Sobre a água
Outubro foi mais um mês de
seca.
Segundo os dados disponíveis
no sítio do Instituto Português do Mar e da Atmosfera – IPMA o Alentejo é
fustigado por uma seca persistente classificada de moderada a extrema.
No histórico existente para o
mês de outubro, desde 2008, esta região não vê serem ultrapassados os 150 mm de
precipitação, facto que aconteceu apenas em 2013, sendo a regra ficar-se entre
50 e 100 mm. Mostra também que, em 2017, a precipitação ficou abaixo dos 25 mm e
abaixo dos 50 mm em 2019, constituindo-se assim como os anos de menor
precipitação. Especificamente, no mês que findou, registaram-se em Évora 26,7
mm e em Beja 31,3 mm de precipitação.
Neste contexto, a região circundante
ao eixo Almodôvar - Castro Verde, também não excede o segundo intervalo da
escala com precipitações entre os 10 e os 50 mm. Não admira, por isso, que os
solos mantenham registos abaixo dos 10% para o índice de água.
Este não é um boletim meteorológico.
Reflete, apenas, parte de um conjunto de dados com importância para a compreensão
da atual escassez de água.
De facto, tomando apenas a
albufeira de Monte da Rocha como exemplo, esta escassez está à vista de todos. É
confrangedor que esta barragem, entre janeiro e abril de 2011, portanto há não
muitos anos, estava na sua cota máxima e escoava o excedente pelo ralo de
segurança, esteja agora a pouco mais de 3.5 m da cota do nível mínimo de
exploração, com 8,5% da capacidade máxima e, tal como o Jornalista Rui Rosa noticia, em junho deste
ano, o ministro do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, já adjetivava a
situação da albufeira como a mais crítica quando esta estava nos 11%.
Em 2016 a barragem de Monte
da Rocha abastecia os concelhos de Almodôvar, Castro Verde, Ourique e projetava-se
fazer o abastecimento de parte dos concelhos de Odemira e Mértola até este ano.
Em operação desde 1972, sob
a tutela da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado, esta
barragem integra a rede de abastecimento concessionada em regime de
exclusividade por 50 anos à AgdA – Águas Públicas do Alentejo em 25 de setembro
de 2009. A concessão abrange cerca de 18,5% do território nacional continental,
correspondentes a 21 municípios. Entre eles, os cinco municípios abastecidos
por Monte da Rocha anteriormente referidos.
A Águas Públicas do Alentejo
afirma ter como missão proceder “à exploração e à gestão dos serviços de água (…)
visando a prestação de um serviço de qualidade, com respeito pelos aspetos
essenciais de ordem social e ambiental, bem como a disponibilização das suas
capacidades ao serviço do interesse nacional.”
Convenhamos, dito assim até
esquecemos que esta é uma empresa e, como tal, tem em vista um único e
verdadeiro objetivo: o lucro.
O Bloco de Esquerda sempre
mostrou alguma resistência sobre o facto de este recurso ser entregue ao setor
privado e mostrou-o quando, em 2009, estas matérias estiveram em deliberação
nas respetivas Assembleias Municipais onde tinha representação e 10 anos depois
mantém-na.
A água é um bem vital e não
deve estar na mão do capital, sujeito a oscilações de preços derivadas de
pressões de mercado, de investimento ou falta dele, e até mesmo de fatores não
tão diretos tal como a pressão ambiental que se vem registando.
São também palavras da Águas
Públicas do Alentejo: “A gestão da empresa deve fazer-se num contexto de
procura permanente da sua sustentabilidade económica e financeira, seguindo os
princípios da ecoeficiência e da responsabilidade social e ambiental.”
Mais palavras bonitas, mas
que levam o Bloco a uma pergunta:
- E quando a
sustentabilidade económica e financeira acabar?
