sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas III (20DEZ2019)



MAIS UM ANO ESTÁ A ACABAR.

Tradicionalmente esta é uma época de boa vontade, de solidariedade, de introspeção e de retrospetiva pelos momentos mais marcantes vividos no ano, e que nos leva a traçar novos objetivos, ou a ajustar metas que tínhamos considerado, mas que, por algum motivo, não se atingiram.

Com maior ou menor grau de precisão, qualquer que seja o credo ou ideologia, de forma intencional ou não, esta é uma regra válida para todos nós, enquanto seres individuais, enquanto seres numa sociedade.

2019 está a poucos dias do fim, mas antes da entrada de 2020, ainda muitas decisões terão de ser tomadas, entre elas o orçamento do governo para o novo ano.

Quão bom seria que Orçamento de Estado 2020 trouxesse “no sapatinho” – para usar um termo natalício, algumas das propostas do Bloco de Esquerda. Por exemplo a descida do IVA da energia, ou a resposta aos trabalhadores por turnos ou, ainda, o fim do fator de sustentabilidade nas reformas antecipadas por desgaste rápido.

Numa época de boa vontade, PS e governo apresentariam uma proposta de orçamento refletindo uma negociação e não como se tivesse maioria absoluta.

Talvez por isso, o Orçamento, na última versão conhecida, é no entender do Bloco de Esquerda, insuficiente para responder às grandes necessidades do país, por exemplo em matéria de investimento nos serviços públicos. É mesmo um travão em matérias como o fim das taxas moderadoras ou o Estatuto dos Cuidadores Informais, aprovadas na última legislatura.

Aliás, este Orçamento, o primeiro desta nova legislatura, fica aquém das propostas do programa eleitoral do próprio PS. Talvez o PS de hoje não soubesse das metas de investimento em habitação, ou das questões salariais inscritas no Programa de Estabilidade do PS em campanha – perdão, do PS em Governo há meio ano atrás.

À custa do desinvestimento nos serviços públicos, na habitação e ao efeito limitado das alterações no IRS o Orçamento proposto prevê um lucro de 500 milhões de euros.

Parece bom, se cumpridas as metas orçamentais, haver um excedente orçamental de 500 milhões de euros.

Mas, pense bem.

São 500 milhões que em vez de serem utilizados para equipar escolas e hospitais, reforçar o transporte ferroviário, reduzir os custos da energia, melhorar as condições de vida dos portugueses, ficam ali, supostamente parados.

Talvez seja um pé de meia para a eventualidade de algum banco ter de ser salvo. Quem sabe?

Numa época de retrospetiva, quão bom seria que este Orçamento aprofundasse as mudanças conseguidas na anterior legislatura.

A todos e a Todas umas Boas Festas e um feliz 2020.



Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira/Filipe Santos, 20/12/2019

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas III (13DEZ2019)




CÁ POR CASA, TUDO BEM


Esta é a opinião de António Gonçalves que hoje partilho com os ouvintes da Rádio Castrense.

Vivemos num país à beira mar plantado, em que todos os ventos correm de feição e não há vozes discordantes.

Toda a gente vive bem, os salários dão para tudo e mais alguma coisa, não há fome, não há desempregados, mal damos pelo pagamento de impostos, os monopólios são nossos amigos e além disso, como sendo a cereja no topo do bolo, querem dar-nos 3 ou 4 euros de aumento em 2020. Por ano! Fantástico.

Obrigado Sr. Primeiro Ministro, obrigado Sr. ministro das finanças, obrigado Sr. Presidente da República (por esta ordem ou não), pela vossa generosidade.

Mas está tudo bem cá por casa.

Não há greves, o povo está satisfeito e pronto para mais uma vez acreditar nas promessas que os partidos que fazem parte do arco de governação, lhe fazem quando se aproximam os atos eleitorais.

E mais uma vez, porque está tudo bem cá por casa, tornam a votar nos que lhe prometem tudo e no fim, nada lhes dão.

A carga fiscal é cada vez mais elevada, os ordenados são cada vez mais pequenos, as reformas, uma ofensa à dignidade de quem descontou uma vida inteira para o estado.
Estado sanguessuga é o termo exato.

Sei de um caso, o qual partilho convosco, em que um trabalhador a recibos verdes, por falta de ter descontado, teve que pagar quase 90.000 euros, sendo 40 mil em juros de mora. Para no final receber de reforma a módica quantia de 358 €, depois de 43 anos de descontos!!!

