sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Cristina Ferreira - Crónicas IV (26FEV2021)

 



CHEIRA BEM, CHEIRA A AUTÁRQUICAS

Assumindo que tudo correrá pelo melhor, e para isso os portugueses têm feito um enorme esforço, dentro de aproximadamente oito meses decorrerão as eleições autárquicas.

Completar-se-á assim mais um ciclo de governação autárquica que em todo o país foi atormentado, na sua segunda metade de mandato, por uma crise sanitária e social como há muito não existia.

De um momento para o outro, por força das restrições sanitárias entretanto impostas, muita da planificação dos executivos camarários teve de ser alterada, para priorizar e reforçar outras áreas de atuação autárquica, como o apoio social e económico de munícipes e empresas locais, redirecionando por exemplo os fundos para a promoção de eventos culturais previstos no orçamento camarário que foram, entretanto, cancelados, redistribuindo-os por essas áreas de maior prioridade.

De forma generalizada no país e na região, assistimos à adaptação dos municípios ao novo contexto de crises provocadas pela pandemia. Uns têm melhores resultados, outros nem tanto assim, porém a direção dos esforços, condicionados pelas restrições sanitárias, confluem num só sentido: amortecer o impacto da pandemia nas famílias e na economia local.

Há males que vêm por bem, dizem, mas este não é o caso, porém fica demonstrado qual a importância que o poder autárquico tem na vida dos cidadãos, mesmo que fragilizado por reformas feitas a régua e esquadro, como é o caso da agregação de freguesias promovida pelo social e democrata Miguel Relvas e imposta em 2012 e que só por “sorte” não degenerou em agregação de municípios, ou como a municipalização da educação e ainda outras que normalmente vêm acompanhadas de cortes orçamentais cegos às realidades locais de cada município.

A emergência social e económica despoletada pela presente crise pandémica, pôs à vista os pontos fortes de um aparelho de estado próximo das comunidades que servem, mas também evidenciou muitas das suas fraquezas. Se por um lado é de louvar a capacidade reativa e de adaptação dos executivos municipais às novas realidades, essa mesma capacidade reativa mostra que a persistência de determinados problemas nos municípios depende tão somente do interesse e da vontade política desse mesmo executivo.

Gere-se o mandato por forma a cativar os eleitores nas eleições seguintes. É preciso obra? Pois, claro, empurra-se para próximo das eleições, especialmente aquela que é particularmente mais vistosa e que enche o olho e o coração dos munícipes. E se não houver obra, como é que se faz? Então lança-se um projeto, uma coisa bem bonita e que se guarda na memória para o futuro.

Faltam cerca de oito meses para as eleições, mas já cheira a autárquicas e tal como na primavera despontam as flores no campo, nas localidades despontam abundantemente as obras e os projetos guardados como trunfos na manga dos políticos que gerem os municípios.

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Filipe M Santos/Cristina Ferreira, 25/02/2021



sábado, 20 de fevereiro de 2021

Cristina Ferreira - Crónicas IV (19FEV2021)




TEMPOS ESTRANHOS QUE A PANDEMIA ACENTUA

 

A urgência do tempo presente, ampliado pelos meios de comunicação social com recurso a opinadores que tudo sabem, a técnicos, cientistas e a vítimas do acaso, do desleixo e da necessidade, tornou primordial o assunto e conduz a decisões pessoais e políticas nem sempre determinadas pela desejada racionalidade, mesmo sabendo que a sua importância é tanto maior quanto mais delicados os problemas a enfrentar.

Confinar, limitar, proibir, amedrontar com o objetivo de evitar a doença, pode significar perturbação da saúde, perda de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, sobretudo em crianças e jovens, e causa de aprofundamento de uma das mais antigas e persistentes ‘doenças’ em Portugal: a perpetuação das desigualdades sociais que tem na Educação a sua causa primeira, afirma Carlos Ferreira, Diretor da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona.

Tempos estranhos que a pandemia acentua.

Na opinião de Rui Pereira, os professores têm muitos motivos para se revoltarem com este ministério da educação, que leva já seis anos, mas que não consegue resolver problemas na educação. Uns motivos serão mais graves do que outros, mas o que une os professores são motivos que interferem com a remuneração ou com a despesa para trabalharem:

– O movimento do apagão do ensino à distância por 15 minutos, e em crescendo semanal com mais períodos de apagão, reflete o aumento da despesa com o teletrabalho e uso de equipamentos pessoais, quando a lei prevê a cedência de equipamentos pelos empregadores e o pagamento de despesas adicionais de eletricidade. Mais uma vez a classe docente fica à margem da lei, que não se lhes aplica.

– Outro fator a provocar descontentamento aos professores, visto que também foram a exceção à regra no combate à pandemia, é o não cumprimento da distância de segurança nas salas de aula.

