Cristina Ferreira - CRÓNICAS III

Este é o resumo da participação semanal da bloquista Cristina Ferreira em Caixa Alta - um programa diário da Rádio Castrense que leva aos ouvintes o comentário da atualidade, na perspetiva dos representantes políticos da região. Pode ser ouvido na estação da Castrense 93.0 FM às sextas feiras em três períodos do dia: 9h20m, 15h45m, 18h10m (horas de referência sujeitas a ajuste).






⇶ Crónica 01 - 08/nov/2019


A L I E N A Ç Ã O               

Bem-vindos a mais um ciclo de crónicas Caixa Alta. 
Inicio este ciclo com uma reflexão do camarada António Guerreiro com um tema que tem tanto de pertinente como de atual. 

Nas ciências sociais, alienação indica o estado de alheamento dos indivíduos relativamente a si próprios e aos outros.
Originalmente, o termo tinha um sentido filosófico e religioso mas Karl Marx construiu-o enquanto conceito sociológico. Segundo ele, esse sentimento de afastamento face a si próprio e aos outros teria a sua origem na negação da essência da natureza humana pela estrutura social. Essa essência humana poderia expressar-se no trabalho criativo e no desenvolvimento de actividades de cooperação com outros indivíduos, pelas quais estes se sentissem a transformar o mundo e a transformar-se a si mesmos. Acusou a sociedade capitalista de negar essas hipóteses de realização e de promover a alienação ao retirar aos trabalhadores qualquer controlo sobre o processo produtivo. Segundo Marx, o sistema de produção capitalista compele ao trabalho retirando-lhe toda a criatividade e espontaneidade, expropria os trabalhadores do produto do seu trabalho e transforma as relações sociais em relações de mercado fazendo do próprio trabalhador uma mercadoria igual às outras.

Alienação pode ter muitos significados, como: transferir; vender; desviar; alucinar; enlouquecer; fugir; evitar… eu sei lá que mais.

Começava assim um artigo que escrevi em Abril de 2004 para o já extinto Jornal de Almodôvar no qual o meu camarada Alberto Matos escrevia também mensalmente um artigo de opinião.

Referia-se o meu artigo à venda por parte do estado português, da Somincor à Euro Zinc a pretexto da diminuição do défice no então Governo de Durão Barroso cuja Ministra das Finanças era Manuela Ferreira Leite.

No mês anterior, a 5 de Março, tinha-se realizado em Castro Verde um debate sobre a privatização da referida empresa e que tinha como convidados o Governador Civil do Distrito de Beja, na altura João Paulo Ramôa; a representar o PSD estava Mário Simões, estes dois naturalmente a favor. João Cordovil do PS que também não se incomodava, até porque o anterior Governo, do seu partido, presidido por António Guterres também já havia tentado a alienação da empresa. Contra estavam Fernando Rosas do Bloco de Esquerda, Rodeia Machado do PCP, António João Colaço do Sindicato do Trabalhadores da Industria Mineira (STIM) e Fernando Caeiros, Presidente da Câmara Municipal de Castro Verde. Estava ainda no painel António Sebastião Presidente da Câmara Municipal de Almodôvar cuja posição não compreendi e fiquei com a sensação de que era “nim”…”que não compreendia o negócio mas que também não haveria motivo para alarmes”. Enfim alheou-se…alienou-se.

Nesta altura passam dois anos sobre as grandes lutas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 por parte dos trabalhadores das Lavarias da Somincor que reivindicavam há muitos anos a antecipação da idade da reforma á semelhança do que já acontecia com os seus camaradas dos trabalhos subterrâneos.

A Administração da Somincor que sempre se tinha alheado das justas pretensões dos trabalhadores respondeu com a força de intervenção da GNR reforçada com cães para reprimir homens que durante 30 anos tudo deram á empresa.

Por esta altura houve muito alheamento, houve muita alienação. Desde logo por parte da Comunicação Social da região…sim…a Somincor tem muita força…

 Alienação, como foi referido acima, pode também ser: evitar, fugir…

Por onde andavam os autarcas da região? Reuniam com a Administração. Evitavam, fugiam aos trabalhadores.

Como sempre, só não se alienaram o Bloco de Esquerda e o PCP. 

Fará brevemente um ano a 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara, que foi inaugurada na rotunda da entrada sul de Almodôvar uma estátua que, pretendia o presidente da Câmara Municipal de Almodôvar, fosse de homenagem ao mineiro. Como diria o cançonetista popular José Malhoa “até o padre ajudou”. Toda a gente botou discurso inclusive a administração da Somincor. Nesse dia, em Almodôvar, deve ter acontecido um caso único em todo o mundo… só não falou o homenageado. 

          ALIENARAM O MINEIRO

Durante a campanha eleitoral das recentes eleições legislativas, tentaram apropriar-se vergonhosamente da conquista dos trabalhadores. Aqui, convenientemente, não se alienaram.

Em política meus senhores, não pode valer tudo.

É preciso não esquecer que por mais alienados que sejam, não são alienígenas.

                                                              
                                                                 
Caixa Alta, Rádio Castrense
António Guerreiro/Cristina Ferreira, 08/11/2019



⇶ Crónica 02 - 15/nov/2019


Facilidade não é sinónimo de Felicidade

Numa era global em que tudo está à mão de semear é fácil ser feliz: as necessidades podem ser satisfeitas em minutos, sejam elas de cariz social, económico, educacional ou outras. 

Facilitar pode ser um atalho mas não será nunca o caminho. 

Facilitar na educação, por exemplo, cria um caminho perigoso de ilusão, de que os percursos não têm obstáculos, de que se pode tudo e que não é preciso estudar ou desenvolver espírito crítico. Deixa de fora a aprendizagem de vivências negativas e da capacidade de superação que daí advém. Deixa de fora a aprendizagem enquanto indivíduo que vive no colectivo escolar, ser social que deve passar ao patamar seguinte, passando a ideia de que tudo é facilitismo, de que nada é difícil de conseguir. 

Se a questão económica é o único factor a ponderar nesta decisão de que o aluno não chumba até ao nono ano, então mais uma vez estamos no caminho errado. Estamos a fomentar diversos factores adversos à aprendizagem, poderemos estar a criar um problema social maior do que aquele que se quer resolver: o insucesso escolar. 

O ministro da Educação, Tiago Brandão defende que deve ser feito um trabalho de acompanhamento mais próximo dos estudantes que revelam mais dificuldades para que o plano de retenção dos alunos não seja entendido como eliminação administrativa das retenções.

Mas não foi sempre esse o objetivo? Acompanhar e apoiar os alunos com mais dificuldades? 

Se as retenções nunca levam os alunos a bom porto, também o facilitar tem o mesmo efeito e com consequências que se prolongam no tempo.

Se cabe às escolas e aos professores a tarefa de “Trazer esses alunos para dentro da escola para que nenhum possa ficar para trás” então terá que dotar as escolas de recursos humanos e materiais para que tal possa acontecer. Nenhuma escola é apelativa se o edifício está degradado, se não há recursos humanos para assegurar o bom funcionamento, se não há professores, se não há medidas e ações que assegurem a satisfação das necessidades, tanto dos alunos como dos profissionais da educação, como quer o ministro que a escola seja apelativa para todos? 

Não esquecer que também os encarregados de educação se afastam da escola e, por isso, também têm que ser chamados!

Tiago Brandão Rodrigues referiu que estas mudanças terão que ter por base projectos pedagógicos e que só assim serão benéficas. “Os directores, dentro da sua autonomia, sabem melhor do que ninguém o que é que serve cada uma das suas turmas em termos de dimensão”, referiu, pelo que “as direções das escolas, conselhos pedagógicos e conselho de turma terão como tarefa definir o “número óptimo” de cada turma tendo em conta o seu projecto pedagógico. Palavras bonitas para criar a utopia de que é fácil resolver problemas de aprendizagem, sociais, económicos ou outros que as escolas enfrentam diariamente na diversidade de situações que ocorrem. 

A aprendizagem tem que ser valorizada como factor de crescimento, tanto individual como social, o reconhecimento social dos profissionais da educação bem como a perspectiva de que se tem um futuro profissional valorizado de certeza que, além de trazerem felicidade, chamam para a escola. 



Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 15/11/2019



⇶ Crónica 03 - 22/nov/2019


Sobre a Água

Outubro foi mais um mês de seca.
Segundo os dados disponíveis no sítio do Instituto Português do Mar e da Atmosfera – IPMA o Alentejo é fustigado por uma seca persistente classificada de moderada a extrema.
No histórico existente para o mês de outubro, desde 2008, esta região não vê serem ultrapassados os 150 mm de precipitação, facto que aconteceu apenas em 2013, sendo a regra ficar-se entre 50 e 100 mm. Mostra também que, em 2017, a precipitação ficou abaixo dos 25 mm e abaixo dos 50 mm em 2019, constituindo-se assim como os anos de menor precipitação. Especificamente, no mês que findou, registaram-se em Évora 26,7 mm e em Beja 31,3 mm de precipitação.
Neste contexto, a região circundante ao eixo Almodôvar - Castro Verde, também não excede o segundo intervalo da escala com precipitações entre os 10 e os 50 mm. Não admira, por isso, que os solos mantenham registos abaixo dos 10% para o índice de água.
Este não é um boletim meteorológico. Reflete, apenas, parte de um conjunto de dados com importância para a compreensão da atual escassez de água.
De facto, tomando apenas a albufeira de Monte da Rocha como exemplo, esta escassez está à vista de todos. É confrangedor que esta barragem, entre janeiro e abril de 2011, portanto há não muitos anos, estava na sua cota máxima e escoava o excedente pelo ralo de segurança, esteja agora a pouco mais de 3.5 m da cota do nível mínimo de exploração, com 8,5% da capacidade máxima e, tal como  o Jornalista Rui Rosa noticia, em junho deste ano, o ministro do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, já adjetivava a situação da albufeira como a mais crítica quando esta estava nos 11%.
Em 2016 a barragem de Monte da Rocha abastecia os concelhos de Almodôvar, Castro Verde, Ourique e projetava-se fazer o abastecimento de parte dos concelhos de Odemira e Mértola até este ano.
Em operação desde 1972, sob a tutela da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado, esta barragem integra a rede de abastecimento concessionada em regime de exclusividade por 50 anos à AgdA – Águas Públicas do Alentejo em 25 de setembro de 2009. A concessão abrange cerca de 18,5% do território nacional continental, correspondentes a 21 municípios. Entre eles, os cinco municípios abastecidos por Monte da Rocha anteriormente referidos.
A Águas Públicas do Alentejo afirma ter como missão proceder “à exploração e à gestão dos serviços de água (…) visando a prestação de um serviço de qualidade, com respeito pelos aspetos essenciais de ordem social e ambiental, bem como a disponibilização das suas capacidades ao serviço do interesse nacional.”
Convenhamos, dito assim até esquecemos que esta é uma empresa e, como tal, tem em vista um único e verdadeiro objetivo: o lucro.
O Bloco de Esquerda sempre mostrou alguma resistência sobre o facto de este recurso ser entregue ao setor privado e mostrou-o quando, em 2009, estas matérias estiveram em deliberação nas respetivas Assembleias Municipais onde tinha representação e 10 anos depois mantém-na.
A água é um bem vital e não deve estar na mão do capital, sujeito a oscilações de preços derivadas de pressões de mercado, de investimento ou falta dele, e até mesmo de fatores não tão diretos tal como a pressão ambiental que se vem registando.
São também palavras da Águas Públicas do Alentejo: “A gestão da empresa deve fazer-se num contexto de procura permanente da sua sustentabilidade económica e financeira, seguindo os princípios da ecoeficiência e da responsabilidade social e ambiental.”
Mais palavras bonitas, mas que levam o Bloco a uma pergunta:
- E quando a sustentabilidade económica e financeira acabar?
O Contrato de Gestão que vincula a Águas Públicas do Alentejo possui vários mecanismos que asseguram a sustentabilidade económica e financeira da empresa, dos quais destaco a renda mínima assegurada por cada município, a correção quinquenal (a cada cinco anos) das tarifas ou a devolução decenal (em 10 anos) de eventuais proveitos.
Para ilustrar estas preocupações, a título de exemplo e passe-se a publicidade, na minha área de residência, na superfície comercial Pingo-Doce, desde algum tempo passou a ser muito difícil adquirir água engarrafada da própria marca devido à sua escassez nas prateleiras, mas nas prateleiras vizinhas reservado a outras marcas de água o abastecimento manteve-se regular. Fosse isto motivado por uma escassez de stock na origem, nos centros de distribuição, por opção da gestão local ou outro, o facto é que o consumidor acabou por ser “obrigado” a consumir a água a um preço mais elevado visto que as opções disponíveis eram igualmente mais caras. Obra do acaso? Decida você.
Curiosamente, enquanto me documentava sobre o tema que vos trago hoje, deparei-me com o Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento – ENEG 2019 | Roteiro para 2030 a decorrer em Ílhavo desde dia 19 e que termina hoje. Este evento subordinado à questão da água em Portugal na próxima década, desenvolve-se em torno de 10 temas principais. Um deles: “Alterações climáticas, economia circular e transição energética” contou com a participação de Daniela Guerreiro e Susana Ramalho da Águas Públicas do Alentejo que falaram sobre o REUSE - Produção e utilização de água para reutilização no regadio do Alentejo. Simultaneamente, numa Mesa Redonda moderada por Pulido Valente, vice-presidente da CCDR Alentejo as intervenções centraram-se n’ “A Desertificação do Interior de Portugal e o Impacto nos Serviços de Águas”
Mas, para o Bloco de Esquerda, existem outras preocupações transversais à temática da água como é o caso da agricultura de regadio, em particular as monoculturas intensivas e superintensivas, sem esquecer a agricultura das estufas, integradas nos planos de regadio do programa nacional.
Quando antes a cultura do olival ocupava cerca de 300 árvores por hectare, hoje, no mesmo hectare são plantados mais de 1000. O mesmo se passa com amendoal e outras espécies arbóreas e que tem uma só justificação, a maximização do lucro. Existe um senão, este tipo de exploração degrada rápida e acentuadamente ou esgota os recursos locais, sejam eles o solo, a fauna, os recursos hídricos ou outros. Mesmo assim, o olival, o amendoal e as estufas são as formas de agricultura que mais crescem no cada vez mais árido Baixo Alentejo. Uma vitória na opinião de Pedro do Carmo, deputado PS pelo círculo eleitoral de Beja. A prossecução do aumento da produtividade e da competitividade da agricultura são a batuta que rege o Programa Nacional de Regadios e conduziram o anterior ministro da agricultura, Capoulas Santos, a aprovar à pressa dois novos projetos de regadio, dias antes de terminar o seu mandato. São mais 5.327 hectares a beneficiar da água do Alqueva, que vê assim o seu perímetro de rega alargado para os 170 mil hectares.
Cem mil novos hectares de regadio serão criados até 2023, com a conclusão da primeira parte do Programa Nacional de Regadios, um esforço de 560 milhões de investimento público para criar 10 mil novos postos de trabalho. Contas redondas, são 56.000 euros por posto de trabalho ou 56 euros por cidadão.
Sobre isto o Bloco também tem tido uma palavra a dizer: Cuidado! E tem várias propostas que postas em prática mitigam os efeitos perversos de todas estas coisas. Haja força e vontade política para as considerar e aceitá-las.
Para terminar, uma sugestão: Quando abrir a sua torneira de água, pergunte-se quanto realmente lhe custa um litro de água.

Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/Filipe M Santos, 21-11-2019 




⇶ Crónica 04 - 29/nov/2019


As Estufas



Na passada semana, esteve em Caixa Alta, a questão da água para consumo humano e agrícola nas perspetivas da sua disponibilidade, gestão, comércio e de investimento público.

Hoje, trago-vos a questão da agricultura em regime de estufas, que a par das monoculturas intensivas e superintensivas, são o modelo de exploração com maior crescimento no nosso Alentejo.

Face à agricultura tradicional, a produção agrícola em estufas, é um método eficaz de controlo das variáveis e fatores que determinam o sucesso, ou insucesso, das produções agrícolas e, até mesmo, encurtar os ciclos produtivos e incrementar o número de colheitas de determinadas espécies.

Mas se este modelo tem estes pontos positivos, com os inerentes benefícios na disponibilidade alimentar, também existem vários pontos negativos que a ele estão associados e por regra são escamoteados e afastados do conhecimento generalizado das populações.

Recentemente acompanhei, em São Teotónio, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins e deputados e deputadas responsáveis pelas áreas do Ambiente, Habitação, Agricultura e Imigração, numa visita às estufas integradas no perímetro de rega de Mira.

Esta região constitui atualmente um mar de plástico. Estufas a perder de vista, que têm nascido sem quaisquer regras ou disciplina, estudos de impacto ambiental e muitas vezes em desrespeito pelos zonamentos predeterminados de proteção como parques naturais e similares. Mas constitui, também, terreno fértil para a proliferação de problemas sociais e laborais, porque a prática de exploração intensiva estende-se para além dos produtos agrícolas e atingem os trabalhadores e trabalhadoras, muitos deles migrantes recrutados à margem da lei, assim como as comunidades locais onde se inserem.

Esta visita espelha a preocupação crescente manifestada por diversas associações, organizações e comunidades locais, integra-se no contexto de várias ações do Bloco de Esquerda que para o efeito têm sido realizadas. Destaco a pergunta dirigida ao Ministério da Presidência e da Modernização Administrativa, sobre o acesso a habitação e serviços públicos pelos trabalhadores migrantes de explorações agrícolas no perímetro de rega do Mira. Destaco também o requerimento para audição do ministro das Infraestruturas e Habitação e do ministro do Ambiente e Ação Climática, sobre a resolução ministerial que prevê respostas excecionais de habitação indigna – isto é: contentores, dotados de algumas comodidades, colocados dentro das explorações agrícolas, para estes mesmos trabalhadores e trabalhadoras.

