sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas II (25JAN2019)


Crónica 8.ª

(Caixa Alta S2 - 25JAN2019)

Olho para a capa do Diário do Alentejo de hoje e a imagem da plantação de um olival, juntamente com a notícia de que se estima que na campanha da azeitona haja mais 20 mil imigrantes por legalizar, lembra-me que as questões sociais, ambientais e económicas ainda estão muito longe de uma resolução neste distrito, ou melhor, agudizam-se cada vez mais.

Se a questão do olival intensivo continua a ser tema de preocupação, não só pelo facto de ocupar 60% da área de regadio mas, também, pelos problemas ambientais associados à cultura do lucro e exploração, o que dizer de 20 mil pessoas que trabalham em condições precárias, em situação de escravatura ou perto disso, com salários reduzidos, se é que salário se pode chamar ao que recebem. 

O que dizer de todos aqueles e aquelas que teimam em ficar, que resistem e que continuam a levantar a voz para que o Alentejo, o distrito de Beja tenha condições para os seus? 

É este o Alentejo que queremos? É esta a imagem a guardar no baú das memórias? 

A tristeza de uma terra explorada até à exaustão, de gentes envelhecidas pelo tempo e dureza do trabalho, esquecida pelos senhores de Lisboa, fica à mercê de intempéries económicas, de explorações sem regras, desprovida de força e de voz. 

Se o aeroporto de Beja tivesse sido a preferência em vez do Montijo de certeza que teria causado mal-estar nalguns senhores que teriam que desembarcar aqui em vez de na grande cidade, porque teriam que fazer alguns kms e horas em viagens naquele a que chamam deserto. Mas o maior mal-estar seria ter que dar a esta região, a merecida projeção e atenção, dinamizá-la, contrariar o desemprego e o desinvestimento, combater o despovoamento e o envelhecimento da população. 

Mas...

Continua-se com o olival, as estufas e agora já se fala na produção de pistachos, mas depois não se implementam empresas que deem continuidade ao processo, à transformação, embalamento, distribuição ou outros.  

As políticas de investimento, apoio e dinamização não são para todos. 

Enquanto se olhar para o país nesta perspetiva de que só se investe em algumas áreas e regiões, o distrito de Beja será relegado para segundo plano - continuaremos a debater-nos com problemas ambientais, económicos e sociais. 
Haja vontade de todos nós de mudar paradigmas e políticas!



Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 25/1/2019



sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas II (18JAN2019)


Crónica 7.ª

(Caixa Alta S2 - 18JAN2019)

Somos essencialmente cidadãos e acidentalmente trabalhadores é o tema da crónica desta semana, uma reflexão de  ANA FILIPA FONSECA, JURISTA E AUTARCA DO BLOCO DE ESQUERDA.

Assim, afirma esta jurista, o “mercado de trabalho” passou a entrar no nosso léxico com demasiada e estranha facilidade; ao falarmos de “mercado de trabalho”, reconhecemo-nos, em primeiro lugar, como mercadoria e, em segundo, aceitamos uma sujeição à (simples) regra da oferta e da procura.

Mas o que queria isto significar? Ou, melhor, o que significa o “mercado de trabalho” na realidade de uma União Europeia, envolta em crises omnipresentes?

É que na verdade, na União Europeia, tudo começou pela promessa de uma ideia bem mais complexa, que depressa se dissipou: tudo começou pela ideia de que a circulação livre do trabalhador na União Europeia, sob a égide da proibição da discriminação em razão da nacionalidade, potenciaria o desenvolvimento da cidadania (europeia).

De lembrar que a cidadania europeia é condição suficiente para se poder invocar o direito de circular e permanecer no território de um Estado Membro, com todas as consequências, leiam-se, direitos e garantias em situação de desemprego pois, através do trabalho, chegaríamos ao conceito de cidadania europeia.

Hoje, é o trabalho que nos limita a cidadania, enquanto exercício de direitos.

Estamos cada vez mais longe de uma situação de pleno emprego – isto é, o trabalho é cada vez menos acompanhado de direitos, principalmente nos países que foram mais afetados pela crise económica.