Outros há, mais estruturais, como a necessidade de um modelo de gestão mais democrático e com mais equilíbrio de poderes, bem como a sistemática desvalorização da profissão, que está a provocar falta de profissionais e alunos sem aulas, a revisão dos horários a concurso para terem um mínimo de horas, a vinculação, para falar só dos mais importantes.

Concluindo, começam a aparecer movimentações reivindicativas na classe docente, apesar das araras continuarem a ouvir-se – com o argumento de que agora não é o momento –, mas a maioria da classe começou a sentir na pele as discriminações e incongruências do poder excessivo dos diretores, da ausência do ministro, etc. Por fim, tenha-se presente o caso inglês, em que sindicatos e diretores, falam da necessidade de rever o acordo coletivo de trabalho, se houver prolongamento do horário ou menos férias de verão – diretores do lado dos professores e não a meio da ponte… conclui Rui Pereira.

O momento para resolver os problemas é agora, enquanto acontecem, enquanto as fragilidades e debilidades estão visíveis, pois é possível reinventar o espaço da escola e contar com a sua experiência para permitir segurança e que estas sejam abertas o quanto antes”, afirmou Catarina Martins. E deixou um apelo: que o executivo faça aquilo que “disse que ia fazer antes do início deste ano letivo e não fez”, ou seja, “preparar as escolas para esse modelo de ensino”.

No que respeita ao facto de o governo querer impor critérios para a atribuição do apoio, a coordenadora do Bloco de Esquerda lamentou que o executivo tente “encontrar mais situações para exclusão dos apoios” do que para incluir mais pessoas, pois as escolas não podem, em momento algum, ficar para trás nas preocupações do governo.


Fonte:

https://www.comregras.com/educacao-evitar-a-doenca-e-cuidar-da-saude-por-jorge-proenca/

https://www.comregras.com/acordai/

https://www.esquerda.net/artigo/escolha-nao-pode-ser-entre-escola-como-se-nada-fosse-ou-escola-encerrada/72867


Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 19/02/2021


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Cristina Ferreira - Crónicas IV (12FEV2021)

 



Confinamento A Quanto Obrigas

 

Ontem, foi aprovado, na Assembleia da República, a continuação do estado de emergência até ao dia 1 de março. Para o Primeiro Ministro, António Costa, nas declarações que fez ao país, este "não é momento para começar a discutir desconfinamentos, totais ou parciais" e o "atual cenário de confinamento" deve ser uma realidade para assumir, por todos, até março.

O atual nível de confinamento irá manter-se nas próximas duas semanas, sendo o cenário mais provável para o mês de março, apesar da diminuição de novos casos e da redução do risco transmissão.

Nas três mensagens que António Costa deixou ao país todas têm um ponto em comum: este não é o momento para começar a discutir desconfinamentos, sejam eles totais ou parciais pois a situação continua a ser extremamente grave, por isso há que manter o atual nível de confinamento, apesar do esforço cívico dos portugueses, visto que está a produzir resultados.  

Mas a que custo continuaremos no confinamento? 

Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, salientou que o confinamento começa a apresentar resultados, mas que não podemos esquecer que irá ter consequências: custos enormes seja a nível económico, social, na saúde mental da população, bem como no desenvolvimento das crianças e jovens. Estes são os aspetos que têm de ser acautelados, de modo a minimizar os efeitos desta pandemia.

Assim, como Ninguém deve ficar para trás o Bloco de Esquerda irá:

– Propor o pagamento a 100% a todos e todas que tenham que ficar em casa com os filhos porque a escola está fechada;

– Propor que quem tem a possibilidade de teletrabalho possa escolher entre teletrabalho ou ficar a acompanhar as suas crianças, eliminando, assim uma desigualdade laboral que o governo inventou;

– Prorrogação automática dos subsídios de desemprego e social de desemprego.

O Bloco de Esquerda reconhece a necessidade do Estado de Emergência para conter a pandemia, mas reconhece também que é necessário cuidar do país, das pessoas, da economia, dos serviços públicos – áreas onde o governo falhou.

Será altura para perguntar: qual a razão para a inércia do governo nesta crise? Qual a razão para, em 2020, não investir 7000 milhões de euros? Será que quer ser o campeão dos poupadinhos?

O aumento das desigualdades e da pobreza foi notório, o que demonstra que o governo está a falhar nas respostas fundamentais à crise, logo à sociedade.

É por isso que se tem de fazer melhor, não cedendo às desigualdades, nem aceitando o empobrecimento do país. Esta é a proposta do Bloco de Esquerda.

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira,12/02/2021

 


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O Monstro Prospera

 



Foi em Castro Verde, mas poderia ter sido em qualquer outro lugar. Esta vila do baixo Alentejo que durante muitos anos manteve um corpo autárquico maioritariamente comunista, nas últimas eleições autárquicas, motivado pelas mais diversas razões, mudou para uma governança socialista.