Em 4 de junho foi estabelecido um programa de erradicação das situações indignas de habitação através do decreto-lei nº. 37/2018. Para tal, com base numa Nova Geração de Políticas de Habitação, cerca de 170 000 fogos têm de ser construídos. Neste contexto impõem-se a questão: é esta resolução de ministros uma forma de dar cumprimento ao decreto-lei nº. 37/2018 ou uma cedência às vontades dos empreendedores agrícolas?

Estando o Perímetro de Rega do Mira integrado no Programa Nacional de Regadio, que abordei na passada semana, é de todo, e por extrapolação, legítimo considerar os 3.600 trabalhadores aferidos nos diversos relatórios conexos à resolução, como parte dos 10.000 que ocuparão os novos postos de trabalho criados pelo programa de regadio. Atendendo às condições precárias e sub-humanas atuais destes trabalhadores, o futuro não se adivinha melhor para os restantes, sejam eles migrantes ou não.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/Filipe M Santos, 29-11-2019


⇶ Crónica 05 - 06/dez/2019


JOSÉ MÁRIO BRANCO

Morreu José Mário Branco, a 19 de novembro de 2019, o músico, cantor e compositor que marcou a música portuguesa das canções de resistência ao fascismo até à nova geração do fado, músico que ao longo de meio século de carreira deixou a sua marca na cultura portuguesa e em várias gerações de artistas. A sua vida foi marcada igualmente pela intervenção política, pelo combate às opressões e à desigualdade social, como refere o artigo publicado em Esquerda.net.

Grava “Cantigas de Amigo” em 1967 mas é no exílio em França que compõe as músicas para textos de Natália Correia, Alexandre O’Neill, Luís de Camões e Sérgio Godinho que dão forma ao álbum “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades” em 1971. Este álbum levou-o a percorrer vários países europeus em concertos para as comunidades portuguesas e em atos de solidariedade contra o fascismo português em França, Suíça, Alemanha, Holanda e Itália. Esta ação foi sempre marcada pela sua participação política na luta contra o fascismo e nos combates pela liberdade. Destaca-se a sua ativa militância no Maio de 68 em França.

Regressa a Portugal após a revolução do 25 de Abril e torna-se uma das figuras da cultura portuguesa nos primeiros tempos de liberdade. Para além das inúmeras intervenções musicais, estende a sua atividade ao teatro, integrando o grupo A Comuna, onde veio a conhecer a sua companheira Manuela de Freitas, mas também ao cinema e à ação cultural, fundando com Fausto, Tino Flores e Afonso Dias o - Grupo de Ação Cultural - Vozes na Luta logo após chegar a Portugal. Este grupo dinamizou centenas de sessões de canto em aldeias, fábricas e quartéis por todo o país, participando inclusivamente no Festival da Canção de 1975 com o tema “Alerta”.

Num contexto cultural marcado também pela luta entre as diferentes orientações políticas da esquerda revolucionária, a intervenção política de José Mário Branco nesse tempo foi orientada para o agrupamento das correntes maoístas que viriam a dar origem à UDP, da qual foi fundador e dirigente, tendo sido eleito para a direção da UDP em 1980.

O período pós-revolucionário foi marcado por cisões tanto ao nível partidário como cultural, com as divergências a determinarem igualmente a sua saída do Grupo de Ação Cultural e também da Comuna. É neste período que compõe e edita duas das suas maiores obras musicais, “FMI” e “Ser Solidário”, que ficariam para sempre como a marca da desilusão por parte de uma geração que entregou a sua juventude ao processo revolucionário e assistia então ao desfazer das esperanças de construir uma sociedade socialista em Portugal. O cantor conclui o período com a canção e autêntico manifesto: "Eu vim de longe, eu vou para longe" do disco "Ser Solidário".

Os anos seguintes seriam férteis em colaborações com outros artistas, assumindo a orquestração, composição e arranjos musicais em trabalhos de velhos parceiros, como José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho ou Janita Salomé, mas também de novos companheiros como os Gaiteiros de Lisboa e Amélia Muge e um novo interesse pelo fado, onde colabora com Carlos do Carmo ou Camané. Edita um álbum de canções ao vivo em 1997.

Em 1999 participa na fundação do Bloco de Esquerda, de que foi membro da Mesa Nacional.

Num tempo marcado pela mobilização pela independência de Timor, servirá como base para o título do álbum seguinte, já em 2004, “Resistir é Vencer”.
Cinco anos depois, regressa aos palcos ao lado de Fausto e Sérgio Godinho no projeto “Três Cantos”, com vários dias de concertos no Campo Pequeno.
Em 2018 deu a conhecer um conjunto de canções e composições gravadas com o álbum “Inéditos 1967-1999”.

Eu vim de longe

de muito longe

o que eu andei p'ra'qui chegar

Eu vou p'ra longe

p'ra muito longe

onde nos vamos encontrar

com o que temos p'ra nos dar


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 6/12/2019




⇶ Crónica 06 - 13/dez/2019


CÁ POR CASA, TUDO BEM


Esta é a opinião de António Gonçalves que hoje partilho com os ouvintes da Rádio Castrense.

Vivemos num país à beira mar plantado, em que todos os ventos correm de feição e não há vozes discordantes.

Toda a gente vive bem, os salários dão para tudo e mais alguma coisa, não há fome, não há desempregados, mal damos pelo pagamento de impostos, os monopólios são nossos amigos e além disso, como sendo a cereja no topo do bolo, querem dar-nos 3 ou 4 euros de aumento em 2020. Por ano! Fantástico.

Obrigado Sr. Primeiro Ministro, obrigado Sr. ministro das finanças, obrigado Sr. Presidente da República (por esta ordem ou não), pela vossa generosidade.

Mas está tudo bem cá por casa.

Não há greves, o povo está satisfeito e pronto para mais uma vez acreditar nas promessas que os partidos que fazem parte do arco de governação, lhe fazem quando se aproximam os atos eleitorais.

E mais uma vez, porque está tudo bem cá por casa, tornam a votar nos que lhe prometem tudo e no fim, nada lhes dão.

A carga fiscal é cada vez mais elevada, os ordenados são cada vez mais pequenos, as reformas, uma ofensa à dignidade de quem descontou uma vida inteira para o estado.

Estado sanguessuga é o termo exato.

Sei de um caso, o qual partilho convosco, em que um trabalhador a recibos verdes, por falta de ter descontado, teve que pagar quase 90.000 euros, sendo 40 mil em juros de mora. Para no final receber de reforma a módica quantia de 358 €, depois de 43 anos de descontos!!!

Mas certamente vocês, caros ouvintes e leitores, saberão de outros casos semelhantes entre vossos amigos, familiares ou, até mesmo, vós próprios sejam um desses casos.

Quando chegarem as próximas eleições, não se esqueçam, cidadãos do meu país, de impor as vossas condições aos candidatos, não se fiem em promessas vãs, que qualquer pessoa com 3 dedos de testa, consegue ver que são balelas e promessas falsas, só para caçar votos.

Nunca vi, desde o 25 de Abril de 1974, tanta greve, tanto descontentamento, tantos ordenados de miséria, tanta corrupção, tanto clientelismo, tantos favorecimentos.

Esta minha crónica é apenas um alerta, um descargo de consciência.

Sim, porque cá em casa tudo bem!

Está tudo mal neste país à beira mar plantado.


Caixa Alta, Rádio Castrense
António Gonçalves/ Cristina Ferreira, 13/12/2019




⇶ Crónica 07 - 20/dez/2019



MAIS UM ANO ESTÁ A ACABAR.

Tradicionalmente esta é uma época de boa vontade, de solidariedade, de introspeção e de retrospetiva pelos momentos mais marcantes vividos no ano, e que nos leva a traçar novos objetivos, ou a ajustar metas que tínhamos considerado, mas que, por algum motivo, não se atingiram.

Com maior ou menor grau de precisão, qualquer que seja o credo ou ideologia, de forma intencional ou não, esta é uma regra válida para todos nós, enquanto seres individuais, enquanto seres numa sociedade.

2019 está a poucos dias do fim, mas antes da entrada de 2020, ainda muitas decisões terão de ser tomadas, entre elas o orçamento do governo para o novo ano.

Quão bom seria que Orçamento de Estado 2020 trouxesse “no sapatinho” – para usar um termo natalício, algumas das propostas do Bloco de Esquerda. Por exemplo a descida do IVA da energia, ou a resposta aos trabalhadores por turnos ou, ainda, o fim do fator de sustentabilidade nas reformas antecipadas por desgaste rápido.

Numa época de boa vontade, PS e governo apresentariam uma proposta de orçamento refletindo uma negociação e não como se tivesse maioria absoluta.

Talvez por isso, o Orçamento, na última versão conhecida, é no entender do Bloco de Esquerda, insuficiente para responder às grandes necessidades do país, por exemplo em matéria de investimento nos serviços públicos. É mesmo um travão em matérias como o fim das taxas moderadoras ou o Estatuto dos Cuidadores Informais, aprovadas na última legislatura.

Aliás, este Orçamento, o primeiro desta nova legislatura, fica aquém das propostas do programa eleitoral do próprio PS. Talvez o PS de hoje não soubesse das metas de investimento em habitação, ou das questões salariais inscritas no Programa de Estabilidade do PS em campanha – perdão, do PS em Governo há meio ano atrás.

À custa do desinvestimento nos serviços públicos, na habitação e ao efeito limitado das alterações no IRS o Orçamento proposto prevê um lucro de 500 milhões de euros.

Parece bom, se cumpridas as metas orçamentais, haver um excedente orçamental de 500 milhões de euros.

Mas, pense bem.

São 500 milhões que em vez de serem utilizados para equipar escolas e hospitais, reforçar o transporte ferroviário, reduzir os custos da energia, melhorar as condições de vida dos portugueses, ficam ali, supostamente parados.

Talvez seja um pé de meia para a eventualidade de algum banco ter de ser salvo. Quem sabe?

Numa época de retrospetiva, quão bom seria que este Orçamento aprofundasse as mudanças conseguidas na anterior legislatura.

A todos e a Todas umas Boas Festas e um feliz 2020.



Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira/Filipe Santos, 20/12/2019




⇶ Crónica 08 - 10/jan/2020




ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2020.


Na perspetiva do Bloco de Esquerda a proposta de Orçamento do Estado para 2020 [OE2020] apresentada pelo governo quebra o caminho de recuperação dos últimos 4 anos. Os acordos assinados à esquerda na anterior legislatura foram garantia de segurança para quem trabalha e impulsionadores da recuperação de rendimentos.

O Partido Socialista decidiu recusar soluções acordadas com a esquerda e tenta agora impor ao parlamento um Orçamento que se pauta pela estagnação, pela insuficiência e falta de clareza.

A proposta de OE2020 é a primeira que, em 5 anos, não contempla medidas concretas e eficazes de aumento de salários e pensões, contrariando o incremento dado em 4 anos: fim de cortes em salários e pensões, aumentos extraordinários nas pensões, aumento nos salários mais baixos, fim da sobretaxa e aumento dos escalões do IRS, bem como o descongelamento de carreiras.

Com a exceção do aumento do Salário Mínimo Nacional, não existem medidas de recuperação dos rendimentos do trabalho.

Aliás é de referir que uma vez que as atualizações previstas para salários, pensões e IRS estão indexadas à taxa de inflação de 2019 (0,3%), esta proposta de OE mantém estagnados os rendimentos do trabalho e condena trabalhadores e pensionistas a uma perda real rendimentos em 2020, ano para o qual o governo prevê uma inflação de 1%. As medidas apresentadas para apoio às famílias, como IRS para jovens, bonificação para segundo filho até 3 anos ou complemento creche, têm alcance nulo ou muito limitado.

A única medida eficaz para libertar rendimento e apoiar a economia - a descida do IVA da energia - surge como mera hipótese e sem qualquer concretização. Acresce que sem medidas de combate às rendas abusivas do setor energético, a proposta de OE 2020 compromete o objetivo de descida do preço da energia em Portugal, que se mantém como um dos mais altos da Europa.

Também as condições de acesso à reforma se deterioram. Depois de um caminho de valorização carreiras que permitiu acabar com a dupla penalização do fator de sustentabilidade para trabalhadores com longas carreiras e com todas as penalizações no caso das muito longas carreiras, bem como do alargamento do regime de desgaste rápido, esta proposta de OE não só ignora as injustiças que permanecem como as situações já identificadas de grande desgaste: a dos trabalhadores por turnos e trabalho noturno e a dos trabalhadores com deficiência. Sem novas regras, em 2020, a idade legal de acesso à reforma aumenta um mês, passando para os 66 anos e 6 meses, e o corte do fator de sustentabilidade para quem pede a reforma antecipadamente, fora dos regimes especiais mais favoráveis, vai situar-se acima dos 15%.

A Mesa Nacional do Bloco, que se reuniu no dia 4 de janeiro,  tinha decidido  que o partido não votaria a favor do Orçamento de Estado para 2020 na generalidade porque este não refletia as propostas que o Bloco tinha apresentado, porque não havia medidas de recuperação de rendimentos para além das que "decorrem das medidas aprovadas em anos anteriores" que "combatam os baixos salários e baixas pensões" e porque o investimento público "está sacrificado ao excedente” e torna-se um "problema de deficit económico no nosso país".

“Negociámos até ao último minuto”, informou Catarina Martins, acrescentando que há “questões ainda em aberto”, mas outras estão “garantidas” e com formulação já escrita.

Algumas das medidas concretas negociadas incluem a eliminação das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários, a recuperação nos valores das pensões mais baixas, um alargamento do complemento solidário para idosos, a redução do valor das propinas no primeiro ciclo do ensino superior, a licenciatura.

A coordenadora do Bloco Catarina Martins sinalizou que há ainda um conjunto de questões "em aberto" sobre energia, salários e prestações sociais e apoios.

Assim o Bloco de Esquerda compromete-se a apresentar, na especialidade, as diversas medidas que não foram objeto de negociação. Entre elas estarão propostas sobre educação, cultura, ciência, justiça, transportes, habitação e questões ambientais.

Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira,10/01/2020





⇶ Crónica 09 - 24/jan/2020






O AEROPORTO (DO MONTIJO)

Para que tenhamos um mundo mais sustentável os líderes políticos e económicos mundiais reúnem-se no Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça; as alterações climáticas e a necessidade de transformar a economia para criar um mundo mais justo e sustentável dão o mote a este encontro.

O desafio de reconciliar a economia com o planeta e criar um mundo mais coeso e sustentável é o apelo lançado pela comissária Europeia, visto que as questões ambientais estão no centro da discussão e é urgente a sua resolução.

Salvar o planeta, implementar economias mais justas e um futuro mais saudável é da responsabilidade de todos e exige ação e mudança por parte do todo e cada um tem o dever de participar e agir pois só assim a mudança ocorre.

Se em Davos se discute como criar mais sustentabilidade ao nível ambiental, em Portugal discute-se a criação de um novo aeroporto, o aeroporto do Montijo, numa área da extrema importância ambiental, numa zona densamente povoada e que possui um importante ponto de captação de água – Onde está a preocupação com o ambiente e as pessoas?

O impacto ambiental do projeto bem como as alternativas de implantação no terreno devem equacionar a avaliação de impactes positivos e negativos relativos à transferência/aumento de tráfego associado, nomeadamente o decréscimo da qualidade de vida da população aí residente.

As consequências ao nível das acessibilidades, conservação da natureza, ruído e poluição do ar são algumas das questões que devem ser equacionadas bem como os custos associados à minimização dos impactos negativos.

A conservação da natureza é um dos maiores problemas de ter um aeroporto junto ao estuário do Tejo, bem como o efeito sobre as aves que ali passam na sua rota migratória e, como tal, merecedor de toda a atenção.

Quanto ao ruído, para além da perturbação da avifauna do Estuário do Tejo, irá também afetar essa zona densamente povoada.

Se a Agência Portuguesa do Ambiente permitir o avanço deste projeto consegue-se destruir um estuário, a qualidade de vida da população aí residente e um ponto de captação de água.

Afinal em que ficamos?

Defendemos o ambiente ou somos hipócritas ao ponto de o destruir sob a bandeira do desenvolvimento?  


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 24/01/2020




⇶ Crónica 10 - 31/jan/2020







Fator de Sustentabilidade

Cumprem-se doze meses que os trabalhadores das lavarias e pedreiras obtiveram acesso a antecipação da idade de reforma por desgaste rápido. Este era um direito reivindicado por estes trabalhadores há já longos anos e que foi possível alcançar face a uma conjuntura política favorável de quando o governo na anterior legislatura granjeou do apoio parlamentar negociado entre os partidos de esquerda – PS, PCP e Bloco de Esquerda.

No entanto este direito é ainda usufruído de forma manca, pois a regulamentação que estabelece a sua aplicação penaliza os trabalhadores que o exerçam. Isto é, por um lado são reconhecidas as condições extraordinárias de desgaste nas profissões destes grupos de trabalhadores, por outro, estes mesmos trabalhadores por via dos decretos regulamentares, portarias e extensões que lhes são aplicados, acabam sendo castigados, e esse é o termo correto, castigados por terem exercido sua profissão numa atividade desgastante.

Desde que começou a ser aplicado o fator de sustentabilidade, nas pensões de reforma, este foi igualmente aplicado às pensões dos trabalhadores das profissões de desgaste rápido, à revelia do que expressa a lei – acesso à pensão sem penalizações. Tal facto foi imediatamente denunciado pelas várias estruturas representantes dos trabalhadores, uma delas o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira. Surgiram, entretanto, algumas “adendas” regulamentares para legitimar essa subtração.