Não basta termos mais emprego, é necessário que esse emprego não diminua o cidadão, pelo contrário, a existência do trabalho deve refletir-se no incremento da nossa qualidade de vida.

Por isso, se o regime das 35 horas no privado “não é (ou foi) compromisso” do Governo para esta legislatura, é porque o PS não vê o trabalho desta forma. Por isso, é porque para o PS não é necessário que o trabalho deixe de obedecer às puras regras do mercado – o facto de os trabalhadores passarem a ser vistos como uma espécie de enorme “exército disponível para a batalha” tem vindo a limitar a capacidade de negociar melhores condições de trabalho, paradigma que deveria (pelo menos, tendencialmente) sido alterado nos últimos anos.

Para isto, há que recordar, somos essencialmente cidadãos e acidentalmente trabalhadores, mas nunca, nunca,  mercadoria. 


Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 18/1/2019



sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas II (11JAN2019)


Crónica 6.ª

(Caixa Alta S2 - 11JAN2019)

Marcelo Rebelo de Sousa tem uma ligação muito próxima com certas pessoas do mundo da televisão. Até aqui tudo bem.

O percurso pessoal de cada um, sempre feito de altos e baixos, de novas etapas, deve ser valorizado mas... em direto para uma estação de televisão e realizado pelo Exmo. Senhor Presidente da República?

Não me parece que esta deva ser a postura e atitude de alguém que representa Portugal e os portugueses.

A ligação à câmara, seja da máquina fotográfica ou da televisão, é sobejamente conhecida e tem sido usada de forma intensiva pelo Sr. Presidente da República o que,  juntamente com a distribuição de afetos, lhe dá sempre presença nos meios de comunicação social.

Mas o que se esconde por trás desta postura de revista cor de rosa?

Mostra-se um Marcelo Rebelo de Sousa mais interessado na imagem do que na ação, mais interessado em aparecer do que em fazer, afinal o Sr. Presidente até interrompeu uma reunião que, julgo eu,  seria para discutir algo importante para o país.

Se queria felicitar a sua amiga deveria tê-lo feito em privado mas isso não subiria as audiências, nem apareceria na comunicação social ou nesta crónica para a Rádio Castrense. Mas teria sido o correto, mas o correto não é popular, infelizmente.

Marcelo tem tido um conjunto de atitudes que são, no mínimo, discutíveis.

Se o telefonema é discutível, o que dizer da ida à tomada de posse  de Bolsonaro e consequentes declarações?

Uma reunião entre irmãos foi como classificou esse momento.

Ter um irmão ditador, um que considera todas as forças sociais diferentes de si mesmo são alvos para uma “caça às bruxas”, que tem como lema ‘Deus, pátria e família’, um cuja  aversão à democracia, bem como a qualquer movimento cuja lógica, organização e objetivos sejam contra os preceitos governamentais, não se coaduna com o conceito de democracia em que Marcelo foi eleito. Isto tudo envolvido em duas palavras, irmãos e família, bem como a projeção mediática, não tornam tão visível o encosto à ditadura brasileira, nem às consequências que daí decorrem.

Preocupante este percurso político, preocupante esta vertente pessoal no exercício das funções de Presidente da República, preocupante a falta de qualidade e isenção da comunicação social.

Será que as aparências iludem?

Claro que sim!!

Bom ano de 2019!



Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 11/1/2019

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas III (01MAI2020)





Ler é sempre um prazer e António Guerreiro, amante da leitura, faz uma reflexão sobre as suas leituras de quarentena: 

Sempre que se fala de 11 de Setembro vem à memória da maioria das pessoas o ataque às Torres Gémeas do World Trade Center de Nova Iorque. É uma data incontornável da história recente e portanto nada de estranhar. A mim, no entanto, quando se fala de 11 de Setembro o que primeiro me ocorre não é o de 2001 mas o de 1973. 

No dia 11 de Setembro de 1973, em Santiago do Chile, Augusto Pinochet, apoiado pela CIA, lança um golpe de estado sobre um governo democraticamente eleito, do qual viria a resultar a morte do Presidente Salvador Allende e a implementação do regime ditatorial liderado pelo General até Março de 1990, durante o qual desapareceram e morreram muitos milhares de pessoas. 

