domingo, 1 de maio de 2022

1 DE MAIO, DIA DO TRABALHADOR, É TAMBÉM CANTAR A LUTA

 



 

Falar do 1º de maio, Dia do Trabalhador, é falar de lutas seculares das classes trabalhadoras. É recordar as conquistas alcançadas. É reforçar a esperança de irmos mais além nos direitos dos trabalhadores. É compreender os novos desafios, sem esquecer os antigos. É combater todos eles com veemência e pujante determinação.

As rápidas transformações, proporcionadas pelas novas tecnologias, proporcionaram igualmente a transformação das relações laborais. A Uberização dos serviços à tarefa, a indústria 4.0, o teletrabalho e muitos outros conceitos laborais modernos, são exemplos dessa transformação.

Neste Dia do Trabalhador, gostaria de recordar e trazer para 2022 o emblemático texto de José Mário Branco, F.M.I., criado em 1979 e por si apresentado no Teatro Aberto LISBOA no Dia do Trabalhador de 1981.

 

F.M.I. (José Mário Branco)

 

(Introdução)

 

“ Vou, vou-vos mostrar / Mais um pedaço da minha vida / Um pedaço um pouco especial / Trata-se de um texto que foi escrito / Assim, de um só jorro / Numa noite de Fevereiro de 79 / E que talvez tenha um ou outro pormenor / Que já não é muito actual / Eu vou-vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura / Sem ter modificado nada / Por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores / Que possam ser já não muito actuais / E que isso não contribua para desviar a vossa atenção / Do que me parece ser o essencial neste texto / Chama-se FMI / Quer dizer, Fundo Monetário Internacional / Não sei porque é que se riem / É uma organização democrática dos países todos

Que se reúnem, como as pessoas / Em torno de uma mesa para discutir os seus assuntos / E no fim tomar as decisões que interessam a todos / É o internacionalismo monetário

 

(Canção / Texto performativo)

 

Cachucho não é coisa que me traga a mim

Mais novidade do que lagostim

Nariz que reconhece o cheiro do pilim

Distingue bem o Mortimor do Meirim

A produtividade, ora aí está, quer dizer

Há tanto nesta terra que ainda está por fazer

Entrar por aí a dentro, analisar, e então

Do meu 'attaché-case' sai a solução!

FMI Não há graça que não faça o FMI

FMI O bombástico de plástico para si

FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco

Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco

Enfio uma gravata em cada fato-macaco

E meto o pessoal todo no mesmo saco

A produtividade, ora aí está, quer dizer

Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder

Batendo o pé na casa, espanador na mão

É só desinfectar em superprodução!

FMI Não há truque que não lucre ao FMI

FMI O heróico paranóico hara-kiri

FMI Panegírico, pro-lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só

Palavras para si e palavras para dó

A contas com o nada que swingar o sol-e-dó

Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó

A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas

Sempre atentas

E levas pela tromba se não te pões a pau

Num encontrão imediato do 3º grau

FMI Não há lenha que detenha o FMI

FMI Não há ronha que envergonhe o FMI

FMI

Entretém-te filho, entretém-te

Não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer

Mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer

Messe gigantesca, vem-te vindo, VIM na cozinha, VIM na casa-de-banho

VIM no Politeama, VIM no Águia D'ouro, VIM em toda a parte, vem-te filho

Vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão

Olha os pombinhos pneumáticos que te arrulham por esses cartazes fora

Olha a Música no Coração da Indira Gandi

Olha o Moshe Dayan que te traz debaixo d'olho

O respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho?

Nós somos um povo de respeitinho muito lindo

Saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho?

Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde

Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo

O teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos

Como o Astro, não é filho?

O cabrão do Astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é?

Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar

Para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho?

Pois claro!

Estás aí a olhar para mim

Estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto

Pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus zodíacos:

Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é?

Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente?

A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote!

Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho?

Onde está o teu Extremo Oriente, filho?

A-ni-ki-bé-bé, a-ni-ki-bó-bó

Tu és Sepúlveda, tu és Adamastor, pois claro

Tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho?

Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida!

Entretém-te filho, entretém-te!

Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva,

E salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala em ritmo de pop-chula, não é filho?

A one, a two, a one two three

FMI dida didadi dadi dadi da didi

FMI

Come on you son of a bitch!

Come on baby a ver se me comes!

'Camóne' Luís Vaz, amanda-lhe com os decassílabos que eles já vão saber o que é meterem-se com uma nação de poetas!