Os trabalhadores mineiros, pescadores, pedreiros, lavarias entre outros, abrangidos por esta regulamentação, individualmente ou unidos nas suas estruturas representativas mantêm a reivindicação de que o fator de sustentabilidade deve ser retirado do cálculo das pensões requeridas antecipadamente por desgaste rápido e no último dia 29, um grupo destes homens e mulheres, depois de um curto percurso em manifestação, levaram à sra. ministra do trabalho a sua carta reivindicativa.

Hoje dia 31, decorrem novas manifestações em Lisboa, organizada por CGTP e sindicatos afetos à central que convocaram à participação dos trabalhadores de todo o país. Entre estes, espero que os trabalhadores camarários de Moura, não se tivessem amedrontado pelo seu presidente nem pela sua tentativa de limitar o direito de manifestação.

Sei que não é só em Moura que os trabalhadores são assediados com o sentido de limitar o seu direito a manifestar. Este mal existe também no sector privado, mas vejo com muita preocupação que atos destes têm crescido impunemente nos órgãos públicos



Caixa Alta, Rádio Castrense

Filipe M Santos/Cristina Ferreira, 31-01-2020  



⇶ Crónica 11 - 07/fev/2020






OS AMIGOS DA COESÃO



A cimeira dos chamados “Amigos da Coesão” é um grupo constituído por 17 estados-membros da União Europeia, unidos em torno da contestação ao orçamento comunitário que irá vigorar entre 2021 e 2027.

António Costa, em Beja, presidiu à Cimeira dos Amigos da Coesão.

Cidadãos vestidos de negro e em silêncio concentraram-se no local onde decorreu a cimeira para passar a mensagem de que falar de coesão e não a praticar é, no mínimo, uma afronta.

Afronta para quem quer chegar ou sair de Beja pois não há comboio, a autoestrada e o aeroporto não funcionam e, para completar o cenário, a estrada está em péssimo estado.

À urgência da satisfação destas necessidades para o distrito o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, deixou o compromisso: “a seu tempo daremos resposta às necessidades de cada região”, disse, mas sem especificar o tempo de resposta para o distrito de Beja que mesmo que seja breve já é demasiado longo.

Este governo, liderado por António Costa, desprezou o “Grupo dos Amigos da Coesão” apesar do benefício que deu a Portugal aquando das negociações do quadro financeiro europeu que está em vigor de modo a evitar a redução dos fundos da coesão: não o conseguiu e os montantes globais de coesão baixaram para Portugal ao passo que os valores, para países mais ricos, subiram.

Esta cimeira, que passou um pouco despercebida, mesmo que tivesse contado com a participação de 17 líderes dos 27 países da União Europeia não contando, assim com coesão ao nível da participação.

Se se pede mais dinheiro para políticas de coesão não deveriam estar todos presentes?

Onde está a união quando nem todos assinaram o tratado de coesão visto que a Itália e a Croácia não assinaram?

É coesão quando 17 países se reúnem para se colocarem contra os outros 10?
Será que a escolha de Beja para a realização desta cimeira pretendeu transmitir a ideia de que Portugal precisa de mais dinheiro? Se Beja apresenta péssimos acessos pelo deve ter mais investimento, deve-se deduzir que Portugal deve receber mais fundos!

Será que Beja serviu como amostra para afirmar que ainda somos um país de coitadinhos pelo que deve receber mais fundos?  Fica no ar a pergunta.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 07/02/2020




⇶ Crónica 12 - 14/fev/2020







FACTOR DE SUSTENTABILIDADE


Findo o processo de aprovação do Orçamento de Estado para o corrente ano, que em muitas matérias, refém de uma estabilidade governativa pretensamente esquerdista, ficou aquém das expectativas, trago-vos de novo o Fator de Sustentabilidade nas pensões de reforma requeridas antecipadamente por desgaste rápido, tal como ele é entendido por António Guerreiro, trabalhador das lavarias a usufruir de uma reforma neste regime.

Segundo os seus autores o Factor de Sustentabilidade relaciona-se com a esperança média de vida e aplica-se desde 2008.

Inicialmente aplicava-se a todas as pensões, neste momento aplica-se “apenas” às reformas antecipadas, de forma a compensar as alterações demográficas no nosso país e o seu impacto nas contas da Segurança Social.

Em 2019 aplicava-se um corte de 14,7% por força do Factor de Sustentabilidade. Por exemplo, uma reforma de 1000 euros perdia 147 euros. Em 2020 subiu para 15,2% e assim sendo os mesmos mil euros perdem agora 152.

Existem profissões consideradas, com toda a legitimidade, de desgaste rápido. De entre outras e porque está directamente relacionada com a nossa região destaca-se na Indústria Mineira a dos mineiros propriamente ditos, ou seja, os trabalhadores do subsolo e os mineiros de superfície, chamados de trabalhadores das Lavarias.

Estas profissões beneficiam de um regime especial devido à penosidade do trabalho e às condições em que este é exercido. Tanto no interior da mina como à superfície estão sujeitos às mais variadas condições nefastas para a sua saúde, como são a exposição a poeiras em suspensão, a exposição a metais pesados, ruído, reagentes químicos, radiações, grandes amplitudes térmicas, altos graus de humidade para além do trabalho por turnos e em laboração contínua, etc, etc.

Por beneficiarem deste estatuto, por cada dois anos de trabalho acresce mais um para efeitos de reforma.

Assim tomemos como exemplo um trabalhador que entrou para a mina com 25 anos e trabalhou lá ininterruptamente durante 30 anos. Neste momento tem 55 anos, se lhe juntarmos os 15 de que beneficiou devido ao seu estatuto, este trabalhador tem uma equivalência a outro que tenha 70 anos. Se neste momento a idade legal da reforma é aos 66,6 anos este trabalhador já a ultrapassou em 3,4 anos.

Se assim é, como é possível que se aplique o Factor de Sustentabilidade a este trabalhador? Até porque, como consta do seu processo de reforma ele está aposentado por velhice.

É conhecido que o deputado do PS Pedro do Carmo questionou a Ministra do trabalho sobre se iria ou não abolir o Factor de Sustentabilidade para estes trabalhadores, é também conhecido que a Ministra do Trabalho garantiu à CGTP e aos partidos de esquerda – entenda-se BE e CDU – que sim, que iria ser eliminado o Factor de Sustentabilidade. Esperava-se que fosse com a aprovação do Orçamento de Estado para 2020, mas tal não veio a acontecer.

Os mineiros continuam atentos e dispostos a continuar a luta pelos seus direitos e ao Sr. Deputado Pedro do Carmo ficava-lhe bem continuar a insistir em defesa da sua região e das suas gentes e que se deixasse de “touradas”.



Caixa Alta, Rádio Castrense

António Guerreiro/Cristina Ferreira, 14/02/2020




⇶ Crónica 13 - 21/fev/2020






PELO DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE

O anteprojeto de lei do Bloco de Esquerda, entregue em fevereiro de 2016, na Assembleia da República, excluía o recurso à morte assistida a menores e doentes com perturbações mentais, era constituído por 25 artigos e definia as condições em que a pessoa poderia recorrer à morte assistida. E foi este documento que foi apresentado, na Casa da Cultura de Beja, em 2017, por Ana Matos Pires, João Semedo e José Manuel Pureza.

Passados quatro anos são aprovados na generalidade na Assembleia da República os cinco projetos de lei sobre descriminalização da eutanásia. Bloco de Esquerda, PAN, PS, PEV e IL levaram a votos diplomas sobre este tema: o do Bloco de Esquerda contou com 124 votos a favor.

A apresentação do projeto de lei do Bloco de Esquerda esteve a cargo de José Manuel Pureza. Pureza citou João Semedo e colocou a pergunta “escolhemos nós a prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida que significa uma violência insuportável para muitos ou, recusando qualquer imposição, decidimos respeitar a escolha de cada um sobre o final da sua vida?”.

Mariana Mortágua recordou que o tema não é novo e, por isso, nenhum deputado pode “dizer, em consciência, que não teve tempo ou condições para tomar uma posição”, pois não devemos obrigar uma pessoa com um prognóstico irreversível de doença fatal, que se encontre numa situação de sofrimento profundo e irredutível e quem, de forma lúcida e consciente, deseja evitar essa agonia degradante a suportar o prolongamento do sofrimento, impedindo que decida sobre como deseja viver a sua morte com dignidade. 

Esta “não é uma questão de conceções ideológicas de Estado ou de mercado; não é uma questão da nossa relação com a religião nem de alteração da nossa conceção sobre a vida”. A decisão é “se a sociedade deve impedir ou permitir que o sistema de saúde ajude a interromper um sofrimento que não tem cura e que aquele que sofre considera intolerável”. 

Assim, deve-se “respeitar a dignidade que cada um escolheu para si”, o que é “uma questão de humanidade e compaixão”. Uma questão de respeito para todos “tanto quem escolhe dignamente viver o seu sofrimento até ao fim, como quem, para manter a sua dignidade, decide por um fim ao seu sofrimento”.

Por sua vez, Moisés Ferreira questionou: “porquê obrigar ao sofrimento? Porquê prender à dor e à violência de ver-se a definhar contra a sua vontade? Porquê submeter o outro a algo que a pessoa já não considera ser a sua vida?” A decisão é sempre da pessoa e não de outrem. “À sociedade cabe construir os instrumentos para concretizar esta decisão,” disse.

Na intervenção de encerramento, Pedro Filipe Soares definiu-o como “um dos debates mais importantes da atual legislatura” e reconheceu a “elevação e serenidade do debate no parlamento e no país”, a provar que “este tema já está bastante discutido na nossa sociedade e não criou nenhum tipo de alarme social”.

O líder parlamentar bloquista lembrou o debate aberto pelo Bloco de Esquerda, pela mão de João Semedo. “Mais direitos não implicam um desvario qualquer”, recordando a semelhança dos argumentos de algumas bancadas da direita com os que usava na oposição à descriminalização do aborto, todos desmentidos pela realidade que se seguiu a essa decisão. Respondendo ao argumento de que os cuidados paliativos seriam a alternativa à morte assistida, Pedro Filipe Soares afirmou que “a ciência tem limites, não consegue responder a toda a dor, a todo o sofrimento, nem principalmente às questões da dignidade”.

No entanto, a aprovação dos projetos lei não é o fim do processo legislativo. Depois desta aprovação na generalidade, os projetos de lei seguem agora para o debate na especialidade, onde os diferentes projetos aprovados serão ajustados entre si até chegarem a um texto comum. 

Esse novo texto deverá depois ser novamente submetido a uma votação na especialidade e só depois a uma votação final global. Caso seja aprovada, a lei segue para Palácio de Belém. Lá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, poderá vetar, promulgar ou enviar para o Tribunal Constitucional.

Caso Marcelo Rebelo de Sousa decida usar o veto político, a lei é reenviada para São Bento, para que a Assembleia da República decida alterá-la (ou não). Se for alterada, o Presidente da República pode voltar a vetá-la. No entanto, se o texto for aprovado novamente pelo Parlamento sem que tenha sido feita qualquer alteração, então o Presidente é obrigado a promulgar.

Se o Tribunal Constitucional considerar que a lei é inconstitucional, o Parlamento terá de alterar a lei, respondendo às observações e recomendações feitas ao diploma.


Rádio Castrense, Caixa Alta

Cristina Ferreira, 21/02/2020





⇶ Crónica 14 - 28/fev/2020






REGIONALIZAÇÃO

A Constituição da República prevê, desde 1976, a descentralização de competências para as autarquias – freguesias, municípios e regiões – como órgãos diretamente eleitos pelas populações.

O poder central consome 90% dos recursos financeiros do Estado, a Administração Local apenas 10% da despesa pública.

Uma verdadeira descentralização só ocorrerá com a criação das Regiões Administrativas. Só com a eleição direta dos órgãos de decisão regionais se atingirá da melhor forma a descentralização administrativa e a democratização do Estado.

Os princípios da igualdade de todos os cidadãos e cidadãs no acesso aos serviços públicos, nomeadamente à saúde, à educação, à cultura, à justiça e aos apoios sociais têm de ser garantidos de forma igual a todos e têm de estar distribuídos por todo o território nacional. Quando tal não acontece assistimos à desertificação dos territórios e ao agravamento das assimetrias sociais, económicas e culturais.

Na opinião de João Vasconcelos, deputado pelo Bloco de Esquerda, o atual processo de descentralização de competências para os municípios, que começou na anterior legislatura, mais não foi do que um negócio “cozinhado” entre o governo, o PS e o PSD. Na prática, o que se trata é de um processo de municipalização sem os correspondentes meios financeiros e humanos, o que só irá criar mais dificuldades aos municípios e degradar os serviços públicos.

Um processo de descentralização só será verdadeiramente sério se englobar a criação das Regiões Administrativas e, felizmente, muitos autarcas e outras entidades estão a chegar rapidamente a estas conclusões.

O Inquérito realizado pelo ISCTE revela 77% dos presidentes de câmara do país quer avançar com a criação das Regiões Administrativas.

Também a “Comissão Independente para a Descentralização” aponta, no seu Relatório, para a criação das Regiões Administrativas e é bem elucidativo ao constatar que o adiamento da Regionalização só tem contribuído para o acentuar do centralismo das decisões públicas, das desigualdades territoriais e das assimetrias no país, contribuindo para o abandono das populações que se sentem cada vez mais esquecidas e longe dos decisores políticos.

A Regionalização permite uma maior democracia e participação dos cidadãos pois aproxima-os mais do poder para a resolução das suas necessidades, permite combater com mais eficácia o clientelismo, as assimetrias e a corrupção.

Regionalizar conduz também à partilha do poder, o que não agrada nada aos centralistas e a quem detém o poder central, pois ficam mais vulneráveis às críticas e à erosão governativa.

A não implementação das Regiões Administrativas, tem conduzido a graves distorções económicas, sociais, ambientais e culturais. Um desenvolvimento regional que devia ter sido mais harmonioso e equilibrado em todas as suas vertentes, ao longo das últimas décadas, não teve lugar, antes agravou-se.

O Relatório da Comissão para a Descentralização também tem o mérito de relançar o debate público em torno da Regionalização, em torno da criação das Regiões Administrativas, e é nesse sentido que aponta o Projeto de Resolução do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Um processo que deve ser dinâmico e devidamente participado pelas populações, o qual deverá ficar concluído em 2021, incluindo a consulta pública e o calendário para a sua implementação.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 28/02/2020




⇶ Crónica 15 - 06/mar/2020




ASSEMBLEIA MUNICIPAL DESCENTRALIZADA

Recentemente realizou-se a Assembleia Municipal de Almodôvar, desta vez descentralizada, na Aldeia-dos-Fernandes.

A ideia de Assembleias Municipais descentralizadas é defendida pelo Bloco de Esquerda há vários anos.

A esse propósito, e motivado por tal acontecimento, dou-lhes a conhecer a opinião de António Guerreiro, candidato e deputado neste órgão em eleições anteriores, em relação a comentários e ações públicas de membros eleitos para a Assembleia Municipal.

No PS de Almodôvar vai despontando um rapaz que, fruto da sua ambição talvez venha a “chegar longe”, e este chegar longe vai entre aspas porque me parece que não é no bom caminho em termos de defesa da verdade e da transparência que se exige a um eleito na Assembleia Municipal e líder da Juventude Socialista do Baixo Alentejo.

Conheço-o há alguns anos já que foi meu colega de trabalho e durante esse período pude verificar a sua determinação, a sua vontade de aprender e até cheguei a pensar que dali se pudesse aproveitar alguma coisa e que fosse de um PS diferente, de um PS de esquerda mas infelizmente tenho verificado que afinal não passa de mais do mesmo, senão, e, até fruto dessa ambição, pior do que aquilo a que estávamos habituados. Nomeadamente no que concerne ao aproveitamento do trabalho dos outros, aquilo a que eu costumo chamar de parasitismo.

Passo a explicar:

Devo confessar que não sou adepto de redes sociais e muito menos do Facebook mas vai sempre aparecendo alguém que me vai chamando a atenção para algumas coisas que por lá circulam e vai daí, lá dou uma espreitadela e por vezes deparo-me com coisas que – como diria algum crente – não lembraria ao diabo.

Em 30 de Setembro de 2019 o nosso amigo colocou um vídeo nesta rede social em que reclama para o PS os louros da aprovação da lei que consagra o direito de antecipação da idade da reforma para os trabalhadores das lavarias, quando é por de mais sabido que pela vontade do antigo ministro do trabalho e da segurança social, Vieira da Silva, tal nunca teria acontecido, já que os mineiros nunca lhe mereceram qualquer consideração e que esta lei foi aprovada a partir de propostas do BE e da CDU na sequência das lutas desenvolvidas pelos trabalhadores e que não precisava para nada dos votos do PS na medida em que tanto PSD como CDS as votariam favoravelmente e, então o PS, que estava em minoria, para não ficar isolado, acabou também por votá-las.

Mais tarde no WhatsApp colocou, numa clara tentativa de aproveitamento, um outro com o deputado Pedro do Carmo em que este questiona a ministra do trabalho sobre a eliminação do factor de sustentabilidade para os trabalhadores das minas que beneficiam do estatuto de desgaste rápido onde se afirma que teve resposta favorável. O certo, é que até à presente data, ele continua em vigor. Já se passaram cinco anos de governo PS que se dizia contra, quando este foi implementado por Passos Coelho a propósito da crise e da Troika. Também neste caso o BE tem reivindicado a sua eliminação há quase dez anos e naturalmente não vai desistir.

Recentemente, a 28 de Fevereiro realizou-se e muito bem, na sua terra, a Aldeia dos Fernandes, uma sessão ordinária da Assembleia Municipal e ao que parece, pretende-se que seja a primeira descentralizada.