Esta é uma terra de muitas tradições e vasta riqueza cultural, muita dela adquirida através das boas relações com as comunidades vizinhas e outras itinerantes que aqui vêm para as normais trocas comerciais tal como nos é descrito no cancioneiro contemporâneo – como o fado interpretado por Mariza: Feira de Castro.

Por força do desenvolvimento mineiro nas últimas décadas a sua economia local foi sendo transformada, substituindo as tradicionais atividades agrícola e subjacentes pela mineira e industrial, que proporcionam maior estabilidade económica para as famílias locais e que atraiu muitas outras vindas de diversas regiões em ciclo económico mais deprimido.

Este é um concelho como tantos outros e possui, tal como esses, uma comunidade cigana mais ou menos fixa no seu território.

Recentemente saíram dos Paços deste concelho a vigorosa instrução para isolar a dita comunidade sob o pretexto de proteger os munícipes e combater a disseminação virulenta.

Boas intenções as deste executivo que procura implementar soluções para erradicar uma crise sanitária sem precedentes neste século, porém pior que a própria crise quanto à proteção dos valores e garantias constitucionais da liberdade e igualdade dos indivíduos, algo que estes eleitos juraram proteger quando tomaram posse.

Rapidamente este executivo recuou na decisão de atuar vigorosamente contra uma comunidade étnica, eventualmente devido ao veemente repúdio e igualmente vigorosa denúncia de segregação, seja pela própria comunidade, pela associação SOS Racismo, ou outra individualidade ou organização.

Mas o mal já estava feito, e apesar do recuo, veio mostrar que o insidioso monstro da discriminação racial e xenófoba, até agora escondido nos mais insuspeitos lugares, vai ganhando suficiente à-vontade para se mostrar.

Este é o mesmo monstro que no século passado, quando aconteceram as crises sanitárias da gripe espanhola ou a da cólera, permitiu a segregação dos infetados para zonas afastadas das áreas urbanas. Uma solução em tudo idêntica à proposta do executivo de Castro de Verde e que por exemplo, no caso de Almodôvar, concelho vizinho, jogava para o lado de lá do cais da Ribeira os doentes e respetivas famílias como medida de contenção do problema epidemiológico. Mas havia uma falha: somente os indivíduos das classes mais desfavorecidas, maioritariamente homens e mulheres trabalhadores agrícolas à jorna, iam lá parar, quase que abandonados à sua sorte, ficando os mais abastados, senhores e senhoras donos das propriedades agrícolas, a convalescer na sua residência.

São memórias que se vão perdendo com a renovação das gerações, mas ainda é possível encontrar quem tenha viva memória desses tempos e lutou por uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. Temos de as preservar: as memórias e, também, as lutas que foram travadas, retendo e ampliando as conquistas alcançadas.

Manter uma vigorosa vigilância, sim, é necessário, mas no sentido de isolar cada vez mais as atitudes discriminatórias e segregadoras baseadas na classe, cor, etnia cultura ou quaisquer outros determinantes característicos dos indivíduos e comunidades. É também necessário atuar quando as atitudes e orientações das instituições, organizações ou dos indivíduos, discriminem e pretendam segregar comunidades ou indivíduos pelas suas características.

O impulso no crescimento de ideologias discriminatórias, facilmente conotadas ao radicalismo efervescente e extremista de direita, é o sintoma de uma democracia doente, fraca, permeável. É indissociável deste diagnóstico os resultados eleitorais que frequente e consecutivamente dão vitória ao candidato Abstenção. Ou seja, são mais as pessoas que se afastam da coisa política e abdicam de escolher a direção política dos órgãos de soberania nacional, àqueles que, exercendo o seu direito de voto, escolhem o candidato legal mais votado.

A abstenção é um fenómeno com efeitos muito perversos. Mesmo que, por um lado, no imediato, mostre o desinteresse, descontentamento a incredulidade e desconfiança, seja no sistema democrático vigente, seja nas candidaturas nos vários atos eleitorais, por outro lado, também no imediato, é uma forma de “manifestar” esse mau estar que acaba por não ter valor no sistema democrático. Mas o perigo e a perversidade deste fenómeno estendem-se para lá do imediato. A longo prazo, o costume da abstenção conduz a uma horda de eleitores cada vez mais acríticos, desatentos às realidades políticas ou, no mínimo, detentores de conhecimentos no domínio político, baseados em assunções falsas ou mal estruturadas.

É neste terreno que o monstro prospera e tal como uma erva daninha, tem de ser eliminado.

Desta vez mostrou-se em Castro Verde, mas podia ter sido num outro lugar qualquer.

 

Filipe M Santos

Almodôvar, 30 de janeiro de 2021


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