Recentemente, a 16 do corrente faleceu em Oviedo, em Espanha, vítima da recente pandemia, um dos homens que a 11 de Setembro de 1973, fazia no Palácio de La Moneda em Santiago, guarda a Salvador Allende. Homem multifacetado, foi de tudo um pouco: realizador; jornalista; activista político chileno; membro das Brigadas Sandinistas na Nicarágua que derrubaram Anastácio Somoza foi, no entanto, como escritor que mais se notabilizou. Chamava-se Luís Sepúlveda. 

Um verdadeiro “trota mundos”. Depois do golpe militar de Pinochet teve de abandonar o Chile e andou, sempre na luta, pelo Brasil, Uruguai, Paraguai, Peru. Viveu na Alemanha e em Espanha. Viveu entre os índios no Equador e na Amazónia tornou-se amigo de Chico Mendes a quem dedicou uma das suas mais conhecidas obras: “O velho que lia romances de amor”. 

Sou desde há muito um grande admirador da sua obra e creio que posso dizer sem falsas modéstias que, não só li, como possuo praticante toda a sua obra literária. Já durante o recolhimento imposto pelo novo coronavírus li aquele que, julgo, terá sido o seu último livro “História de uma baleia branca”, publicado em Portugal em Maio de 2019. 

De entre a sua vasta obra destacaria, sem qualquer novidade, já que me parece ser consensual: “O velho que lia romances de amor”; “Patagónia Express”; “Mundo do fim do mundo”; “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar” e o meu preferido “As rosas de Atacama”, livro de pequenos contos publicado em 2000 e que já li por várias vezes. 

Nestes tempos de reclusão mais ou menos obrigatória, mais ou menos voluntária, dou por mim a passar cerca de 23 horas por dia em casa e a minha actividade principal é, justamente, a leitura. 

Na primeira parte desta crónica lembrei Luís Sepúlveda e agora, sem pretensões de fazer concorrência ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa – ele lê 20 livros por semana que serão mais ou menos os mesmos que eu li até agora desde que começou o confinamento – gostaria de referir alguns dos que li, isto partindo do princípio que alguém se interessará por isso. 

- O oficial e o espião, de Robert Harris que relata o “Caso Dreyfus” passado no final do século XIX e princípios do seculo XX e que serviu de inspiração ao recente filme “J`acuse”, de Roman Polanski. Muito bom. 

- 2 livros de Ildefonso Falcones, escritor catalão de romances históricos: “A catedral do mar” e “O pintor de almas”. Muito bons. 

- Hippie, de Paulo Coelho. O homem farta-se de vender milhões de livros em todo o mundo e eu tento perceber porquê e então vou insistindo. Mais uma decepção, mais uma porcaria. 

- Pensava eu que já tinha lido tudo de Steinbeck, mas esta coisa da internet é realmente maravilhosa. Então não é que fui descobrir 4 que não tinha? Já li 3 “Chama devoradora”; “Bairro de lata” e “Um dia diferente”. Todos belíssimos. 

- Fui descobrir na biblioteca do meu camarada e amigo Toy Gonçalves numa edição de 1972, “Vietnam – A chacina de My Lay”, relatado na primeira pessoa pelo Tenente William Calley um dos mandantes e executantes da referida chacina, em que foram assassinados a sangue frio mais de 500 mulheres, crianças e velhos. Vale o que vale, é a sua versão dos acontecimentos. 

- Papillon de Henri Charrière, que deu origem ao filme de Franklin J. Schaffner de 1973 com Steve Mc Queen e Dustin Hoffman e que conta as tentativas de fuga de Papillon dos campos de trabalhos forçados da Guiana Francesa. Se o filme era bom, o livro como é habitual é muito melhor. 

E pronto, já chega, fico-me por aqui que vocês já devem estar para aí a dizer: “Mas o que é que eu tenho a ver com o que este tipo lê? Também deve ter a mania que é intelectual. 



VIVAM OS TRABALHADORES DE TODO O MUNDO 

VIVA O 1º DE MAIO 



Caixa Alta, Rádio Castrense 

António Guerreiro/Cristina Ferreira, 01/05/2020

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