Na sua página no Facebook pode-se ler um texto, em que afirma que existe um aproveitamento político, por parte do PSD, numa clara tentativa de enganar os eleitores menos atentos, e que quando estiveram no poder não apresentaram propostas, que visassem implementar políticas de participação dos cidadãos nos órgãos autárquicos e que o fazem agora que estão na oposição. Isto, a propósito da aprovação da realização de Assembleias Municipais descentralizadas. Diz ainda o Sr. Deputado que a bola está, a partir de agora, do lado dos munícipes.

Não pretendo defender o PSD, era o que mais faltava, mas devo dizer ao Senhor Deputado Municipal Luís Martins que, se é verdade que o PSD quando estava no poder nada fez pela descentralização das Assembleias, o seu partido, nem no poder nem na oposição.  

O BE foi fundado em 1999 e nas eleições autárquicas de 2001, já tinha no seu programa para a Assembleia Municipal de Almodôvar a proposta de descentralização da mesma e nunca deixou de o fazer até ao presente. No mandato de 2009-2013 o Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia esse ponto à discussão; talvez o Sr Deputado Luís Martins desconheça qual foi o sentido de voto do seu partido. Informe-se!

Aproveito ainda para recordar dois episódios:

UM, que aconteceu no final da Assembleia Municipal em que esse ponto não foi aprovado devido às votações, quer do PS quer do PSD. A determinada altura um deputado do Partido Socialista chamou-me e disse-me: “Oh Bia, tu não tás bom, então já viste o que era irmos fazer uma Assembleia para S. Barnabé? Chegávamos a casa já de madrugada.”.

Mais palavras para quê?

Era um democrata do PS.

O OUTRO, ainda que muita gente pense que é a primeira vez que se faz uma Assembleia Municipal descentralizada no concelho de Almodôvar o que é facto é que não é.

Há muitos anos, talvez mais de trinta, julgo que em Santa Clara, realizou-se a primeira e única sessão da Assembleia Municipal ordinária descentralizada.

E única e porquê?

Porque as pessoas da povoação aderiram de tal forma à sessão, colocaram tantas dúvidas e apresentaram tantas propostas que aquilo acabou por deixar os eleitos incomodados, de tal forma que nunca mais repetiram. Portanto se é verdade, Sr. Deputado Luís Martins que a bola está do lado dos munícipes ela está, principalmente, do lado dos seus representantes, que foi para isso que foram eleitos. E não se devem acomodar à sala quente e confortável de sessões nos Paços do Concelho. Devem ir não só para S. Barnabé como, se necessário, ir para a Várzea de Ourique ou para a Caiada e se tiver que ser na rua, pois que o seja.

Senhor Deputado Luís Martins, uma boa ideia não deixa de ser boa só porque não fomos nós a apresentá-la.

É verdade que esta já vem um pouco atrasada, desde que o BE de Almodôvar a propôs pela primeira vez já se passaram 19 anos, apesar disso, mais vale tarde que nunca.

Peço-lhe que, da sua parte, tudo faça para que não acabe como na primeira vez.

Ah, e já agora, um pouco de humildade democrática também não lhe ficava nada mal.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/António Guerreiro, 06-03-2020 




⇶ Crónica 16 - 13/mar/2020




ESTAR CONSCIENTE PARA SALVAR O AMBIENTE!
- Greve Climática Estudantil

Rafael Costa, mandatário da juventude pelo Bloco de Esquerda no distrito de Beja, apresenta uma reflexão sobre a atualidade, nomeadamente sobre as alterações climáticas, respetivas implicações e responsabilidades tanto a nível individual como coletivo, pois deve-se Estar consciente, para salvar o ambiente!
Soubemos que a Greve Climática Estudantil que se realizaria hoje, dia 13 de março, a nível nacional foi cancelada. Efetivamente, esta foi a medida correta tendo em conta o surto de Covid-19, vulgo Coronavírus, entretanto já considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde. Tendo presentes todas as recomendações, tanto nacionais como internacionais, e em nome da segurança e saúde pública, esta importante Greve realizar-se-á numa data posterior. Ainda assim, está convocada para amanhã uma Greve Climática Digital, através da partilha de fotos de cartazes na Internet. Espero que permita um grande alcance e não deixe os utilizadores indiferentes.
Mas que toda esta situação não nos faça esquecer as questões climáticas, que não nos retire o foco de um assunto tão importante. Se há vítimas deste novo vírus, também há muitas vítimas das alterações climáticas, que dão origem a refugiados, à destruição de ecossistemas, à morte de muitas espécies. A crise climática é também ela muito preocupante, muito séria e não é uma situação nova. Tem vindo a arrastar-se e a fazer milhares de vítimas.
Bem sabemos que tudo isto passa ao lado dos dirigentes políticos a nível internacional, que por conta dos interesses económicos, permitem o agravar de uma situação que pode condenar-nos o futuro. As questões ambientais devem preocupar-nos bastante, enquanto jovens. O que não aceitamos é que os mais velhos, sem perspetivas de futuro, consigam ter a coragem de aniquilar o nosso, de destruir o dia de amanhã dos seus filhos e netos. Não podemos aceitar. Também sabemos que Não há planeta B… e se quem tem poder para implementar reais medidas que permitam alterações e evoluções prefere ignorar e nada fazer, lamento informar que não nos representam. O ambiente tem sido um dos principais campos de ação do Bloco de Esquerda, ninguém pode ficar indiferente e é necessário exigir mudanças. E é por isso também que, desde o primeiro dia, o Bloco de Esquerda tem manifestado total apoio à Greve Climática Estudantil, reconhecendo a sua importância e o seu papel a nível mundial na pressão política e exigência de respostas.
É urgente que exista a coragem para que os vários Estados se unam, não apenas na declaração do estado de emergência climática, mas também através de medidas concretas, como a substituição dos combustíveis fósseis por energias renováveis, fomentando e facilitando o acesso a meios de transporte públicos que não poluam.
Não nos tentem convencer de que todos os problemas ambientais se resolvem com alterações nos comportamentos individuais. É verdade que é muito importante ações como reciclar, reutilizar, não desperdiçar, não gastar sem necessidade (por exemplo, não utilizando plásticos). E com certeza é uma boa ajuda. Só que não podem vir os dirigentes e os responsáveis por tudo isto (que nem olham ao ambiente pela cegueira do dinheiro), dizer-nos que não está nas suas mãos resolver esta crise.
Em Portugal, há muito a fazer. E o mais preocupante é que o assunto principal parece ser a possibilidade de construção de um novo aeroporto no Montijo, quando permanece em Beja um condenado ao abandono. Aliás, parece a prioridade estar no investimento em meios de transporte poluentes. Outra praga que assistimos, principalmente no Alentejo, são as monoculturas intensivas de olival e amendoal, que recorrem à utilização de fitofármacos, que envenenam os solos e contaminam cursos de água. Já para não falar no desperdício de recursos, até hídricos, para sustentar culturas em que a qualidade do produto deixa muito a desejar.
A própria União Europeia, que deveria ter uma responsabilidade acrescida nesta matéria, vai adiando a neutralidade carbónica para 2050 e atrasando medidas essenciais no combate às alterações climáticas. Mas se realmente se está a discutir uma Lei Climática, pode agradecer-se ao corajoso trabalho da jovem ativista Greta Thunberg, que conseguiu mobilizar gerações de jovens e sensibilizar muitas pessoas para todos estes problemas. E, dessa forma, também teve importância simbólica a sua passagem por Portugal. Só que a União Europeia também deve ter o papel fulcral de apoiar os países com mais dificuldades, nomeadamente no investimento em energias renováveis. Portugal tem vindo, ao longo do tempo, a desenvolvê-las, nomeadamente a energia solar, eólica e hídrica e tem condições naturais que permitem fazer mais e melhor, aumentando também a própria eficiência.
Continua a fazer-me confusão como se colocam os interesses económicos acima dos interesses do planeta. Provavelmente fingem esquecer-se de que sem este planeta, de nada serve o dinheiro. E depois? Pretendem habitar em Marte, para iniciar uma nova destruição? Nada pode ser mais perigoso do que as vozes céticas que olham para tudo isto como uma invenção. As vozes que não respeitam a ciência e descredibilizam o trabalho daqueles que alertam para o pior. Mas… culpados? Realmente há muitos. Principalmente os responsáveis pela exploração dos produtos altamente poluentes, bem como dos que produzem desenfreadamente produtos descartáveis, supérfluos, sem durabilidade, mas que alimentam a sede capitalista do consumismo.
Estes discursos são muito alimentados por Donald Trump, e até Jair Bolsonaro, que insistentemente teimam em retirar o mérito às associações que procuram a preservação do ambiente. Vejamos a grande potência que são os EUA, que concentram nas suas mãos muitas das decisões importantes… e depois olhamos para um Presidente que desmente as alterações climáticas, ou o aquecimento global, logo através da saída do Acordo de Paris.
Olho para a minha geração e para as gerações mais consciencializadas relativamente às questões ambientais e consigo depositar alguma esperança na Humanidade. Mas se tudo se mantiver igual, temo que seja tarde demais. Temo que seja impossível reverter esta situação catastrófica, em que “futuro” significará pouco mais que obscuro.

Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira / Rafael Costa, 13/03/2020



⇶ Crónica 17 - 20/mar/2020



Bloco apresenta propostas para responder à crise do COVID-19

O Bloco de Esquerda apresenta um conjunto medidas excecionais e temporárias de resposta à crise epidemiológica e económica que estamos a viver. Pedro Filipe Soares afirma que são necessárias “medidas urgentes para proteger o emprego e salvaguardar os rendimentos dos trabalhadores e das trabalhadoras”.

Assim aponta três preocupações em particular a que devem ser dadas respostas"

  • Propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda


São propostas a suspensão dos despedimentos durante o período da crise epidemiológica, para proteger o emprego num momento essencial.

São corrigidas algumas insuficiências das propostas do Governo, protegendo os trabalhadores de grupos de risco com o direito ao teletrabalho ou à dispensa de serviço, é alargado o apoio excecional para situações de trabalhadores com mais do que um filho com menos de 12 anos e alterado o regime de Lay Off pelo que não irá prejudicar resultar na privação do direito a férias dos trabalhadores.

Solicita-se a “Prorrogação do período de concessão das prestações de desemprego por 3 meses, onde se inclui subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego inicial, subsídio de desemprego parcial e subsídio social de desemprego”, sublinha o líder parlamentar bloquista.

Em segundo lugar, garantir direitos e proteger as pessoas.

“Considera-se que neste momento de crise se deve garantir os direitos fundamentais como o direito à habitação, suspender os despejos e criando moratórias ao crédito de habitação própria e ao pagamento de renda para pessoas que perderam bruscamente o seu rendimento”, salienta o líder parlamentar bloquista.

Em terceiro lugar, defender os serviços de saúde.

“Mobilizar todos os recurso e meios para garantir a resposta do SNS. Para isso, permitir ao governo a possibilidade de recorrer aos privados para a capacidade produtiva e o reforço de profissionais”, afirma Pedro Filipe Soares.

Para Catarina Martins “O estado de emergência não deve suspender a democracia e os direitos”

Admite-se o recurso ao estado de emergência de forma a “chamar à responsabilidade” quem “se aproveita da crise”. Este não deve servir para suspender direitos e deverá ser revisto dentro de duas semanas.

No debate parlamentar sobre a declaração do estado de emergência na sequência do surto de COVID-19, a coordenadora do Bloco sublinhou “a impreparação de todo o mundo perante um vírus que não conhece fronteiras e contra o qual não temos ainda armas eficazes”. “Estamos a viver uma crise inédita e que causa natural alarme”, reiterou.

Catarina Martins fez também questão de manifestar preocupação perante o aumento do número de infetados, deixando “votos de rápida recuperação de todos os que estão doentes”, e pesar face à notícia de que há vítimas mortais em Portugal, sublinhando a solidariedade “com a dor das suas famílias e amigos”.

A dirigente bloquista pensa que “em todo o país” está a ser dada uma “resposta inédita” a esta situação. Por isso, agradeceu aos profissionais de saúde, pelo seu trabalho, à generalidade da população, por seguir “de forma exemplar as orientações da Direção Geral de Saúde”, às forças de seguranças e aos trabalhadores dos setores público e privado, “que garantem o funcionamento de serviços essenciais” e às pessoas em vigilância e isolamento profilático.

Para Catarina Martins estas atitudes são motivo de orgulho de um país que manteve “o essencial”: “a serenidade pública e uma profunda mudança de comportamentos, tal como recomendado pelas autoridades de saúde”.

Mas o orgulho pela forma como o país tem respondido à crise, não esconde “que pode haver quem não esteja à altura do momento e até quem se tente aproveitar da crise”. 

Referia-se à “vaga de despedimentos de trabalhadores precários”, ao “abuso laboral de algumas empresas que arriscam irresponsavelmente a saúde dos trabalhadores, recusam planos de contingência e até a proteção dos grupos de risco”, à “vampirização do Serviço Nacional de Saúde pelo negócio privado da saúde que se fecha na resposta à crise na esperança de vir a ter as contratualizações dos casos mais simples a que o SNS não pode responder agora”, às empresas que “produzem material essencial ao país neste momento - desde logo máscaras e equipamentos de proteção individual - e optam pela exportação”.

O Bloco julga que estes “têm de ser chamados à responsabilidade” e que “o governo tem de agir” porque “não podemos tolerar quem se aproveita da crise”. E, no seu entender, é “para isso - e só para isso - que deve servir o Estado de Emergência”.

O partido adverte, no entanto, que, no prazo de duas semanas, “cá estaremos para avaliar os termos da sua aplicação”. E avisa que o estado de emergência - excecional e transitório - “não deve servir para suspender a democracia nem direitos essenciais”.

Este será tempo suficiente para o governo “criar e impor os mecanismos de contingência que protegem a saúde dos trabalhadores, de requisição do setor privado da saúde, de reforço da produção industrial essencial”, sendo prioridade “garantir a resposta do SNS e apoiar os seus profissionais” e, “simultaneamente, pensar nas pessoas e nos seus rendimentos”.

O Bloco de Esquerda quer o “reconhecimento da emergência sanitária e da emergência económica e social” que leve à implementação de um conjunto de primeiras medidas de que faz parte “proibir despedimentos, despejos e cortes de luz, gás, água e comunicações e suspender prestações de crédito à habitação e rendas de casa às pessoas que tenham os seus rendimentos gravemente diminuídos”.

A dirigente do Bloco esclareceu que este tipo de medidas está em preparação ou já foram adotadas em vários países europeus.

Para além disto, Catarina Martins insiste que é preciso “ajudar a economia e criar pacotes de apoio e financiamento que mantenham a produção e o emprego”, sublinhando “a modéstia do pacote anunciado pelo governo português, em percentagem do produto, quando comparado com o de outros países, a começar pela Espanha”.

Sabendo que “a pandemia traz com ela uma crise económica” será ainda preciso “não repetir os erros cometidos na resposta à crise anterior”. Desta forma, é necessário “proteger o emprego” para “proteger o país” o que torna urgente “parar os despedimentos”, “condição para podermos enfrentar a dinâmica recessiva que se instalará”.

Catarina Martins concluiu salientando que “o país está a mostrar o seu melhor na solidariedade cidadã e no civismo demonstrado” e que “temos longas semanas ou meses - em condições adversas - para continuar a dar uma resposta que a todos trate com dignidade”. “Será com responsabilidade, determinação e solidariedade que ultrapassaremos esta crise”, concluiu.


Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 20/03/2020



⇶ Crónica 18 - 27/mar/2020



USOS E ABUSOS NO CONTEXTO DA CRISE EPIDEMIOLÓGICA


Muito se tem falado sobre a crise sanitária que vivemos presentemente. O surto viral COVID-19, identificado primeiramente na China, espalhou-se por diversos países do mundo e infelizmente, também chegou às nossas portas. Traz consigo o desalento e a incerteza, e porque é novo, a frustração motivada pela incapacidade de o debelar tal como uma gripe comum.

O desalento, a incerteza a frustração no contexto COVID-19 não se sente apenas no plano da saúde, faz-se sentir também em muitas outras dimensões da nossa vida pessoal, comunitária, económica ou laboral, e far-se-á sentir muito, certamente, para além do quadro de pandemia atual.

De um momento para o outro as nossas rotinas foram alteradas, fossem essas alterações impostas por decreto, ou para cumprimento voluntário das recomendações das autoridades, ou simplesmente porque de um momento para outro tornaram-se vítimas do chico-espertismo de outros.

Quero aqui focar-me nas situações de chico-espertismos que, de certa forma, todos e todas nós conseguimos identificar, desde o mais simples açambarcamento de produtos essenciais nos supermercados, mercearias e superfícies comerciais equivalentes, ao oportunismo patronal que à boleia do que se está a passar, simplesmente descarta-se dos trabalhadores que trabalham para si.

Certamente, cada um de nós tem o dever de se manter em isolamento social, para tal deve constituir um pequeno armazenamento de bens de primeira necessidade para evitar o mais possível sair do seu espaço de isolamento. Como em tudo, o ponto de equilíbrio está em definir que quantidades necessita para fazer face a esse isolamento. Talvez antes da crise o ouvinte já tivesse por hábito adquirir bens essenciais para uma semana deixando para o dia-a-dia produtos alimentares com validade mais curta, por exemplo o pão. É uma rotina que pode manter, desde que observe preceitos de higiene recomendada ao deslocar-se aos locais onde costuma fazer compras. Nesta mesma situação o chico-esperto ou a chica-esperta, tende a fazer de forma diferente, açambarcando tudo quanto a sua condição financeira permita, mesmo que isso o leve a perder parte dos produtos que adquiriu, por não os consumir no prazo. Esta é uma atitude que conduz a duas outras coisas. A primeira é a escassez temporária de produtos porque os produtores e distribuidores não os conseguem repor atempadamente. A segunda é o chico-espertismo dos comerciantes, que se aproveitam da demanda irracional e inflacionam o preço dos produtos.

