou de gestão americanada – o administrador delegado que vinha a “acompanhar” esta luta, Michael Welch cedeu lugar a um outro administrador. Talvez a ameaça de encerrar o projeto ZEP – Zinc Exploration Project, não tenha agradado aos acionistas da sueco-canadiana Lundin Mining (dona da SOMINCOR S.A.). Outros mais tomaram o mesmo caminho. Diz-se na gíria que já rolam cabeças…

Kanneth Lee Norris assume agora o lugar que Michael Welch vagou. Deste homem, que passou por vários países onde assumiu diversos cargos nos seus 31 anos de experiência mineira, espera-se que nos 18 anos que esteve em Espanha tenha compreendido que os homens e mulheres trabalhadores nas minas de Portugal, quando estão determinados a lutar pelas suas justas reivindicações, as ameaças e cenas de faroeste não os farão vacilar.

No sector mineiro, tal como noutros sectores, 2018 já advinha-se ser um ano de lutas. Desde logo, a luta dos homens e mulheres trabalhadores mineiros de fundo e superfície na SOMINCOR S.A. que está em suspenso face à mudança na liderança na administração. Para já, o novo administrador, já encetou conversações com os dirigentes sindicais, a quem pediu tempo para se inteirar com maior clareza sobre a “situação” na empresa. No momento em que escrevo estas linhas, decorrem sessões plenárias onde para além das matérias reivindicativas “recorrentes” serão deliberados os prazos de tréguas e as formas de luta que se seguirão, caso a linha de negociação use a receita anterior. Na Almina S.A., o movimento sindical está a renascer e os acontecimentos futuros dependerão em boa medida da firmeza do punho de cada homem e cada mulher na exigência de maior dignidade e respeito no seu posto de trabalho. Também nas minas da Panasqueira, os camaradas mineiros, homens e mulheres de classe, terão as suas batalhas para lutar.

Este é um ano de lutas mas, também, de esperança e conquista.

Vivam os trabalhadores mineiros!

Vivam os trabalhadores portugueses! "



Por Filipe M Santos, em esquerda.net, artigo de opinião em 13 de Janeiro

Almodôvar, 11 de Janeiro de 2018

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