sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (28FEV2020)





REGIONALIZAÇÃO

A Constituição da República prevê, desde 1976, a descentralização de competências para as autarquias – freguesias, municípios e regiões – como órgãos diretamente eleitos pelas populações.

O poder central consome 90% dos recursos financeiros do Estado, a Administração Local apenas 10% da despesa pública.

Uma verdadeira descentralização só ocorrerá com a criação das Regiões Administrativas. Só com a eleição direta dos órgãos de decisão regionais se atingirá da melhor forma a descentralização administrativa e a democratização do Estado.

Os princípios da igualdade de todos os cidadãos e cidadãs no acesso aos serviços públicos, nomeadamente à saúde, à educação, à cultura, à justiça e aos apoios sociais têm de ser garantidos de forma igual a todos e têm de estar distribuídos por todo o território nacional. Quando tal não acontece assistimos à desertificação dos territórios e ao agravamento das assimetrias sociais, económicas e culturais.

Na opinião de João Vasconcelos, deputado pelo Bloco de Esquerda, o atual processo de descentralização de competências para os municípios, que começou na anterior legislatura, mais não foi do que um negócio “cozinhado” entre o governo, o PS e o PSD. Na prática, o que se trata é de um processo de municipalização sem os correspondentes meios financeiros e humanos, o que só irá criar mais dificuldades aos municípios e degradar os serviços públicos.

Um processo de descentralização só será verdadeiramente sério se englobar a criação das Regiões Administrativas e, felizmente, muitos autarcas e outras entidades estão a chegar rapidamente a estas conclusões.

O Inquérito realizado pelo ISCTE revela 77% dos presidentes de câmara do país quer avançar com a criação das Regiões Administrativas.

Também a “Comissão Independente para a Descentralização” aponta, no seu Relatório, para a criação das Regiões Administrativas e é bem elucidativo ao constatar que o adiamento da Regionalização só tem contribuído para o acentuar do centralismo das decisões públicas, das desigualdades territoriais e das assimetrias no país, contribuindo para o abandono das populações que se sentem cada vez mais esquecidas e longe dos decisores políticos.

A Regionalização permite uma maior democracia e participação dos cidadãos pois aproxima-os mais do poder para a resolução das suas necessidades, permite combater com mais eficácia o clientelismo, as assimetrias e a corrupção.

Regionalizar conduz também à partilha do poder, o que não agrada nada aos centralistas e a quem detém o poder central, pois ficam mais vulneráveis às críticas e à erosão governativa.

A não implementação das Regiões Administrativas, tem conduzido a graves distorções económicas, sociais, ambientais e culturais. Um desenvolvimento regional que devia ter sido mais harmonioso e equilibrado em todas as suas vertentes, ao longo das últimas décadas, não teve lugar, antes agravou-se.

O Relatório da Comissão para a Descentralização também tem o mérito de relançar o debate público em torno da Regionalização, em torno da criação das Regiões Administrativas, e é nesse sentido que aponta o Projeto de Resolução do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Um processo que deve ser dinâmico e devidamente participado pelas populações, o qual deverá ficar concluído em 2021, incluindo a consulta pública e o calendário para a sua implementação.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 28/02/2020


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (21FEV2020)





PELO DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE


O anteprojeto de lei do Bloco de Esquerda, entregue em fevereiro de 2016, na Assembleia da República, excluía o recurso à morte assistida a menores e doentes com perturbações mentais, era constituído por 25 artigos e definia as condições em que a pessoa poderia recorrer à morte assistida. E foi este documento que foi apresentado, na Casa da Cultura de Beja, em 2017, por Ana Matos Pires, João Semedo e José Manuel Pureza.

Passados quatro anos são aprovados na generalidade na Assembleia da República os cinco projetos de lei sobre descriminalização da eutanásia. Bloco de Esquerda, PAN, PS, PEV e IL levaram a votos diplomas sobre este tema: o do Bloco de Esquerda contou com 124 votos a favor.

A apresentação do projeto de lei do Bloco de Esquerda esteve a cargo de José Manuel Pureza. Pureza citou João Semedo e colocou a pergunta “escolhemos nós a prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida que significa uma violência insuportável para muitos ou, recusando qualquer imposição, decidimos respeitar a escolha de cada um sobre o final da sua vida?”.