Os comerciantes, empreendedores, empresários ou qualquer outro nome que designe quem tem algum bem para vender, principalmente bens essenciais, muitos deles veem esta crise como uma oportunidade para sacar mais uns cobres a quem deles precisa. É a regra de mercado, dizem. Se tem muita procura: aumenta-se o preço. Se é escasso, aumenta-se também, porque agora tem mais valor. Assim, o chico e a chica espertos que são, contribuem para que se generalize o pânico nos consumidores: uns acabam por cair no açambarcamento e outros na frustração de não ter recursos financeiros para adquirir esses mesmos bens. Todos e todas nós conhecemos algumas situações gritantes, por exemplo as caixas de máscaras em determinada superfície comercial que passaram a custar 150€, o equivalente ao que muitas famílias têm orçamentado para a sua alimentação num mês, ou ainda desinfetante para as mãos que de 2, 3 ou menos euros passaram a ter um preço 10 vezes ou mais caro.

Mas o chico-espertismo não se fica por aqui, nas relações comerciais. Existe também nas relações laborais. Por recomendação da DGS, ou por decreto, algumas empresas estão ou deveriam estar encerradas, outras estão a funcionar com significativas alterações na sua organização e à boleia das medidas aprovadas, os chicos e as chicas espertas da classe patronal, de um momento para o outro iniciaram processos de despedimentos, gozo de férias e toda uma panóplia de ações que, aliviando do fardo salarial, acrescenta crise à crise. Os trabalhadores em regimes precários são as primeiras vítimas destes processos, mas no fundo, quando milhares de trabalhadores são descartados desta forma, a crise social e laboral assim gerada, acaba por bater à porta de todos nós, a mim que estou aqui e a si que me está a ouvir desse lado. Tomemos como exemplo a suspensão dos projetos que, aqui ao lado, em Neves-Corvo mantinham a trabalhar um contingente de cerca 1200 trabalhadores de empresas contratadas para os desenvolver. Muitos destes trabalhadores, por não terem outra opção, vendiam a sua força de trabalho com vínculos precários, contratos de curta duração sucessivamente “renovados” à margem da lei, ou de trabalho temporário, ou outros vínculos de criatividade tal que nem consigo alcançar. Faço uma ou duas perguntas: Quantos destes trabalhadores estão agora no desemprego e quantos vão lá chegar brevemente? Qual o peso de 1000 ou 1200 trabalhadores na economia da região? Afinal tenho uma terceira pergunta: sobre quem vai cair essa fatura?

O certo é que os chicos e as chicas espertas vão-se aproveitando da melhor forma que sabem e até da que não sabem e inventam, isto porque estão respaldados em leis confusas, permissivas e cada vez menos protetoras da parte mais fraca que é o trabalhador.

É por isso urgente estabelecer medidas para proteger o emprego e salvaguardar os rendimentos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Vivemos tempos excecionais que exigem respostas excecionais. O Bloco de Esquerda apresentou algumas propostas, que vos trouxe aqui na passada semana, mas porque a tempos excecionais correspondem também desafios excecionais, decidiu dar visibilidade às muitas denúncias que lhe chegam, tendo criado para esse fim a plataforma DESPEDIMENTOS.PT

Tal como na plataforma de informação do Ministério da Saúde:




se mostram os dados da evolução da epidemia em Portugal, na plataforma recém-criada pelo Bloco:




são mostrados os abusos e a irresponsabilidade daqueles que, aproveitando a crise, abusam dos trabalhadores. Até ao momento foi identificado um caso no distrito de Beja, mas infelizmente, temos a perceção que muitos mais poderiam estar ali assinalados. Cabe-lhe a si, ouvinte e trabalhador lesado denunciar.

O acesso à plataforma WWW.DESPEDIMENTOS.PT é público e não carece de vinculação à estrutura. As ocorrências reportadas em formulário eletrónico próprio são anónimas, salvaguardando assim o seu autor.

Resta a todos e todas seguir as recomendações da Direção Geral de Saúde à letra e a todos e todas, compete estar atento aos comportamentos sociais, laborais e económicos que não o respeitem.




Cristina Ferreira/Filipe M Santos, 27/03/2020





⇶ Crónica 19 - 10/abr/2020



UM TERCEIRO PERÍODO ATÍPICO


O primeiro-ministro anunciou ontem que o 3.º período irá recomeçar, mas ainda sem aulas presenciais. Esta medida será para todos os anos de ensino, à exceção do 11.º e 12.º anos em que se procurará, quando possível, retomar as aulas presenciais das disciplinas sujeitas a exame nacional de acordo com a notícia publicada em sapo.pt.

As Provas de aferição e exames do 9.º ano foram cancelados. Os Exames Nacionais do ensino secundário foram adiados para julho e setembro.

António Costa afirmou que, "tendo em conta a informação mais atual sobre a atual situação da pandemia que foi disponibilizada a todos pela equipa científica que apoia a Direção-Geral da Saúde", a que se somam as opiniões ouvidas pelos restantes partidos políticos e de uma avaliação com o Presidente da República, "ainda não chegámos ao dia em que podemos começar a levantar as medidas de restrição de circulação e de distanciamento social".

Assim, 3.º período do ano letivo terá início, como previsto, no dia 14 de abril, ainda sem atividades letivas presenciais, "no ensino básico, do 1.º ao 9.º ano, todo o terceiro período prosseguirá com o ensino à distância, que será reforçado com o apoio de emissão televisiva de conteúdos pedagógicos que complementarão, sem substituir, o trabalho que os professores vêm mantendo com os seus alunos".

António Costa adiantou que, "de modo a ter o alcance mais universal possível, estas emissões diárias serão transmitidas, a partir do dia 20, no canal RTP Memória, que é acessível não só por cabo ou satélite, mas também, através da TDT".

Tal é válido para todos os anos, sendo que para os 11.º e 12.º ano irá procurar-se, quando for possível fazê-lo em segurança, retomar as aulas presenciais das disciplinas sujeitas a exame para não colocar em causa o processo de acesso ao ensino superior.

Salientando o trabalho da comunidade educativa que conseguiu, "com sucesso, concluir o 2.º período", Costa anunciou que a "avaliação do ensino básico será feita em cada escola pelos professores que conhecem melhor cada aluno, sem provas de aferição e sem exames do 9º ano".

Em relação ao ensino secundário, "havendo menos oportunidade de recuperação futura e sendo anos decisivos para acesso ao ensino superior e regresso à vida ativa, é particularmente importante que ainda possamos retomar as atividades letivas presenciais pois a diversidade de disciplinas não permite recorrer à transmissão televisiva. Afirmou que "não há uma data limite", vincando que "mesmo que só haja um período de uma ou duas semanas para dúvidas para os exames, já seria um ganho".

Desta forma, o calendário dos exames nacionais é também alterado. A primeira fase passa a acontecer em julho, entre os dias seis e 23, e a segunda fase em setembro, entre os dias um e sete. Desta forma, a "atividade letiva deve estender-se até ao dia 26 de junho".

António Costa sublinhou que as medidas se aplicam ao ensino público e privado, vincando que os apoios às famílias com menores de 12 anos mantêm-se.

O Ministério da Educação fez, entretanto, uma parceria com a RTP para começar a transmitir no 3.º período conteúdos programáticos dirigidos aos alunos do 1.º ao 9.º ano de escolaridade, sendo ainda desconhecidos os contornos da iniciativa.




Cristina Ferreira, 10/04/2020


⇶ Crónica 20 - 17/abr/2020



LUIS SEPÚLVEDA MORREU






O escritor chileno Luis Sepúlveda morreu ontem, aos 70 anos, em Espanha, em consequência da doença covid-19.

Luís Sepúlveda nasceu no Chile a 04 de outubro de 1949, foi romancista, jornalista e ativista político.

"Lucho" (como carinhosamente era tratado) deixa nos seus leitores e no panorama literário uma grande perda.

A sua primeira obra foram as Crónicas de Pedro Ninguém, publicada em 1969. Publicou mais de vinte títulos, entre os quais O Velho que Lia Romances de Amor e História de Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar.




O escritor tem toda a obra publicada em Portugal e algumas estão incluídas no Plano Nacional de Leitura. Participava regularmente em eventos literários no país.

Voz comprometida com a justiça social, também as suas crónicas eram lidas em Portugal. O Esquerda.net foi publicando algumas delas ao longo dos anos, entre as quais Salvador Allende, um líder do presente e do futuro e Astúrias: Vivam os Mineiros!.

Residia atualmente no Estado Espanhol. Estava internado desde finais de fevereiro num hospital de Oviedo, onde foi diagnosticado com a covid-19. Dias antes do diagnóstico, o escritor tinha estado no festival literário Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, o que levou a organização do festival a recomendar aos participantes que entrassem em quarentena.

Várias personalidades e instituições têm reagido com pesar à notícia do seu falecimento. A Fundação José Saramago recorda a relação de "amizade, solidariedade, camaradagem" de José Saramago com Luís Sepulveda. O escritor José Luís Peixoto recebeu com choque a notícia do falecimento do seu amigo, cujas incríveis histórias recorda e sublinha que Sepúlveda era um homem " generoso na escrita e na vida, combativo, sonhador, resistente". A Bienal de Veneza lembra a adaptação da sua obra a cinema. E leitores de diferentes países têm também prestado a sua homenagem nas redes sociais, com referências frequentes a obras que marcaram gerações, como a História de Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar.



Cristina Ferreira, 17/04/2020


⇶ Crónica 21 - 24/abr/2020




Vivemos tempos especiais. Todos somos reféns de um vírus Corona conhecido por Covid-19. Por causa dele perigam as nossas vidas. Este é um vírus que nos corrói a saúde, corrói as nossas vidas, os nossos empregos, a economia, a confiança no estado, e mina os ainda frágeis alicerces da democracia. Vivemos tempos em que a liberdade foi posta em suspenso, de estado de emergência em estado de emergência.

Hoje é véspera do Dia da Liberdade, e discute-se a liberdade, ou não, de se assinalar este dia em sessão solene na Assembleia da República. Dá que pensar: há precisamente 46 anos atrás tampouco havia liberdade para se pôr esta questão.

Uma longa caminhada de 46 anos, pejada de obstáculos e ziguezagues que não têm sido fáceis percorrer, na reflexão do nosso camarada António Gonçalves e vos quero partilhar:



25 de Abril… e vão 46

Para mim, parece que foi ontem e, no entanto, continuo à espera de que se cumpram os desígnios da Revolução do Cravos.

No princípio era um golpe militar, com o objetivo de devolver ao povo, a dignidade e a liberdade que eram do povo, por direito.

Mas, ali na zona nobre da capital, Terreiro do Paço, Largo do Carmo, o golpe militar virou revolução, e os cravos vermelhos conquistaram os canos das espingardas.

A liberdade, a dignidade, o orgulho de ser português, foram devolvidos ao povo, àqueles que tiveram de partir em busca dessa liberdade perdida e da sua dignidade.

Àqueles que tiveram de partir para uma guerra que não era sua.

Àqueles que não puderam cantar os hinos e as cantigas e que optaram por partir para outras paragens, porque o rolo compressor da censura lhes transformava as palavras cantadas em atos de repressão e tortura.

Àqueles que sofreram na pele e na mente os horrores da tortura, porque a palavra e a opinião eram cerceadas por um regime corrupto e totalitarista.

Traidores à pátria, diziam eles, os corruptos, os fascistas, em suma, os servos do capitalismo instalado.

E agora, olhando para o presente, a verdade nua e crua é esta: FALTA CUMPRIR ABRIL!
A corrupção não abrandou, pelo contrário, os impostos levam-nos grande parte dos nossos ordenados, não há equilíbrio no uso da palavra quer escrita, quer falada.

E, depois, em alturas de grandes crises financeiras, somos nós, o povo, que somos obrigados a chegarmo-nos à frente para tapar os buracos abertos pelos desvarios e desmandos dos apoiantes do grande capital.

Agora mesmo, o Novo Banco pediu ao Fundo de Resolução mais uma injeção de mil milhões de euros.

Lá vai o nosso dinheiro, o dinheiro dos contribuintes, a voar de mão em mão.

Não meus amigos!

Não estão cumpridos os objetivos de 25 de Abril de 1974.




António Gonçalves, 27/02/2020





Cristina Ferreira/Filipe M Santos, 24/04/2020





⇶ Crónica 22 - 01/mai/2020




Ler é sempre um prazer e António Guerreiro, amante da leitura, faz uma reflexão sobre as suas leituras de quarentena:


Sempre que se fala de 11 de Setembro vem à memória da maioria das pessoas o ataque às Torres Gémeas do World Trade Center de Nova Iorque. É uma data incontornável da história recente e portanto nada de estranhar. A mim, no entanto, quando se fala de 11 de Setembro o que primeiro me ocorre não é o de 2001 mas o de 1973.

No dia 11 de Setembro de 1973, em Santiago do Chile, Augusto Pinochet, apoiado pela CIA, lança um golpe de estado sobre um governo democraticamente eleito, do qual viria a resultar a morte do Presidente Salvador Allende e a implementação do regime ditatorial liderado pelo General até Março de 1990, durante o qual desapareceram e morreram muitos milhares de pessoas.

Recentemente, a 16 do corrente faleceu em Oviedo, em Espanha, vítima da recente pandemia, um dos homens que a 11 de Setembro de 1973, fazia no Palácio de La Moneda em Santiago, guarda a Salvador Allende. Homem multifacetado, foi de tudo um pouco: realizador; jornalista; activista político chileno; membro das Brigadas Sandinistas na Nicarágua que derrubaram Anastácio Somoza foi, no entanto, como escritor que mais se notabilizou. Chamava-se Luís Sepúlveda.


Um verdadeiro “trota mundos”. Depois do golpe militar de Pinochet teve de abandonar o Chile e andou, sempre na luta, pelo Brasil, Uruguai, Paraguai, Peru. Viveu na Alemanha e em Espanha. Viveu entre os índios no Equador e na Amazónia tornou-se amigo de Chico Mendes a quem dedicou uma das suas mais conhecidas obras: “O velho que lia romances de amor”.


Sou desde há muito um grande admirador da sua obra e creio que posso dizer sem falsas modéstias que, não só li, como possuo praticante toda a sua obra literária. Já durante o recolhimento imposto pelo novo coronavírus li aquele que, julgo, terá sido o seu último livro “História de uma baleia branca”, publicado em Portugal em Maio de 2019.


De entre a sua vasta obra destacaria, sem qualquer novidade, já que me parece ser consensual: “O velho que lia romances de amor”; “Patagónia Express”; “Mundo do fim do mundo”; “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar” e o meu preferido “As rosas de Atacama”, livro de pequenos contos publicado em 2000 e que já li por várias vezes.

Nestes tempos de reclusão mais ou menos obrigatória, mais ou menos voluntária, dou por mim a passar cerca de 23 horas por dia em casa e a minha actividade principal é, justamente, a leitura.

Na primeira parte desta crónica lembrei Luís Sepúlveda e agora, sem pretensões de fazer concorrência ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa – ele lê 20 livros por semana que serão mais ou menos os mesmos que eu li até agora desde que começou o confinamento – gostaria de referir alguns dos que li, isto partindo do princípio que alguém se interessará por isso.

- O oficial e o espião, de Robert Harris que relata o “Caso Dreyfus” passado no final do século XIX e princípios do seculo XX e que serviu de inspiração ao recente filme “J`acuse”, de Roman Polanski. Muito bom.

- 2 livros de Ildefonso Falcones, escritor catalão de romances históricos: “A catedral do mar” e “O pintor de almas”. Muito bons.

- Hippie, de Paulo Coelho. O homem farta-se de vender milhões de livros em todo o mundo e eu tento perceber porquê e então vou insistindo. Mais uma decepção, mais uma porcaria.

- Pensava eu que já tinha lido tudo de Steinbeck, mas esta coisa da internet é realmente maravilhosa. Então não é que fui descobrir 4 que não tinha? Já li 3 “Chama devoradora”; “Bairro de lata” e “Um dia diferente”. Todos belíssimos.

- Fui descobrir na biblioteca do meu camarada e amigo Toy Gonçalves numa edição de 1972, “Vietnam – A chacina de My Lay”, relatado na primeira pessoa pelo Tenente William Calley um dos mandantes e executantes da referida chacina, em que foram assassinados a sangue frio mais de 500 mulheres, crianças e velhos. Vale o que vale, é a sua versão dos acontecimentos.

- Papillon de Henri Charrière, que deu origem ao filme de Franklin J. Schaffner de 1973 com Steve Mc Queen e Dustin Hoffman e que conta as tentativas de fuga de Papillon dos campos de trabalhos forçados da Guiana Francesa. Se o filme era bom, o livro como é habitual é muito melhor.

E pronto, já chega, fico-me por aqui que vocês já devem estar para aí a dizer: “Mas o que é que eu tenho a ver com o que este tipo lê? Também deve ter a mania que é intelectual.


VIVAM OS TRABALHADORES DE TODO O MUNDO

VIVA O 1º DE MAIO


Caixa Alta, Rádio Castrense

António Guerreiro/Cristina Ferreira, 01/05/2020




⇶ Crónica 23 - 16/mai/2020





ESTRANHO MUNDO ESTE

Estranho mundo este: no turbilhão de voltas e reviravoltas que a pandemia do COVID19 provocou, tanto sociais como económicas, eis que surgem notícias que mostram as movimentações dos bastidores da sociedade portuguesa, bem como as movimentações dos meios de comunicação social para as explorar até ao limite da miséria e dor.