O Contrato de Gestão que
vincula a Águas Públicas do Alentejo possui vários mecanismos que asseguram a
sustentabilidade económica e financeira da empresa, dos quais destaco a renda
mínima assegurada por cada município, a correção quinquenal (a cada cinco anos)
das tarifas ou a devolução decenal (em 10 anos) de eventuais proveitos.
Para ilustrar estas
preocupações, a título de exemplo e passe-se a publicidade, na minha área de
residência, na superfície comercial Pingo-Doce, desde algum tempo passou a ser
muito difícil adquirir água engarrafada da própria marca devido à sua escassez
nas prateleiras, mas nas prateleiras vizinhas reservado a outras marcas de água
o abastecimento manteve-se regular. Fosse isto motivado por uma escassez de stock
na origem, nos centros de distribuição, por opção da gestão local ou outro, o
facto é que o consumidor acabou por ser “obrigado” a consumir a água a um preço
mais elevado visto que as opções disponíveis eram igualmente mais caras. Obra
do acaso? Decida você.
Curiosamente, enquanto me
documentava sobre o tema que vos trago hoje, deparei-me com o Encontro Nacional
de Entidades Gestoras de Água e Saneamento – ENEG 2019 | Roteiro para 2030 a
decorrer em Ílhavo desde dia 19 e que termina hoje. Este evento subordinado à
questão da água em Portugal na próxima década, desenvolve-se em torno de 10
temas principais. Um deles: “Alterações climáticas, economia circular e
transição energética” contou com a participação de Daniela Guerreiro e Susana
Ramalho da Águas Públicas do Alentejo que falaram sobre o REUSE - Produção e
utilização de água para reutilização no regadio do Alentejo. Simultaneamente,
numa Mesa Redonda moderada por Pulido Valente, vice-presidente da CCDR
Alentejo as intervenções centraram-se n’ “A Desertificação do Interior de
Portugal e o Impacto nos Serviços de Águas”
Mas, para o Bloco de
Esquerda, existem outras preocupações transversais à temática da água como é o
caso da agricultura de regadio, em particular as monoculturas intensivas e
superintensivas, sem esquecer a agricultura das estufas, integradas nos planos
de regadio do programa nacional.
Quando antes a cultura do
olival ocupava cerca de 300 árvores por hectare, hoje, no mesmo hectare são plantados
mais de 1000. O mesmo se passa com amendoal e outras espécies arbóreas e que tem
uma só justificação, a maximização do lucro. Existe um senão, este tipo de
exploração degrada rápida e acentuadamente ou esgota os recursos locais, sejam
eles o solo, a fauna, os recursos hídricos ou outros. Mesmo assim, o olival, o
amendoal e as estufas são as formas de agricultura que mais crescem no cada vez
mais árido Baixo Alentejo. Uma vitória na opinião de Pedro do Carmo, deputado
PS pelo círculo eleitoral de Beja. A prossecução do aumento da produtividade e da
competitividade da agricultura são a batuta que rege o Programa Nacional de
Regadios e conduziram o anterior ministro da agricultura, Capoulas Santos, a
aprovar à pressa dois novos projetos de regadio, dias antes de terminar o seu
mandato. São mais 5.327 hectares a beneficiar da água do Alqueva, que vê assim o
seu perímetro de rega alargado para os 170 mil hectares.
Cem mil novos hectares de
regadio serão criados até 2023, com a conclusão da primeira parte do Programa
Nacional de Regadios, um esforço de 560 milhões de investimento público para
criar 10 mil novos postos de trabalho. Contas redondas, são 56.000 euros por
posto de trabalho ou 56 euros por cidadão.
Sobre isto o Bloco também tem
tido uma palavra a dizer: Cuidado! E tem várias propostas que postas em prática
mitigam os efeitos perversos de todas estas coisas. Haja força e vontade política
para as considerar e aceitá-las.
Para terminar, uma sugestão:
Quando abrir a sua torneira de água, pergunte-se quanto realmente lhe custa um
litro de água.
Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/Filipe M
Santos, 21-11-2019