Mariana Mortágua recordou que o tema não é novo e, por isso, nenhum deputado pode “dizer, em consciência, que não teve tempo ou condições para tomar uma posição”, pois não devemos obrigar uma pessoa com um prognóstico irreversível de doença fatal, que se encontre numa situação de sofrimento profundo e irredutível e quem, de forma lúcida e consciente, deseja evitar essa agonia degradante a suportar o prolongamento do sofrimento, impedindo que decida sobre como deseja viver a sua morte com dignidade. 

Esta “não é uma questão de conceções ideológicas de Estado ou de mercado; não é uma questão da nossa relação com a religião nem de alteração da nossa conceção sobre a vida”. A decisão é “se a sociedade deve impedir ou permitir que o sistema de saúde ajude a interromper um sofrimento que não tem cura e que aquele que sofre considera intolerável”. 

Assim, deve-se “respeitar a dignidade que cada um escolheu para si”, o que é “uma questão de humanidade e compaixão”. Uma questão de respeito para todos “tanto quem escolhe dignamente viver o seu sofrimento até ao fim, como quem, para manter a sua dignidade, decide por um fim ao seu sofrimento”.

Por sua vez, Moisés Ferreira questionou: “porquê obrigar ao sofrimento? Porquê prender à dor e à violência de ver-se a definhar contra a sua vontade? Porquê submeter o outro a algo que a pessoa já não considera ser a sua vida?” A decisão é sempre da pessoa e não de outrem. “À sociedade cabe construir os instrumentos para concretizar esta decisão,” disse.

Na intervenção de encerramento, Pedro Filipe Soares definiu-o como “um dos debates mais importantes da atual legislatura” e reconheceu a “elevação e serenidade do debate no parlamento e no país”, a provar que “este tema já está bastante discutido na nossa sociedade e não criou nenhum tipo de alarme social”.

O líder parlamentar bloquista lembrou o debate aberto pelo Bloco de Esquerda, pela mão de João Semedo. “Mais direitos não implicam um desvario qualquer”, recordando a semelhança dos argumentos de algumas bancadas da direita com os que usava na oposição à descriminalização do aborto, todos desmentidos pela realidade que se seguiu a essa decisão. Respondendo ao argumento de que os cuidados paliativos seriam a alternativa à morte assistida, Pedro Filipe Soares afirmou que “a ciência tem limites, não consegue responder a toda a dor, a todo o sofrimento, nem principalmente às questões da dignidade”.

No entanto, a aprovação dos projetos lei não é o fim do processo legislativo. Depois desta aprovação na generalidade, os projetos de lei seguem agora para o debate na especialidade, onde os diferentes projetos aprovados serão ajustados entre si até chegarem a um texto comum.

Esse novo texto deverá depois ser novamente submetido a uma votação na especialidade e só depois a uma votação final global. Caso seja aprovada, a lei segue para Palácio de Belém. Lá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, poderá vetar, promulgar ou enviar para o Tribunal Constitucional.

Caso Marcelo Rebelo de Sousa decida usar o veto político, a lei é reenviada para São Bento, para que a Assembleia da República decida alterá-la (ou não). Se for alterada, o Presidente da República pode voltar a vetá-la. No entanto, se o texto for aprovado novamente pelo Parlamento sem que tenha sido feita qualquer alteração, então o Presidente é obrigado a promulgar.

Se o Tribunal Constitucional considerar que a lei é inconstitucional, o Parlamento terá de alterar a lei, respondendo às observações e recomendações feitas ao diploma.


Rádio Castrense, Caixa Alta
Cristina Ferreira, 21/02/2020




sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (14FEV2020)





FACTOR DE SUSTENTABILIDADE


Findo o processo de aprovação do Orçamento de Estado para o corrente ano, que em muitas matérias, refém de uma estabilidade governativa pretensamente esquerdista, ficou aquém das expectativas, trago-vos de novo o Fator de Sustentabilidade nas pensões de reforma requeridas antecipadamente por desgaste rápido, tal como ele é entendido por António Guerreiro, trabalhador das lavarias a usufruir de uma reforma neste regime.

Segundo os seus autores o Factor de Sustentabilidade relaciona-se com a esperança média de vida e aplica-se desde 2008.

Inicialmente aplicava-se a todas as pensões, neste momento aplica-se “apenas” às reformas antecipadas, de forma a compensar as alterações demográficas no nosso país e o seu impacto nas contas da Segurança Social.

Em 2019 aplicava-se um corte de 14,7% por força do Factor de Sustentabilidade. Por exemplo, uma reforma de 1000 euros perdia 147 euros. Em 2020 subiu para 15,2% e assim sendo os mesmos mil euros perdem agora 152.