Vejamos o caso do assassinato de Valentina, explorado até ao limite, pela comunicação social quando já eram repetitivas as notícias sobre o desenvolvimento da pandemia no país, as diversas doações de máscaras e gel desinfetante, o agradecimento aos profissionais de saúde, o regresso às aulas, as entregas de computadores por parte das autarquias, e tantos outros que, de serem repetidos e dissecados, cansaram e, em alguns casos deram origem a algumas confusões como, por exemplo, a ideia de que que os idosos não podiam sair de casa. Muitas vezes a informação foi desinformação, muitas vezes foi o canal para dar cara a muitas fobias e inflamar opiniões e julgamentos. A crise sanitária deu lugar à crise social, mostrou as emergências de uma sociedade fragilizada tanto a nível social como económico.

relatório apresentado pela Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência (EMEE), coordenada pelo Ministro da Administração Interna, apresenta um conjunto de conclusões sobre os efeitos da pandemia realçando que, e passo a citar, “a crise social subsequente à crise sanitária” e apesar dos mecanismos implementados pelo governo terem “contribuído para minorar as consequências nocivas resultantes, o decréscimo do emprego e a retração da atividade económica foram inevitáveis”.

O documento analisa também a questão da população idosa, e realça o reforço da “capacidade de realização de testes em lares de idosos, abrangendo tanto utentes como os respetivos profissionais” bem como o “esforço de alargamento de testes ao pessoal do serviço de apoio domiciliário e aos utentes e funcionários de lares não licenciados”.

Por fim, reiterou a necessidade de reabertura de serviços públicos essenciais, como por exemplo os tribunais, e “do regresso à normalidade ao nível da prestação de cuidados de saúde não relacionados com a COVID-19”. Também “os serviços públicos deverão ser um exemplo quanto à adoção de medidas de proteção que permitam o atendimento ao público em condições de segurança, o qual poderá ser duplicado pelo setor privado aquando da retoma da atividade”.

Enquanto a pandemia era a desculpa para as empresas despedirem o Novo Banco aumentou salário de gestores em ano de prejuízos pagos pelos portugueses e recebeu do Estado mais 850 milhões de euros, ou seja, do erário público, e pode ainda vir a distribuir bónus de 2 milhões após 2021. Além disso, ofereceu 320 mil euros ao novo administrador financeiro só para o contratar. No global, a administração executiva do banco auferiu 2,3 milhões de euros no ano passado. Uma realidade chocante mesmo para o universo privilegiado e protegido como é o da banca.

Se o presente é um problema para António Costa parece que o futuro não o vai ser.

Se António Costa dá Marcelo Rebelo de Sousa como sendo reeleito nas próximas eleições presidenciais, se Marcelo retribui o apoio e afirma que têm um espírito de equipa que ninguém vai quebrar, temos o esquema montado e a paga dos favores desta legislatura e uma mão lava a outra.

Até agora, só André Ventura, deputado do Chega, anunciou oficialmente a sua candidatura à Presidência da República.

E termino com estes dois estados de emergência política, bastante preocupantes por sinal, pois ainda não há vacina, ou qualquer medicamento, para situações desta natureza.



Caixa Alta, Rádio Castrense


Cristina Ferreira, 16/05/2020




⇶ Crónica 24 - 29/mai/2020





NÃO DEIXAR NINGUÉM PARA TRÁS

Helena Pinto, Dirigente do Bloco de Esquerda e Vereadora da Câmara de Torres Novas afirma que "Desconfinemos mas com prudência e sem deixar ninguém para trás pois entramos numa nova fase do desconfinamento". O clima ajudou, com sol e calor parece que tudo se torna mais fácil. As lojas abriram, os cafés e restaurantes, as esplanadas, podemos ir à praia e passear, as famílias reencontram-se.

Nada de abraços e beijos, mas estamos mais perto uns dos outros, é um facto.

Os números da doença estabilizaram e salvo algumas situações particulares, parece que a coisa está controlada, felizmente.

Estamos na fase de nos habituarmos a usar máscara, de resistir a furar o distanciamento social, novas regras e novos hábitos que, como sabemos, não são automáticos. É tempo de prudência pois qualquer deslize pode prejudicar tudo e não conseguimos prever as consequências de um recuo. Penso sinceramente que estamos a dar provas coletivas de que seremos capazes de superar esta fase.

Mas superar esta fase tem também outras implicações. Aqueles e aquelas que ficaram sem emprego ou perderam rendimentos não podem ficar para trás. O facto de a situação sanitária estar melhor não pode significar que as medidas de apoio que foram assumidas quer pelo Governo, quer pelas Autarquias possam ser retiradas. Se tal acontecer, se essa “almofada social” desaparecer, a crise será ainda mais profunda e ainda mais dramática.

É tempo de prolongar no tempo todas as medidas de apoio e é tempo de encontrar e desenvolver novas medidas no apoio aos desempregados/as, no apoio ao comércio local e aos produtores locais, no apoio às famílias, no apoio às crianças para que nenhuma seja prejudicada pelas mudanças verificadas na educação, no apoio aos mais velhos.

É tempo de aprender com as crises que já vivemos. Agora é tempo de ligar os apoios à população com o desenvolvimento do território e são as autarquias que melhor posicionadas estão para esta tarefa. Terão também que mudar de hábitos, sobretudo as maiorias absolutas. O debate democrático e sem preconceitos deverá ser a regra. A transparência nas decisões e procedimentos é fundamental para criar confiança.

Os próximos tempos dirão quem está à altura para vencer as várias fases desta pandemia.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, apresenta as prioridades do Bloco de Esquerda para estabilizar o país no pós-pandemia.

A primeira medida é a necessidade de garantir aos trabalhadores o seu salário a 100%. “Não é possível dizer aos trabalhadores que vão viver até ao final do ano com menos 30% de salário”, situação que aconteceria se a medida atual de lay-off fosse estendida até ao final do ano, sem qualquer alteração e isso só será possível se implementada uma medida de apoio ao emprego, financiada pelo Estado e pelas empresas, para pagar a totalidade do salário dos trabalhadores. 

A segunda medida é a necessidade de proteger os trabalhadores precários, que não estão abrangidos nas atuais medidas de lay-off. “Há muitas empresas que estão a receber apoio público (algumas até, grandes empresas do nosso país) que despediram trabalhadores precários”, lembrou a coordenadora bloquista. 

Não deixar ninguém para trás significa não repetir o erro feito com o Novo Banco, neste caso a TAP, “em que nós pagamos e não mandamos”, injetamos milhões e o Estado não pode mandar ou exigir um escrutínio democrático.

Catarina Martins afirma que na Europa existem os recursos necessários para responder à crise e que o “lay-off não será mais caro do que salvar bancos”. Se há disponibilidade para salvar o sistema financeiro de cada vez que entra em crise, agora, quando há uma crise sanitária, é necessário proteger o essencial: “o emprego, o salário, a casa, os bens essenciais”.

Por outro lado, não é aceitável que se apoiem empresas que despedem precários” pois “Não é aceitável que se apoiem empresas que despedem precários” ou que estas distribuam dividendos nesta altura. Além disso, acrescentou a necessidade de proteger a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde. 

Catarina Martins disse que o “Bloco de Esquerda estará envolvido no debate e na resposta aos desafios que temos sem deixar ninguém para trás.  



Cristina Ferreira, 29/05/2020




⇶ Crónica 25 - 05/jun/2020






“UMA JANELA DE RESPONSABILIDADE”

Reflete a opinião de João Camargo, investigador em Alterações Climáticas, num artigo publicado no Esquerda.net no dia 4 de junho de 2020, e que coloca a tónica no ambiente e no capitalismo sempre oportunista, principalmente em situações de crise.
A ideia de “regresso à normalidade” é a expressão máxima de alienação na sociedade.
A “normalidade” é um comboio desembestado em direção a um precipício.
As expressões máximas dessa normalidade são a sexta extinção em massa de espécies no planeta, a modificação extrema dos padrões climáticos da última era, a disrupção do ciclo do azoto e a perda dramática de solos.
Estes fenómenos não são futuros.
Estes fenómenos são o presente.
Além do “regresso à normalidade”, há a ideia de oportunidade. “Nas crises há sempre oportunidades, por isso olho vivo que agora podemos beneficiar-nos da instabilidade que existe para fazer dinheiro, para ganhar vantagem competitiva, para avançarmos com a integração nos mercados internacionais, para aproveitar o caos para ultrapassar constrangimentos anteriores, para destruir práticas rígidas e abrir caminho para a inovação, aumentar a produtividade com novas tecnologias e mutações industriais alterando a estrutura económica para criar uma nova economia”.
Este discurso é comum a um ministro do Ambiente brasileiro que diz que "é hora de passar a boiada”, mas também a uma ministra canadiana que diz que “agora é uma excelente altura para construir um oleoduto porque não pode haver manifestações com mais de 15 pessoas.”.
Os fenómenos que destroem o sustento da nossa vida coletiva não são independentes da forma como funciona a nossa sociedade. A destruição de ecossistemas, o desaparecimento de espécies, a crise climática, articulam-se com a forma de organização da sociedade para rasgá-la.
Começam por reabrir as velhas feridas (a maior parte das quais nunca se fechou) e cicatrizes que nos corroeram historicamente: ódio à diferença, exploração de classe, racismo, sexismo, homofobia, medo dos fenómenos migratórios, do desemprego, da escassez, da fome.
Num dos espectros mais avançados da alienação, propõe-se aprofundar o modo de produção capitalista como resposta aos problemas que o mesmo criou.
Perante a materialização dos riscos anunciados há décadas (crise climática, perda de biodiversidade, disrupção de ciclos biogeoquímicos, guerras, deslocações forçadas em massa), há quem prometa segurança e para uns escolhidos especiais, o regresso a um passado mistificado, a uma história de cordel, contada de e para os “vencedores” da mesma.
As promessas políticas de um regresso ao passado são, nas melhor das hipóteses, ingénuas e, enquanto projetos políticos, tenebrosas.
O mundo em que vivíamos já não existe.
O regresso à “normalidade” na sequência da crise da Covid19 é a aposta na “segurança” de um passado normal, sem contar com um presente radicalmente diferente. Também implica não tentar travar o futuro desembestado que são as tendências que garantem a destruição de condições básicas para uma vida social remotamente saudável.
O que temos hoje não é uma janela de oportunidade. Já só existe uma janela de responsabilidade. Essa responsabilidade é devida às gerações atuais e futuras, é a responsabilidade de garantir que haverá condições para a viabilidade da vida em sociedade. As vertentes ambientais aqui articulam-se obviamente com as vertentes sociais. O medo de um planeamento social da produção para garantir a vida nada mais é do que alienação.
Vivemos numa economia planificada para a reprodução de capital e esta economia é contrária à reprodução da vida, da diversidade, da justiça e da resiliência aos choques que sofremos e sofreremos ainda mais no futuro.
É necessário ultrapassar a alienação que transforma o debate público e social num beco sem saída porque só procura respostas aos constrangimentos políticos e económicos dentro do decadente capitalismo global.
A janela de responsabilidade implica reconhecer a monumentalidade desta tarefa, a coerência que será necessária para tentá-la e a possibilidade real de falhar. Também implica reconhecer que só será atingida se for tentada e que não tentar significa desistir da ideia de futuro.
Vivemos hoje numa tentativa de regresso à normalidade no nosso país, com âncora na limitada ideia de que é possível continuarmos no rumo da integração internacional, da globalização, do capitalismo neoliberal. Não há sequer o tradicional teatro político feito à volta de mudar alguma coisa para nada mudar. Não há sequer um plano para resolver a crise social e económica estritamente ligada à Covid19, quanto mais para o tsunami da crise ambiental e climática.
A janela de responsabilidade não será aberta pelos mecanismos institucionais, mas somente pela mobilização social e reiterada para a ideia de um plano para a sociedade, com centro na justiça, na reparação histórica, no reconhecimento dos limites ambientais e na redistribuição de poder e riqueza.
Devemos esta responsabilidade à vida.
Artigo publicado em expresso.pt a 1 de junho de 2020


Cristina Ferreira, 05/06/2020


⇶ Crónica 26 - 12/jun/2020







ROTA TURÍSTICA ESTRADA NACIONAL 2

Nove serras, onze rios, trinta e cinco concelhos, e cinco troços, dos quais dois encontram-se no distrito de Beja, foi instituída em maio de 1945 por decreto-lei e assenta sobre boa parte do traçado da antiga estrada do reino estendendo-se por mais de 738 km, faz a ligação do norte do país com o sul. É a Estrada Nacional 2, mas muitos a apelidam de a Route 66 portuguesa, uma infelicidade a meu ver já que esta, a nossa, vale por si mesma e nada tem de comparável com a dos Estados Unidos da América.

Foi uma decisão do governo na altura no mínimo curiosa, já que foi ponderada no decurso de uma guerra mundial e em 11 de maio de 1945, quando foi publicado o decreto-lei que a institui, apenas tinham passado 5 dias da data oficial do fim da segunda grande guerra na Europa.

Mais de 75 anos de obras, de melhoramentos, reparações, acrescentos e transformações, a Estrada Nacional 2 serve, ainda, o seu propósito original básico: ligar as extremas norte-sul, as regiões e municípios do interior do país atravessados pelo seu traçado.

Em 5 de novembro de 2016 foi constituída a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 – AMREN2, fruto do projeto apadrinhado por Marcelo Rebelo de Sousa, há pouco menos de quatro anos em julho de 2016 e, segundo ele, é uma oportunidade única de unir o país; diz ainda que as paisagens, a cozinha e as tradições são as atrações. O projeto Rota EN2, conforme as informações disponíveis à data no espaço da internet onde mantém presença, tem por objetivo desenvolver as zonas de interior, com especial foco no desenvolvimento turístico das regiões apensas a esta infraestrutura nacional.

Dos trinta e cinco municípios atravessados pela rota EN2, onze integram os órgãos sociais da associação e desses, dos três que pertencem ao distrito de Beja, Almodôvar é o único que se faz representar e tem assento no Conselho Diretivo.

Não admira por isso que a assinalar os 75 anos da Estrada Nacional 2, o presidente António Bota apareça em vídeo a promover o projeto Rota EN2, o município de Almodôvar e já agora, porque não, também a si próprio. São 2 minutos de virtuosismos deste município promovidos no âmbito deste projeto.

Mas nem tudo são virtudes e, em alguns aspetos, a Estrada Nacional 2 e, ou, o projeto Rota EN2 são o contrário da virtude.

Cingindo-me apenas aos troços compreendidos entre Ervidel e Almodôvar, o estado de degradação da infraestrutura é revelador da importância que é dada a esta estrada e às gentes que dela dependem para as suas deslocações diárias. É obsceno que, por exemplo, entre Aljustrel e Castro Verde, se mantenha em más condições por anos a fio os cerca de 21 km desta ligação rodoviária, propiciando a sempre lamentável perda de vidas aí conhecidas. É, também, indecente a degradação da EN2 nos vários quilómetros que antecedem a entrada norte da vila de Almodôvar. Provavelmente um esforço para manter o lado antigo e rústico desta estrada, uma característica geralmente apreciada e valorizada pelos turistas.

Rota EN2 é, na sua génese, um projeto cuja vocação é a promoção turística dos municípios que a integram, mas e se os turistas não vierem?

Para o presidente de Almodôvar, a Estrada Nacional 2, foi nos anos da sua longa existência fulcro para o desenvolvimento do concelho, ou pelo menos, por aí passaram muitos e diversificados negócios, e antevê o potencial de desenvolvimento para o futuro do município que preside, mas apenas no âmbito da vocação do projeto.

No meu entendimento, erro crasso. A Estrada Nacional 2 deve, antes de mais, ser aquilo para que foi criada. Uma via para ligar regiões, aproximar gentes, circular mercadorias, e esbater as assimetrias económicas entre as regiões que liga. Deve assumir um papel de pivot, articulando-se com outras infraestruturas adjacentes, nas regiões por onde passa a este e oeste do seu eixo. Por exemplo, aeroporto de Beja, ferrovias e outras rodovias itinerárias. Numa perspetiva estrutural, deve voltar a ser a espinha dorsal da economia das regiões e pessoas que serve, muito para além do turismo de restauração, museologia e comércio de lembranças e produtos endógenos, normalmente fugaz e incerto.

Relançar a Estrada Nacional 2 como eixo principal do motor da economia das regiões será, não haja dúvidas para isso, um projeto muito mais ambicioso que o projeto turístico Rota EN2 e só será possível se, tal como para o projeto turístico, houver a mobilização a união e o empenho dos municípios não só a estabelecer as metas, como a cobrar desde os padrinhos presidenciais aos deputados do distrito, o necessário para remover os obstáculos políticos que empecilham o pleno desenvolvimento dos nossos concelhos


Cristina Ferreira / Filipe M Santos, 12/06/2020




⇶ Crónica 27 - 19/jun/2020






OLIVAL E AMENDOAL SEM TRAVÕES

"O crescimento desenfreado da produção de olival e amendoal intensivos e superintensivos está a consumir recursos locais e a ocupar o território de forma abusiva, em especial nos distritos de Beja e Évora."
Assim, o deputado Ricardo Vicente, iniciou a apresentação do Projeto de Lei n.º 105/XIV/1.ª, que Regulamenta a Instalação de Olival e Amendoal em Regime Intensivo e Superintensivo, em 9 de junho do corrente ano.
E prossegue a exposição dos motivos que levam o Bloco de Esquerda a apresentar o Projeto de Lei anteriormente referido.
Identifica o cerco a localidades inteiras e que traz até poucos metros das residências as pulverizações de fitofármacos destas explorações ou a instalação de indústrias de transformação de bagaço de azeitona às suas portas. Dá como exemplo as populações de Ferreira do Alentejo, Serpa, Beja, Fortes entre outras, que diariamente são confrontadas com os abusos deste setor económico.
O deputado compara e acusa estes produtores de se vestirem de ambientalistas, mas há quase vinte anos que fazem uso de técnicas que esgotam os recursos locais, dizimam milhares de aves nas colheitas noturnas e ocupam territórios de forma abusiva, em especial nos distritos de Beja e Évora.
A precariedade laboral é a prática recorrente, particularmente junto de comunidades de trabalhadores estrangeiros na sua maior parte pessoas não documentadas e que são descartadas no fim das campanhas, abandonadas à sua sorte e, muitas vezes, dependentes da solidariedade das populações locais para matar a fome.
Para responder a todos estes abusos, o Bloco de Esquerda, apresentou a votação, as seguintes propostas concretas.
  • Proibição das colheitas mecanizadas noturnas.
  • Suspensão imediata de novas plantações e adensamentos de olival e amendoal intensivos e superintensivos.
  • Licenciamento obrigatório para todas as plantações.
  • Obrigação de avaliação de impacto ambiental em áreas superiores a 50 ha, novas ou contíguas.
  • Distância mínima de 300 m a zonas habitacionais.
  • Implementação de zonas tampão obrigatórias para proteção de linhas de água, vias públicas e habitações.
Porém, estas medidas regulamentares, contidas no Projeto de Lei n.º 105 [...] proposto à votação às bancadas partidárias na Assembleia da República, foi CHUMBADO.
As bancadas PSD, CDS, IL, CHEGA entenderam dar continuidade às práticas abusivas, mas não ficaram sozinhos, porque o PS, fiel a si próprio, juntou-se novamente à ala direita do parlamento.
De agora em diante, quando plantarem oliveiras ou amendoeiras "no seu quintal", na escola dos seus filhos aparecerem nuvens de pesticidas, a sua casa for inundada por um fumo espesso e fétido, na sua rua deambularem com fome bandos de trabalhadores estrangeiros descartados como lixo, saberá a quem pedir explicações.
No distrito de Beja, os deputados Pedro do Carmo - acérrimo defensor deste modelo de exploração agrícola; e Telma Guerreiro - que vive no seu concelho, Odemira, a praga das estufas, deverão responder sobre a quota parte de responsabilidade da bancada parlamentar onde têm assento.