E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares

Zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal

Zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro

Zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros

Zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer

E acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano

A estender o braço

Meio Rolão Preto, meio Steve McQueen

Ok boss, tudo ok

Estamos numa porreira meu

Um tripe fenomenal

Proibido voltar atrás

Viva a liberdade, né filho?

Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho

Pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes

Agora todos se chateiam de outra maneira, né filho?

Ora que porra, deixa lá correr o marfil, homem, andas numa alta, pá, é assim mesmo

Cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é?

Preocupações, crises políticas pá?

A culpa é dos partidos pá!

Esta merda dos partidos é que divide a malta pá

Pois pá, é só paleio pá

O pessoal na quer é trabalhar pá!

Razão tem o Jaime Neves pá!

Olha deixaste cair as chaves do carro!

Pois pá!

Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?

É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá!

Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata

Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril

Esta confusão pá, a malta estava sossegadinha

A bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa

Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo

Mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah?

Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah?

Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah?

Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá

Isto é tudo a mesma carneirada!

Oh sr. guarda venha cá, á

Venha ver o que isto é, é

O barulho que vai aqui, i

O neto a bater na avó, ó

Deu-lhe um pontapé no cu, né filho?

Tu vais conversando, conversando

Que ao menos agora pode-se falar

Ou já não se pode?

Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah?

Estás desiludido com as promessas de Abril, né?

As conquistas de Abril!

Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho?

E tu fizeste como o avestruz

Enfiaste a cabeça na areia

Não é nada comigo, não é nada comigo, né?

E os da frente que se lixem

E é por isso que a tua solução é não ver

é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada

Precisas de paz de consciência

Não andas aqui a brincar, né filho?

Precisas de ter razão

Precisas de atirar as culpas para cima de alguém

E atiras as culpas para os da frente

Para os do 25 de Abril

Para os do 28 de Setembro

Para os do 11 de Março

Para os do 25 de Novembro

Para os do... que dia é hoje, ah?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi

FMI

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho?

Todos temos culpas no cartório

Foi isso que te ensinaram

Não é verdade?

Esta merda não anda

Porque a malta, pá

A malta não quer que esta merda ande

Tenho dito

A culpa é de todos

A culpa não é de ninguém

Não é isto verdade?

Quer-se dizer

Há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né?

Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né?

Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas

Estas coisas até já nem querem dizer nada

Ismos para aqui

Ismos para acolá

As palavras é só bolinhas de sabão

Parole parole parole e o Zé é que se lixa

Cá o pintas é sempre o mexilhão

Eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol

Pronto

Viva o Porto, viva o Benfica! Lourosa! Lourosa! Marrazes! Marrazes!

Fora o arbitro, gatuno! Qual gatuno, qual caralho!

Razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho?

Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs

Que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores

Entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais

Entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho

Entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar

Entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes

Entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante

Enquanto tu adormeces a não pensar em nada

Milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta

Telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá!

Podes estar descansado que o Teng Hsiao-ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter

O Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II

Tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas

A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias

Ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel

Que se some nas areias em plena praia

Ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou!

Vão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho?

Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é?

Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer

Votas à esquerda moderada nas sindicais

Votas no centro moderado nas deputais

E votas na direita moderada nas presidenciais!

Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?!

Era o que faltava!

É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma

Para safado, safado e meio, né filho?

Nem para a frente nem para trás

E eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né?

Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega

Entretém-te meu anjinho, entretém-te

Que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti

Se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia

Se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso

Se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos

Ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo!

Descansa, não penses em mais nada

Que até neste país de pelintras se acho normal

Haver mãos desempregadas

E se acha inevitável haver terras por cultivar!

Descontrai baby, come on descontrai

Afinfa-lhe o Bruce Lee

Afinfa-lhe a macrobiótica

O biorritmo, o hoscópio

Dois ou três ovniologistas

Um gigante da ilha de Páscoa

E uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas!

Piramiza filho, piramiza

Antes que os chatos fujam todos para o Egipto

Que assim é que tu te fazes um homenzinho

E até já pagas multa se não fores ao recenseamento

Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá!

Dá-lhe no Travolta

Dá-lhe no disco-sound

Dá-lhe no pop-chula

Pop-chula pop-chula

Iehh iehh

J. Pimenta forever!

Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti

Não te chega para o bife?

Antes no talho do que na farmácia

Não te chega para a farmácia?

Antes na farmácia do que no tribunal

Não te chega para o tribunal?