Existem profissões consideradas, com toda a legitimidade, de desgaste rápido. De entre outras e porque está directamente relacionada com a nossa região destaca-se na Indústria Mineira a dos mineiros propriamente ditos, ou seja, os trabalhadores do subsolo e os mineiros de superfície, chamados de trabalhadores das Lavarias.

Estas profissões beneficiam de um regime especial devido à penosidade do trabalho e às condições em que este é exercido. Tanto no interior da mina como á superfície estão sujeitos às mais variadas condições nefastas para a sua saúde, como são a exposição a poeiras em suspensão, a exposição a metais pesados, ruído, reagentes químicos, radiações, grandes amplitudes térmicas, altos graus de humidade para além do trabalho por turnos e em laboração contínua, etc, etc.

Por beneficiarem deste estatuto, por cada dois anos de trabalho acresce mais um para efeitos de reforma.

Assim tomemos como exemplo um trabalhador que entrou para a mina com 25 anos e trabalhou lá ininterruptamente durante 30 anos. Neste momento tem 55 anos, se lhe juntarmos os 15 de que beneficiou devido ao seu estatuto, este trabalhador tem uma equivalência a outro que tenha 70 anos. Se neste momento a idade legal da reforma é aos 66,6 anos este trabalhador já a ultrapassou em 3,4 anos.

Se assim é, como é possível que se aplique o Factor de Sustentabilidade a este trabalhador? Até porque, como consta do seu processo de reforma ele está aposentado por velhice.

É conhecido que o deputado do PS Pedro do Carmo questionou a Ministra do trabalho sobre se iria ou não abolir o Factor de Sustentabilidade para estes trabalhadores, é também conhecido que a Ministra do Trabalho garantiu à CGTP e aos partidos de esquerda – entenda-se BE e CDU – que sim, que iria ser eliminado o Factor de Sustentabilidade. Esperava-se que fosse com a aprovação do Orçamento de Estado para 2020, mas tal não veio a acontecer.

Os mineiros continuam atentos e dispostos a continuar a luta pelos seus direitos e ao Sr. Deputado Pedro do Carmo ficava-lhe bem continuar a insistir em defesa da sua região e das suas gentes e que se deixasse de “touradas”.



Caixa Alta, Rádio Castrense

António Guerreiro/Cristina Ferreira, 14-02-2020




sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (07FEV2020)




OS AMIGOS DA COESÃO

A cimeira dos chamados “Amigos da Coesão” é um grupo constituído por 17 estados-membros da União Europeia, unidos em torno da contestação ao orçamento comunitário que irá vigorar entre 2021 e 2027.

António Costa, em Beja, presidiu à Cimeira dos Amigos da Coesão.

Cidadãos vestidos de negro e em silêncio concentraram-se no local onde decorreu a cimeira para passar a mensagem de que falar de coesão e não a praticar é, no mínimo, uma afronta.

Afronta para quem quer chegar ou sair de Beja pois não há comboio, a autoestrada e o aeroporto não funcionam e, para completar o cenário, a estrada está em péssimo estado.

À urgência da satisfação destas necessidades para o distrito o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, deixou o compromisso: “a seu tempo daremos resposta às necessidades de cada região”, disse, mas sem especificar o tempo de resposta para o distrito de Beja que mesmo que seja breve já é demasiado longo.

Este governo, liderado por António Costa, desprezou o “Grupo dos Amigos da Coesão” apesar do benefício que deu a Portugal aquando das negociações do quadro financeiro europeu que está em vigor de modo a evitar a redução dos fundos da coesão: não o conseguiu e os montantes globais de coesão baixaram para Portugal ao passo que os valores, para países mais ricos, subiram.

Esta cimeira, que passou um pouco despercebida, mesmo que tivesse contado com a participação de 17 líderes dos 27 países da União Europeia não contando, assim com coesão ao nível da participação.

Se se pede mais dinheiro para políticas de coesão não deveriam estar todos presentes?
Onde está a união quando nem todos assinaram o tratado de coesão visto que a Itália e a Croácia não assinaram?

É coesão quando 17 países se reúnem para se colocarem contra os outros 10?

Será que a escolha de Beja para a realização desta cimeira pretendeu transmitir a ideia de que Portugal precisa de mais dinheiro? Se Beja apresenta péssimos acessos pelo deve ter mais investimento, deve-se deduzir que Portugal deve receber mais fundos!

Será que Beja serviu como amostra para afirmar que ainda somos um país de coitadinhos pelo que deve receber mais fundos?  Fica no ar a pergunta.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 07/02/2020