Filipe M Santos / Cristina Ferreira, 19/06/2020



⇶ Crónica 28 - 26/jun/2020








SER MULHER (FEMINISTA)

Na indecisão de vos falar sobre feminismo ou da minha experiência como mulher, apercebi-me que, para mim, ambas estão tão interligadas que não as consigo separar completamente. Comecemos então.
Feminismo é o movimento que deseja direitos e oportunidades iguais para os géneros. Nas palavras de Chimamanda Ngozi, popularizadas através da canção Flawless de Beyoncé, “Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e económica dos sexos”.
Embora a definição de feminista possa ser modificada, aqui e ali, fundamentalmente, ser feminista é reconhecer que, sistematicamente, as mulheres não são vistas como iguais, e querer essa igualdade. Reconhecer que há um sistema que dá privilégios a uns e não a outros, e querer mudá-lo. É querer igualdade.
A primeira vez que soube que não era igual, tinha 13 anos. Vinha da catequese, ia para casa com as minhas colegas. Passei por um homem sentado no degrau da entrada de uma casa: cajado na mão, boné na cabeça. Mais velho que o meu avô, de certeza. Passei por ele, atrás das minhas amigas. Nem o vi a mexer-se. Só senti a mão dele no meu rabo, tão depressa removida como tinha sido colocada.
Não me lembro do resto do caminho para casa. Lembro-me de sentir nojenta, 13 anos de idade e pútrida.
Contei aos meus pais, porque sempre me foi ensinado - por eles, pelos meus professores, pela sociedade - que deveria contar a um adulto quando não me sentisse em segurança, ou se alguém me tivesse tocado. Consegui meter a minha podridão, a vontade de vomitar com o nojo preso na garganta, de parte e contar-lhes. Estávamos à mesa. Pousei os garfos, tentei falar, explicar como me sentia. Disse o que se tinha passado.
Em defesa deles, disseram-me como defender quando me tocassem assim, que gente má deveria ser punida. Mas o nó na garganta passou para o estômago. Quem foi punida fui eu. Quem viveu com as consequências fui eu. Ninguém foi atrás do velho que me tocou no rabo quando passava pela praça.
Tenho outras experiências, mais recentes. Apitarem-me na rua, estando eu de saia ou calças, manga comprida ou alças, dia ou noite, sendo o “apitador” velho ou novo. Abrandarem o carro e oferecerem-me uma nota, e ter de continuar a andar. A última foi interessante, porque em vez de ser vista simplesmente como um naco de carne prazeroso à vista, fui vista como um naco de carne que poderia dar prazer físico em troca de dinheiro.
Sei de mais histórias, mas não são minhas para contar.
Se são mulheres, têm-nas.
Se são homens, podem perguntar- a qualquer mulher, na verdade. Todas nós as vamos ter. Dependem apenas na gravidade, na maneira como as processamos e contamos. Algumas histórias não nos afetam, outras contamos a rir, outras não contamos de todo. Em todas temos algo em comum: somos nós que carregamos o fardo. Ninguém vai atrás de quem nos afetou.
Talvez haja homens a ler/ouvir estas palavras que se revejam nelas, e estejam revoltados, desapontados por não mencionar casos masculinos. Eu percebo. Primeiro de tudo, lamento a vossa dor. Em segundo, apenas posso contar as minhas histórias. Espero que tenham coragem para contar as vossas, um dia, se o quiserem. Apoiar-vos-ei se tal acontecer. Eu sei como é sentir-se sozinho, sem apoio, completamente desprotegido.
Infelizmente, as experiências não pararam aos 13. De repente, tive de aprender a manobrar-me num mundo que era demasiado nova para viver, demasiado jovem para ter voz, demasiado mulher, porque a menina morreu a caminho de casa. Aos 14 odiava o meu corpo. Aos 15 via raparigas a serem gozadas por terem interesses femininos ou não femininos o suficiente. Aos 16 não queria ser inteligente, ou carinhosa, queria ser magra e bonita, porque apenas isso contava para ser amada. Diziam-me que as modelos das revistas levavam Photoshop, que não eram reais, para não me comparar, mas eu queria ser diferente porque via como as minhas outras colegas eram tratadas de forma diferente.
17. 18. 19. 20. 21. 22. Eu sou diferente.
Não tenho medo de morrer, tenho medo de ser violada.
Ser mulher é sentir o metal frio das chaves a aquecer entre os dedos quando caminhas na rua à noite. É a indiferença, ou o pânico, quando te apitam no meio da rua. É ser puta, cabra, vaca, mãe, esposa, mulher focada na carreira, é o “então já tens namorado?”, é o “quando te casas?”, “quando me dás netos?”, é a espectativa de ter filhos, carreira, chegar a casa e ter tudo impecável e ter jantar feito e ter tempo para namorar o marido e ter tempo para si própria e para os hobbies, e ter tempo de estar bonita. É atingir o pico da beleza aos 20, tentar mantê-lo aos 30, odiarmo-nos ao comprar o creme em promoção aos 40. É ter todos estes títulos e expectativas no primeiro minuto de vida - porque por muito que nos digam que podemos ser tudo o que queiramos (e tantas de nós compreenderam isso como “Tu tens de ser tudo”), ainda não temos a possibilidade de o ser sem ser questionadas.
Ser mulher é saber que éramos (somos?) vistas como úteros ambulantes, saber que não nos queriam dar o voto por sermos mulheres. É a mensagem que se manda às amigas para saber que se chegou a casa bem. É a raiva. É o silêncio quando nos calamos. É o nó na garganta de não conseguir falar. É culparmo-nos quando os outros falham. É ter que justificar a outro a tua própria existência. O teu valor intrínseco. É cansaço. Cansaço de carregar nos ombros todo um legado que nunca pedimos.
Há tanta coisa que não referi. Nunca poderia. As nossas experiências são tão únicas quanto uniformes. Uniforme é também a resposta dos outros quando contamos as nossas experiências. Silêncio. Aceitação. Não há uma mudança de comportamento, uma autorreflexão nas próprias ações. “Os outros são assim. Eu não.” Assim continuam meninas a morrer e mulheres a nascer antes de tempo. Entretanto, eu, sinto o sabor do sangue na língua de tanto a morder, porque ficar zangada não é uma opção, não é próprio de uma mulher. Pior, as minhas palavras valem menos se, por trás, tiverem essa emoção. Mais uma vez tenho de mudar para me apresentar ao mundo, tenho de ser o mais próximo possível essa mulher imaginada que me define sempre, quer esteja a tentar sê-la ou a fugir dela.
Pergunto-me se os homens também se sentem assim. Se têm medo de sair de casa, à noite, e não voltar. Se são apalpados e desumanizados e vêm isso como uma simples parte do dia. Se têm de ser tudo e sentem que são nada. Assumo que não sei - tantos fogem desta conversa quando é trazida à tona, e eu ainda tenho medo de ser apalpada quando me viro.
Vou morrer, velha e caquética, um dia. Sei que vou continuar a ser diferente aí. A luta que faço agora (as vezes que me calo, as vezes que me zango, as vezes que existo pelas minhas próprias condições, sem opinião de outrem) não irá me beneficiar. Talvez a próxima geração, se a tivermos. Mas quando sair hoje de casa, sei que sou diferente. E isto é apenas eu como mulher. Tantos outros têm lutas diferentes de mim, porque também eles são diferentes. Temos um desejo ardente de sermos iguais, tratados de forma igual. Mas não somos. E enquanto houver cegueira a esse facto, vamos morrendo enquanto somos vivos.
Eu nunca fui vosso igual. Eu não sou vosso igual.
Por favor, parem de me mentir.

Cristina Ferreira / Lia Santos, 26/06/2020





⇶ Crónica 29 - 03/jul/2020






DISPARIDADE SALARIAL 


Trabalho e responsabilidade iguais a cargo de homens e mulheres refletem-se, no final do mês, em salários com valores diferentes. Ainda acontece e, apesar de toda a legislação que diz que para trabalho igual, salário igual, as mulheres são penalizadas pois o valor/hora paga a estas é mais baixo. 

Estamos a falar de Portugal, e estamos a falar da atualidade e estamos a falar de disparidades laborais, sociais e económicas. Falamos de evolução social que não acontece e de uma urgente mudança de mentalidades que considera e valoriza de forma diferente o trabalho realizado pelo homem ou pela mulher. 

O Comité de Direitos Sociais do Conselho da Europa considera que Portugal tem uma legislação adequada para pôr fim à disparidade salarial entre homens e mulheres, mas refere que Portugal pouco ou nada tem feito para a pôr em prática. 

Assim o comité considera que “as medidas adotadas para promover oportunidades para homens e mulheres no que diz respeito ao salário são insuficientes e não resultaram num progresso visível”, o que acaba por constituir uma violação do previsto na carta, cita o jornal Público. 

Se a legislação existente é adequada então falta o seu cumprimento por parte de quem contrata, e a denúncia da não aplicação da lei. 

O objetivo será promover oportunidades de emprego não situações de disparidade salarial que arrastam consigo tantas outras de caráter social, laboral e económicas e perpetuam a ideia de que o valor laboral da mulher será sempre inferior ao do homem. 

A desigualdade salarial entre homens e mulheres é um tema que gera controvérsia e vários grupos afirmam que tal não ocorre na realidade, mas a verdade é que as autoridades portuguesas reconheceram SEMPRE que esta é uma realidade em Portugal. 

Porém, o Governo português afirma que “estão a ser feitos todos os esforços possíveis para reduzir efetivamente esta desigualdade, destacando em particular o aumento do número de casos que são julgados em tribunal, bem como as iniciativas de fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho e as ações de formação e sensibilização realizadas”, cita o Público. 

Ainda bem que há ações de formação e sensibilização, só espero que sejam acompanhadas de mudanças estruturais e da aplicação do que está na lei, não só para quem trabalha, como também para os infratores. Mas como ainda existe uma segregação significativa no mercado de trabalho e não tem havido uma redução clara e sustentada no diferencial salarial, parece-me que as ações não têm surtido o efeito desejado, não preencheram a lacuna e nem mudaram posturas e procedimentos. 

Em 2010, os salários por hora das mulheres eram 12,8% inferiores aos dos homens. Em 2017, mesmo após a implementação de legislação para colmatar esta disparidade, a diferença aumentou para 16,3%. 

O Artigo 20.º c. da Carta Social Europeia, exige que se garanta o direito a oportunidades iguais e ao tratamento igual no emprego e em qualquer ocupação, sem discriminação por género, no que diz respeito ao salário. 

Portugal não o está a cumprir.
Será que tem a intenção de algum dia o fazer?
Fica a pergunta. 


Caixa AltaRádio Castrense 

Cristina Ferreira, 03/07/2020 


⇶ Crónica 30 - 10/jul/2020






ARTESÃOS NO TRIPÉ

A incerteza dos tempos que vivemos nestes últimos meses, denotam as fragilidades não só individuais, como também, as coletivas sejam elas um coletivo formal ou informal. Quero falar-lhes, hoje, sobre os artesãos e artesãs do nosso país, e conto com a ajuda do (*) Grupo de Trabalho do Manifesto Artesão.
O Manifesto Artesão é um grupo informal de artesãos repartidos a nível nacional e que pretende fazer mexer o sector do artesanato. Foi criado em 2017 na Feira Internacional de Lisboa com uma centena de artesãos e artesãs.
Como é do conhecimento geral do conjunto dos artesãos, o momento atual de organização coletiva, sob a forma de associação ou cooperativa, estão de tal forma fragmentadas e inoperantes e turvas, como instrumentos de afirmação da nossa atividade, que se tornou extremamente constrangedor continuar a aceitar este estado de coisas, ou seja, a total indefinição quanto ao papel socioeconómico da atividade artesanal, falta de uma estratégia clara de afirmação dos artesãos/artesãs como atores principais de uma arte que vai muito para lá de uma mera atividade económica. Urge tomarem-se medidas e fazer ouvir a nossa voz.
Só assim será possível criarmos um ponto de partida para a mudança de paradigma e contribuirmos de forma transparente para a nossa afirmação nas Artes e Ofícios.
Na base desta iniciativa, passamos desde já a identificar alguns aspetos prementes, aberto, como sempre, às tuas propostas:

Criação de grupo de trabalho de artesãos para levantamento das questões inerentes às Artes Ofícios e organização coletiva. (que passará de forma pratica pela criação de um grupo para uma melhor e eficaz troca de comunicação)


Proteção ao verdadeiro Estatuto do Artesão.


Criar uma estratégia nacional de afirmação da atividade artesanal.


Contribuir, exigir transparência para uma clara redefinição da microempresa artesanal e dos processos inerentes aos apoios, participações e realização dos eventos promocionais das Artes e Ofícios, tanto por quem organiza como por quem participa.


Entrega de uma petição publica com o título de: Salvar o Artesanato. Salvar os Artesãos/Artesãs (que conta até hoje com 1430 assinaturas).

De norte a sul do país, um conjunto muito amplo e alargado de artesãos e artesãs exercem a atividade de produtores artesanais, enquadrados no Estatuto de Artesão e de Unidade Produtiva Artesanal, encaram com redobrada preocupação, como todos os outros setores da atividade económica e social, os tempos que se avizinham.
    As dificuldades serão para todos. É certo!
    Todos teremos necessidades de auxílio à manutenção dos postos de trabalho e da nossa atividade e, no limite, está em causa a sobrevivência pessoal e a da atividade exercida.
    Os artesãos e artesãs não descuram que há muitos “fogos” a que o Estado terá de acudir e dar respostas, no entanto, não poderiam deixar de fazer uma apresentação coletiva ao governo no sentido de este olhar para o setor e para a nossa atividade que por ser muito diversificada, e particularmente muito individualizada e sazonal, sofrerá um impacto imediato gravíssimo.
    Este setor, quando deveria estar a sair de um período já de si fraco em negócios e vendas, irá encara entrar num período ainda mais incerto!
    Este setor é composto por trabalhadores considerados independentes e por esse motivo são de difícil enquadramento para usufruir dos apoios apresentados nas trinta medidas governamentais, mas não são também considerados elegíveis para usufruir das medidas apresentadas para os trabalhadores a recibos verdes.
    Estão, então, numa situação de vazio legislativo e, portanto, mais confusa de gerir e sobre a qual haverá dificuldades acrescidas em termos de candidaturas para os apoios que venham a ser disponibilizados.
    Nesse sentido, e para que se possa gerar uma articulação entre os apoios que já estavam estabelecidos como suporte à atividade, bem como, as necessidades que se colocam, apresentam-se seis propostas, fulcrais para darem um alento à continuidade e manutenção das artes e ofícios e subsistência destes profissionais:
    1. Que no quadro dos apoios do subsídio à participação e promoção em feiras e mercados já orçamentado e com verbas atribuídas pelo IEFP, que os artesãos e unidades produtivas artesanais se possam candidatar à totalidade e adiantamento desse apoio já. Para que alcance mais artesãos seja atribuído em duas fases, ficando com a obrigação de manterem a atividade aberta e, mais tarde a apresentação e demonstração da participação em ações à medida que vão realizando ou feiras seguindo os critérios já estabelecidos anteriormente. Em caso de incumprimento ser imposta a devolução das verbas atribuídas. Neste ponto propõem a revisão dos apoios atribuídos as organizações de eventos não enquadrados estritamente no ARTESANATO.
    2. Possibilidade de adiar pagamentos à Segurança Social, de acordos prestacionais de dividas em execução fiscal e prestações normais no caso de unidades produtivas e, respetivamente, pagamentos por conta às Finanças.
    3. Clarificar de vez, qual, e estabelecer a atribuição de um subsídio mínimo aquando da cessação de atividade, caso o artesão entenda ser a melhor opção.
    4. Possibilidade de acesso ao crédito sem juros, como fixado para as microempresas, com fins específicos de apoio à continuidade da produção caso o artesão decida continuar com a atividade aberta.
    5. Os artesãos e unidades produtivas artesanais ficam desde já, também, disponíveis para colaborarem em ações de apoio social e solidário como forma de minorar o efeito do encerramento de escolas e o isolamento social, em moldes a definir.
    6. Pretende-se, também, que nesta atual conjuntura se promova um fórum online para debater caminhos futuros e a importância das produções artesanais, num contexto de      mudança de paradigma de consumos, que inevitavelmente irão ocorrer. Assim como, contribuir com apresentação de proposta que clarifique um Estatuto de Autoemprego e de redefinição de Microempresa. Espera-se também a criação de um regulamento nacional de feiras e mercados para venda exclusiva de produtos artesanais e que possibilitem a realização, o mais breve possível, de mercados locais.