Antes a multa do que a morte

Não te chega para o cangalheiro?

Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir

Cabrões de vindouros, ah?

Sempre a merda do futuro, a merda do futuro

E eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer?

Digam lá, e eu?

José Mário Branco, 37 anos

Isto é que é uma porra

Anda aqui um gajo cheio de boas intenções

A pregar aos peixinhos

A arriscar o pêlo, e depois?

É só porrada e mal viver é?

O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês'

O menino pertence a uma classe sem futuro histórico

Eu sou parvo ou quê?

Quero ser feliz porra

Quero ser feliz agora

Que se foda o futuro

Que se foda o progresso

Mais vale só do que mal acompanhado

Vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa

Filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos!

Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego

Não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho

Não há paciência

Não há paciência

Deixem-me em paz caralho

Saiam daqui

Deixem-me sozinho, só um minuto

Vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e polícias e generais para o raio que vos parta!

Deixem-me sozinho

Filhos da puta

Deixem só um bocadinho

Deixem-me só para sempre

Tratem da vossa vida que eu trato da minha

Pronto, já chega

Sossego porra

Silêncio porra

Deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só

Deixem-me morrer descansado

Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado

Eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto

Eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro

E o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa

Deixem-me só porra, rua, larguem-me

Desopila o fígado, arreda, T'arrenego Satanás, filhos da puta

Eu quero morrer sozinho ouviram?

Eu quero morrer

Eu quero que se foda o FMI

Eu quero lá saber do FMI

Eu quero que o FMI se foda

Eu quero lá saber que o FMI me foda a mim

Eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto

Bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões

O FMI não existe

O FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma

O FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio

Rua, desandem daqui para fora

A culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa

Oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe

Mãe, eu quero ficar sozinho

Mãe, não quero pensar mais

Mãe, eu quero morrer mãe

Eu quero desnascer

Ir-me embora

Sem sequer ter que me ir embora

Mãe, por favor

Tudo menos a casa em vez de mim

Outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar

E de me encontrar fugindo

De quê mãe?

Diz, são coisas que se me perguntem?

Não pode haver razão para tanto sofrimento

E se inventássemos o mar de volta

E se inventássemos partir, para regressar

A partir e aí nessa viagem

Ressuscitar da morte às arrecuas que me deste

Partida para ganhar

Partida de acordar

Abrir os olhos

Numa ânsia colectiva de tudo fecundar

Terra, mar, mãe

Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto

Lembrar nota a nota o canto das sereias

Lembrar o depois do adeus

E o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal

Lembrar cada lágrima

Cada abraço

Cada morte

Cada traição

Partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar

Assim mesmo

Como entrevi um dia

A chorar de alegria

De esperança precoce e intranquila

O azul dos operários da Lisnave a desfilar

Gritando ódio apenas ao vazio

Exército de amor e capacetes

Assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou

Olá camaradas, somos trabalhadores

Eles não conseguiram fazer-nos esquecer

Aqui está a minha arma para vos servir

Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores

As festas e os suores

Os bombos de Lavacolhos

Assim mesmo senti um dia

A chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila

O bater inexorável dos corações produtores, os tambores

De quem é o carvalhal?

É nosso!

Assim te quero cantar

Mar antigo a que regresso

Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei

Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena

Diz lá, valeu a pena a travessia?

Valeu pois

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe

No fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados

De mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco

Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos

O meu canto e a palavra

O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo

Dos vossos antepassados que ainda não nasceram

A minha arte é estar aqui convosco

E ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez

Sou português, pequeno burguês de origem

Filho de professores primários

Aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes

Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto

Muito mais vivo que morto

Contai com isto de mim para cantar e para o resto

Ser solidário assim, para além da vida

Por dentro da distância percorrida

Fazer de cada perda uma raiz

E improvavelmente ser feliz

De como aqui chegar não é misterio contar

O que já sabe quem souber

O estrume em que germina a ilusão

Fecundará, por certo, esta canção

Ser solidário sim, por sobre a morte

Que depois dela só o tempo é forte

E a morte nunca o tempo arredime

Mas sim, o amor dos homens que se exprime

De como aqui chegar não vale a pena

Já que a moral da história é tão pequena

Que nunca por vingança eu vos daria

No ventre das canções, sabedoria “

 

Fonte: Musixmatch

Compositores: José Mário Branco

 

Bloco de Esquerda – Almodôvar

Filipe M Santos, 01/05/2022


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