Quero começar por agradecer a
todo o meu auditório, aqui na Rádio Castrense e nas redes sociais, que
exerceram o seu direito e dever de voto, e apesar de todos os constrangimentos
sanitários, tornaram possível diminuir a taxa de abstenção face às eleições
anteriores. Assim, no rescaldo das eleições legislativas no passado domingo,
cujos resultados consolidaram a deriva à direita no panorama político nacional,
resta à esquerda nacional, nomeadamente ao Bloco de Esquerda partido de que sou
aderente, encontrar novos caminhos por entre os obstáculos que naturalmente
irão surgir, sem, contudo, perder a sua ideologia de vista.
As escolhas estão feitas,
fica-nos agora a esperança de que a maioria absoluta do PS, lhe permita uma
governação em cumprimento com a sua ideologia e programa anunciado em campanha.
Aos parlamentares que tomarão
posse, ao novo governo que surgirá na próxima legislatura, desejo-lhes um bom
trabalho. Aos cidadãos que nos próximos anos são alvo das políticas dos
primeiros, desejo boa sorte.
Passemos ao tema que vos quero
trazer e se refere à opinião de Paula Alves Silva:
O “ABENÇOADO SNS
PORTUGUÊS”
Escrevia Paula Alves Silva
assim na revista Visão:
"Escrevo este texto cinco
meses depois da minha primeira ida a uma urgência nos Estados Unidos. Três
horas dentro das urgências que resultaram em cerca de oito mil dólares.
Julgo que os relógios dos
hospitais são diferentes dos restantes. Têm, penso, um compasso próprio. Mais
pausado. Mais audível. Torna-se num relógio ainda mais lento quando estamos
sentados durante dez horas numa cadeira da sala de urgências. Deixamos de saber
se foi a doença que nos entorpeceu ou o desconforto da cadeira, da qual o corpo
não permite levantar. Escrevo este texto cinco meses depois da minha primeira
ida a uma urgência nos Estados Unidos. Escrevo esta crónica a título pessoal,
lembrando as vezes sem conta em que pensei, naquela noite, no quão perfeito é o
imperfeito Sistema Nacional de Saúde (SNS) Português.
Atirem-se as primeiras pedras
ao meu perfeito, que bem sabemos não ser perfeito. Talvez deva explicar. Sabem
quanto custou a entrada nas urgências do hospital onde me sentei na capital
americana? Mais de três mil dólares. À entrada, sublinho. Quando finalmente,
após 10 horas de espera, cheguei à dita sala de urgências e olhei em redor.
Havia cerca de doze camas, um médico e três enfermeiras. Não foi difícil
entender porque motivo os doentes entravam a conta-gotas na urgência.
Quantas vezes pensou dentro de
uma urgência, quanto custa cada um dos exames que realiza, se terá ou não
dinheiro para os pagar? Nos Estados Unidos, seguramente muitas. O que explica
por que motivo o médico tenha de explicar cada um dos procedimentos e a sua
razão, permitindo ao paciente a última palavra. A minha conta final foi
bastante explícita deste sintoma: analises ao sangue – 1200$, farmácia (em
concreto, soro e um anti-inflamatório) – próximo de 400$, uma ressonância
magnética – quase 4000$ e, por fim, as três horas disponibilizadas pelo médico
– cerca de 500$. Três horas dentro das urgências que resultaram em cerca de
oito mil dólares. Perguntei-me muitas vezes: quanto custaria uma cirurgia?
É para isso que serve o seguro
de saúde, pensarão muitos. Correto. Mas o Sistema de saúde americano é mais
complexo do que se prevê. Não é apenas o seu valor. Um plano básico de saúde,
para uma pessoa individual em início de carreira, custa pelo menos 200 dólares
por mês (valor que varia de acordo com o estado em que se encontre). Razão
plausível pela qual cerca de 28 milhões de pessoas nos Estados Unidos vive sem
seguro de saúde, um número que tem vindo a aumentar nos últimos anos, sobretudo
com a revogação do Affordable Care Act, mais conhecida como Obamacare.
Por outro lado, lembrar que
ter um seguro de saúde não é sinónimo de garantia do pagamento total de uma
conta. Importa recordar, primeiramente, que é necessário criar uma espécie de
plafond. Ou seja, é necessário realizar alguns pagamentos para que a conta de
seguro possua dinheiro para pagar a percentagem indicada para cada
especialidade. Deste modo, alguém que hoje inicia o seu seguro terá uma cobertura
menor, ou quase nula, comparativamente com alguém que já possui um seguro há
alguns anos.
Além disso, é necessário
referir que a franquia tem aumentado significativamente desde 2006. Nesse ano,
apenas 50% das pessoas com seguro através da empresa de trabalho tinham uma
franquia. Em 2018, o número disparou para 82%. Acresce ainda a este fator o
aumento do valor da franquia. Se em 2006 o valor era cerca de 600 dólares, em
2018 situava-se nos 1700, visto que as seguradoras perceberam ser mais
vantajoso fazer o paciente pagar uma taxa maior pelas idas ao médico, ou ao
hospital, do que pagar um valor maior mensalmente.
Resultado? Milhares de
processos feitos por hospitais contra pacientes que não conseguem pagar as suas
dívidas. De notar que os programas de ajuda financeira dos hospitais apenas
apoiam pessoas com salários anuais até 400% acima do limiar de pobreza, isto é,
pessoas com salários anuais que rondem os 50 mil dólares [valores baixos para o
custo de vida nos Estados Unidos].
A complexidade e o custo de um
seguro tornou os Estados Unidos num país onde pessoas que caem na rua, e
precisam de assistência hospitalar, recusam uma ambulância, porque o custo do
transporte em ambulância em Washington DC é de 2500 dólares.
Por isso, perdoem-me, mas,
sim, bendito SNS, pensei eu, recordando as idas ao hospital em Portugal, onde
não esperei 10 horas (apesar de saber que acontece) e cujo atendimento em nada
ficou a dever ao que recebi num dos hospitais da primeira potência mundial.
Bendito Portugal pequenino que, apesar de não figurar nos tops das economias
mundiais, percebe a importância de um estado social. Bendito SNS que, apesar
das suas grandes lacunas e fragilidades, não faz com que o paciente se
questione se tem dinheiro antes de chamar uma ambulância. Bendito."
Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/Filipe M. Santos,
04/02/2022