    Nota: (*) Texto corrigido a pedido de Grupo de Trabalho do Manifesto Artesão


    Carlos Rosa / Cristina Ferreira, 10/07/2020


    ⇶ Crónica 31 - 17/jul/2020






    NOVO ANO LETIVO, MAS SEM NOVIDADES

     “O país tem de estar agradecido aos milhares de docentes e profissionais das diversas escolas que fizeram das tripas coração para construir e implementar estratégias de ensino à distância” que garantissem o acompanhamento dos alunos depois do encerramento das escolas afirmou, em declarações ao esquerda.net, a deputada bloquista Joana Mortágua; salientou que o afastamento das crianças e jovens da escola agrava as desigualdades e prejudica o seu desenvolvimento, por isso é necessário fazer todos os esforços para que no próximo ano letivo o acompanhamento presencial seja a regra”, sendo que, para isso, “é preciso adaptar as escolas e uma das medidas centrais é a diminuição do número de alunos por turma”, defendeu.
    Voltar à escola e com segurança tem de ser a regra, sendo de lamentar a ausência desta questão no orçamento suplementar, no qual “não há um cêntimo reservado para a contratação de docentes, profissionais ou reforço de meios materiais”
    O projeto de lei que foi chumbado estabelecia princípios e orientações, designadamente em matérias relativas à dimensão das turmas e ao número máximo de alunos por docente, para o ano letivo de 2020/21, ou enquanto durar a necessidade de distanciamento físico provocada pela pandemia de COVID-19.
    A proposta, que se aplica quer aos agrupamentos de escola e às escolas não agrupadas da rede pública quer aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, previa que na educação pré-escolar o número de crianças para um docente e, no ensino básico e secundário, o número de alunos por turma, corresponderia a um mínimo de 15 e um máximo de 20.
    “Responder pela igualdade social e pelo desenvolvimento do país tem de corresponder um esforço de investimento por parte do Governo e do Ministério da Educação para o reforço de recursos humanos e materiais”, reafirma o Bloco de Esquerda, frisando que “não seria aceitável que, por opções orçamentais, se negasse o direito à educação a todas as crianças do país”.
     O Orçamento Suplementar apresentado no Parlamento pelo novo ministro das Finanças foi anunciado como o balão de oxigénio de investimento público para responder à pandemia. A recuperação económica e o reforço dos serviços públicos foram objetivo anunciado – daí chamarem-lhe suplementar, e não retificativo.
    É compreensível a indignação de quem não encontrou no documento uma única referência à escola e às necessidades do próximo ano letivo pelo que se mantém inalterado o valor para o ensino básico e secundário e administração escolar em cerca de 5 milhões, e nem mais um euro.
    Segundo o Orçamento Suplementar, o próximo ano letivo será igual a todos os anteriores ou, pior, igual aos últimos meses. Ambas as ideias são trágicas. A primeira, porque não é concretizável face à pandemia e não fazer nada só agravará alguns problemas estruturais da escola pública.
     A segunda, porque se baseia na perigosa ilusão de que o sucesso do ensino à distância depende de equipar os alunos, os docentes e as escolas.
    Sem equívocos, o programa de modernização digital é uma boa notícia que só peca por tardia, mas não resolve o problema essencial da educação em 2020/2021. As limitações do contacto educativo à distância não decorrem do acesso a computadores, mas do afastamento das crianças e jovens em relação à escola. Esse afastamento tem consequências pedagógicas e sociais e prejudica até direitos fundamentais das crianças e dos jovens.
    É dado adquirido que o ensino à distância agrava as desigualdades. Particularmente preocupante é a ideia de que, em meados de maio, mais de metade dos professores continuava sem conseguir contactar os seus alunos, mas mais de 70% estavam a lecionar novos conteúdos.
     Há dimensões da escola e da educação pré-escolar que não são substituíveis pelo ensino à distância, mesmo que ele se realizasse em condições pedagógicas perfeitas, o que está muito longe de se verificar. A socialização com os pares e com os docentes, dentro e fora das salas de aula, é um contributo insubstituível no percurso de desenvolvimento das crianças e dos jovens. O confinamento em casa impede essa socialização e prejudica de forma particular as crianças e os alunos com necessidades educativas especiais.
    Os danos do afastamento serão tão mais permanentes quanto o tempo que ele durar. O que devia estar no centro do debate não são apenas os instrumentos do ensino à distância, mas as condições para o regresso às escolas em tempos de pandemia. Há muitos fatores que têm de ser tidos em conta, mas há um ao qual não é possível escapar: a diminuição do número de alunos por turma e o acompanhamento dos alunos que ficaram para trás durante este período. Vai ser preciso contratar mais professores, mais assistentes operacionais, mais técnicos especializados.
    Sobre isto, nem uma palavra no Orçamento Suplementar. Devemos um agradecimento a todas as escolas que se empenharam na resposta de emergência à distância, mas desengane-se quem viu nela a panaceia para todos os males. O direito à educação desta geração vai jogar-se na possibilidade do seu regresso à escola.
    Certamente que a adaptação das escolas à educação presencial em tempos de pandemia custa dinheiro. Mas quanto custará abdicar da igualdade social, da diminuição do abandono escolar, da elevação geral do povo pela educação, conquistas da escola? Tudo isto é demasiado importante para ficar resolvido por uma inexistência no Orçamento Suplementar.

    Cristina Ferreira, 17/07/2020


    ⇶ Crónica 32 - 24/jul/2020



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    VAMOS A BANHOS NA BARRAGEM?


    Surgiu recentemente, em Almodôvar, um movimento encabeçado por António Bota, a favor do desenvolvimento de uma barragem para aproveitamento da água da ribeira de Oeiras, e que considera importante para Almodôvar e sub-região do Campo Branco. Reconhece, no entanto, que a execução de tal obra está fora da capacidade e jurisdição de uma câmara municipal e apela, por conta disso, à adesão de todos os cidadãos desta região à Petição que irá ser entregue na Assembleia da República.

    Solidariamente, António José Brito, presidente da Câmara Municipal de Castro Verde, está em concordância e apoia a ideia do congênere socialista, focando-se nas questões emergentes fruto das alterações climáticas para argumentar sobre a sua posição.

    Se para António Bota não existem dúvidas quanto à importância deste empreendimento que defende ter de ser construído num sítio bom, que não destrua propriedade e permita vários tipos de usufruto, para o núcleo concelhio do Bloco de Esquerda de Almodôvar existem muitas dúvidas, particularmente no que diz respeito aos usufrutos, financiamento, segurança, e claro, ambiente.

    Desde há vários anos que o Bloco de Esquerda entende que a água é um bem vital e que a gestão dos recursos hídricos não deve estar na mão de privados. Nessa linha de pensamento, concorda com a iniciativa do autarca de Almodôvar. É fundamental criar reservas deste precioso bem para suprir carências futuras e que se prevê agravarem-se nos próximos anos. Mas, a concordância fica-se por aqui.

    Na implementação de um projeto público desta dimensão, há que olhar também para outros aspetos, atrás já mencionados, e são estes que merecem a apreensão deste núcleo.
    O anúncio desta iniciativa, e toda a sua argumentação, foi aplaudida com entusiasmo, mas mereceria igual ovação se:
    •          Na argumentação fosse incluído explicitamente o benefício para o velho projeto da herdade da camacha?
    •          Fosse dito quais os agricultores e criadores de gado que seriam beneficiados desta iniciativa?
    •          Fosse explicado de onde sairia o dinheiro para financiar esta obra, ou seja, quanto custaria aos bolsos dos Peticionistas da Barragem de Oeiras?
    •          Fosse lembrado que parte do trajeto desta ribeira passa a escassos metros de uma indústria altamente poluente, a mineira Somincor, e é ladeada por barragens de reserva e de contenção de efluentes industriais, representando por isso mesmo um risco de contaminação?
    •          Sabendo que a Águas Públicas do Alentejo detém a concessão da água no Alentejo, qual o interesse desta empresa nesta obra?

    Cingindo-nos apenas à água para consumo humano, sobre a qual a Águas Públicas do Alentejo, SOCIEDADE ANÓNIMA, detém direitos de abastecimento e saneamento em regime de exclusividade até 2059, como é que a Barragem de Oeiras beneficiaria os cidadãos Almodovarenses, Castrenses e Mertolenses?

    A distribuição do precioso líquido seria feita em rede paralela à da Águas Públicas do Alentejo ou haveria algum tipo de acordo comercial com esta empresa?

    Far-se-ia a dita barragem que depois seria entregue à AgdA por igual período à concessão existente?

    São muitas as dúvidas que pela importância, abrangência, complexidade deste projeto, nos deixam demasiado apreensivos.

    E, felizmente, haja alguém apreensivo, porque na vontade de António Bota, se estivesse sob a jurisdição da câmara a que preside, começava já  a construir amanhã, até porque o problema das autorizações aos diversos ministérios e várias organizações, subentende-se, para ele seria um caso menor.





    Filipe M Santos / Cristina Ferreira, 24/07/2020



    ⇶ Crónica 33 - 31/jul/2020



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    Posição de um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda sobre as orientações do Ministério da Educação sobre a organização do ano letivo 2020/2021:

    "Aulas presenciais sim, com condições de segurança"

    Em tempo de confinamento, a classe docente esteve na primeira linha de resposta às famílias, reinventando a escola, procurando soluções, desdobrando--se em atividades pedagógicas, para que alunos e alunas deste país não deixassem de ter acesso às suas aprendizagens.
    Cedo se percebeu que o contexto social e cultural dos/as alunos/as, realçou condições de grave desigualdade de acesso aos indispensáveis recursos digitais e de apoio por parte de muitos agregados familiares, que só o ensino presencial poderá esbater.
    As recentes orientações divulgadas pelo Ministério da Educação (ME) basearam-se numa leitura mais recente e conveniente de algumas normas da DGS e ignoraram toda a experiência adquirida pelos/as professores/as, não só no terceiro período, mas ao longo de anos de trabalho nas escolas, tendo sido elaboradas sem ouvir quem no terreno, todos os dias, se apercebe das dificuldades existentes e encontra soluções para as mesmas.
    Os documentos “Orientações" e "Orientações para a Organização do Ano Letivo de 2020 /2021”, emanados da DGEST e divulgados a 3 de junho, em conjunto com a entrevista que o Ministro da Educação deu a 4 de junho ao Expresso, vieram lançar uma onda de perplexidade, inquietação e insegurança sobre a comunidade escolar. Esta insegurança surge muito justificadamente por as referidas "Orientações", caso se mantenham e sejam aplicadas, se traduzirem em termos práticos, num irresponsável atropelo às regras de distanciamento físico e social que a sociedade portuguesa se vem esforçando por aplicar, a conselho da DGS.
    É nossa convicção que alunos, pais e professores defendem que o ensino tem de ser presencial, o que implica que o ME crie as necessárias condições físicas e organizacionais para que o mesmo possa ocorrer. Neste aspeto, a organização do reinício das aulas em setembro próximo não está a correr bem.
    A irresponsabilidade do ME está ao determinar nas suas “Orientações para a Organização do Ano Letivo de 2020 /2021”, o seguinte: “Dentro da sala de aula o distanciamento físico será, no mínimo, de um metro, se isso for possível”.
    Assim formuladas as "Orientações", este distanciamento de um metro não tem caráter obrigatório e só ocorrerá "se for possível", permitindo implicitamente que os alunos estejam encostados uns aos outros por não haver salas de aulas onde caibam turmas com 28 e 30 alunos de outra maneira. Deve acentuar-se que nas referidas "Orientações" também não está prevista a redução do número de alunos por turma nem o seu desdobramento, propósito reafirmado taxativamente na entrevista dada pelo Ministro da Educação.
    Este facto criará a inevitabilidade da partilha de mesas e uma proximidade incompatível com as regras de segurança que são indispensáveis nos contactos sociais.
    Em defesa da saúde dos alunos/as e restante comunidade escolar, cabe-nos a nós, professores/as, impedir que a aplicação das «Orientações» atentatórias da saúde pública seja consumada em setembro próximo.
    Será oportuno lembrar que relativamente ao distanciamento físico em sala de aula, as «Orientações» trazidas a público contradizem o que o governo, apenas há um mês e meio atrás, 18 de maio de 2020, preconizava no ponto 5 das suas "Orientações - Regresso às aulas em Regime Presencial" emitido pela DEGEST:
    "Privilegiar a utilização de salas amplas e arejadas, sentando um aluno por secretária (...)" ideia reforçada no ponto 6 do mesmo documento, nos seguintes termos: "Quando o número de alunos da turma tornar inviável o cumprimento das regras de distanciamento físico nos espaços disponíveis, as escolas podem desdobrar as turmas, (...) Caso esta ou outra via não sejam viáveis, pode ser reduzida até 50% a carga letiva das disciplinas lecionadas em regime presencial, organizando-se momentos de trabalho autónomo nos restantes tempos;" O que muitos professores e encarregados de educação questionam é como é possível que as regras que foram válidas em maio e junho já não sejam necessárias em setembro, num contexto em que se mantêm elevados os números diários respeitantes a novas infeções. Com as prioridades invertidas, o investimento que se torna escasso para a educação e para garantir as indispensáveis condições de segurança sanitária no regresso ao ensino presencial, não deixa de ser em abundância de largos milhões para a TAP, Novo Banco e EFACEC.
    A contratação de 2500 professores anunciada pelo Ministro de Educação é claramente insuficiente para suprir as necessidades de contratação necessárias para permitir uma real recuperação e consolidação de aprendizagens e conteúdos/competências que ficaram por fazer durante o Ensino à Distância (E@D).
    Em setembro, se se mantiver este gravíssimo atropelo às regras de distanciamento físico, corre-se o risco de transformar as escolas em geradoras de surtos locais de covid-19. Um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda faz eco da indignação de muitos dos seus colegas e encarregados de educação, não aceitando tamanha irresponsabilidade nem sendo complacente com comportamentos negligentes que concorram de alguma forma para a expansão da epidemia. Nestas circunstâncias, como docentes que defendem uma escola pública segura e universal, preconizamos a aplicação de regras que garantam condições de segurança sanitária, condições de trabalho e condições de aprendizagem, nomeadamente através das seguintes medidas:
    • Diminuição do número de alunos por turma, de forma a garantir o distanciamento físico dentro de sala de aula, de acordo com as orientações das entidades de saúde (distanciamento de 1,5 metros a 2 metros entre alunos/as e alunos/professor/a);
    • Contratação de docentes e assistentes operacionais em número suficiente para acorrer às necessidades de cada Agrupamento de Escolas/Escola não agrupada;
    • Contratação de Técnicos Especializados, como Assistentes Sociais, Educadores/as Sociais e Psicólogos/as, para constituição de Equipas Técnicas Multidisciplinares de forma a proceder-se a uma identificação e sinalização de dificuldades e vulnerabilidades sociais aumentadas durante o período de confinamento e pandemia;
    • Disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual em número suficiente para todo o pessoal docente, não docente e alunos;
    • Realização de testes de despiste de infeção por COVID-19 a toda a comunidade escolar para reforço das condições de segurança;
    • Autonomia para os Agrupamentos de Escolas/Escolas não agrupadas para aumentar o número de turmas por ano de escolaridade, ou em alternativa o desdobramento de turmas, de forma a cumprir as orientações de segurança sanitárias emanadas pelas entidades de saúde;
    • Apoios sociais para as famílias em situação de impossibilidade de Escola a Tempo Inteiro, garantindo apoios para que os alunos possam frequentar espaços alternativos, nomeadamente ATL´s, Centro de Estudo, IPSS, etc;
    • O tempo/modo de recuperação e consolidação de aprendizagens gerido de acordo com as necessidades identificadas por cada Agrupamento de Escolas/Escola não agrupada;
    • Recurso a mais espaços letivos para responder às necessidades ocasionadas pela criação de novas turmas ou pelo desdobramento das existentes, explorando as opções já lançadas nas “Orientações”;
    • A montante, devemos exigir que as boas práticas de distanciamento físico sejam garantidas nos transportes públicos que são utilizados pelos membros da comunidade escolar.

    Atendendo à gravidade da situação sanitária, defendemos através das medidas acima descritas, a manutenção para todas as aulas presenciais, das condições de sala de aula que foram praticadas em maio e junho, aquando do regresso às aulas do 11º e 12º anos de escolaridade.
    Compete ao Estado o dever de criar condições para ultrapassar as adversidades e tomar medidas de segurança que protejam todos os intervenientes do sistema de ensino público. As medidas a tomar devem ter em conta aspetos pedagógicos e de segurança sanitária e não estar reféns de constrangimentos económicos.
    A insensibilidade e irresponsabilidade demonstradas pelo ME, através das Orientações divulgadas em junho, levam-nos a temer que as escolas venham a ser espaços geradores de surtos de propagação da pandemia. As opções economicistas sobrepõem-se ao direito à segurança e à saúde.
    Os professores não estão disponíveis para aceitar tamanha irresponsabilidade e instam a sociedade a exigir que o ME assuma as suas responsabilidades de defesa da Escola Pública como local seguro de aprendizagem e socialização dos jovens.
    As “Aulas presenciais sim, mas com condições de segurança”, resulta da preocupação de um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda, preocupados com um ano letivo que representa um enorme desafio para todos.

    julho de 2020, um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda

    Cristina Ferreira, 31/07/2020

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