Mas certamente vocês, caros ouvintes e leitores, saberão de outros casos semelhantes entre vossos amigos, familiares ou, até mesmo, vós próprios sejam um desses casos.

Quando chegarem as próximas eleições, não se esqueçam, cidadãos do meu país, de impor as vossas condições aos candidatos, não se fiem em promessas vãs, que qualquer pessoa com 3 dedos de testa, consegue ver que são balelas e promessas falsas, só para caçar votos.

Nunca vi, desde o 25 de Abril de 1974, tanta greve, tanto descontentamento, tantos ordenados de miséria, tanta corrupção, tanto clientelismo, tantos favorecimentos.

Esta minha crónica é apenas um alerta, um descargo de consciência.

Sim, porque cá em casa tudo bem!

Está tudo mal neste país à beira mar plantado.



Caixa Alta, Rádio Castrense
António Gonçalves/ Cristina Ferreira, 13/12/2019


sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas III (06DEZ2019)



JOSÉ MÁRIO BRANCO

Morreu José Mário Branco, a 19 de novembro de 2019, o músico, cantor e compositor que marcou a música portuguesa das canções de resistência ao fascismo até à nova geração do fado, músico que ao longo de meio século de carreira deixou a sua marca na cultura portuguesa e em várias gerações de artistas. A sua vida foi marcada igualmente pela intervenção política, pelo combate às opressões e à desigualdade social, como refere o artigo publicado em Esquerda.net.

Grava “Cantigas de Amigo” em 1967 mas é no exílio em França que compõe as músicas para textos de Natália Correia, Alexandre O’Neill, Luís de Camões e Sérgio Godinho que dão forma ao álbum “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades” em 1971. Este álbum levou-o a percorrer vários países europeus em concertos para as comunidades portuguesas e em atos de solidariedade contra o fascismo português em França, Suíça, Alemanha, Holanda e Itália. Esta ação foi sempre marcada pela sua participação política na luta contra o fascismo e nos combates pela liberdade. Destaca-se a sua ativa militância no Maio de 68 em França.

Regressa a Portugal após a revolução do 25 de Abril e torna-se uma das figuras da cultura portuguesa nos primeiros tempos de liberdade. Para além das inúmeras intervenções musicais, estende a sua atividade ao teatro, integrando o grupo A Comuna, onde veio a conhecer a sua companheira Manuela de Freitas, mas também ao cinema e à ação cultural, fundando com Fausto, Tino Flores e Afonso Dias o - Grupo de Ação Cultural - Vozes na Luta logo após chegar a Portugal. Este grupo dinamizou centenas de sessões de canto em aldeias, fábricas e quartéis por todo o país, participando inclusivamente no Festival da Canção de 1975 com o tema “Alerta”.

Num contexto cultural marcado também pela luta entre as diferentes orientações políticas da esquerda revolucionária, a intervenção política de José Mário Branco nesse tempo foi orientada para o agrupamento das correntes maoístas que viriam a dar origem à UDP, da qual foi fundador e dirigente, tendo sido eleito para a direção da UDP em 1980.

O período pós-revolucionário foi marcado por cisões tanto ao nível partidário como cultural, com as divergências a determinarem igualmente a sua saída do Grupo de Ação Cultural e também da Comuna. É neste período que compõe e edita duas das suas maiores obras musicais, “FMI” e “Ser Solidário”, que ficariam para sempre como a marca da desilusão por parte de uma geração que entregou a sua juventude ao processo revolucionário e assistia então ao desfazer das esperanças de construir uma sociedade socialista em Portugal. O cantor conclui o período com a canção e autêntico manifesto: "Eu vim de longe, eu vou para longe" do disco "Ser Solidário".

Os anos seguintes seriam férteis em colaborações com outros artistas, assumindo a orquestração, composição e arranjos musicais em trabalhos de velhos parceiros, como José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho ou Janita Salomé, mas também de novos companheiros como os Gaiteiros de Lisboa e Amélia Muge e um novo interesse pelo fado, onde colabora com Carlos do Carmo ou Camané. Edita um álbum de canções ao vivo em 1997.

Em 1999 participa na fundação do Bloco de Esquerda, de que foi membro da Mesa Nacional.

Num tempo marcado pela mobilização pela independência de Timor, servirá como base para o título do álbum seguinte, já em 2004, “Resistir é Vencer”.

Cinco anos depois, regressa aos palcos ao lado de Fausto e Sérgio Godinho no projeto “Três Cantos”, com vários dias de concertos no Campo Pequeno.

Em 2018 deu a conhecer um conjunto de canções e composições gravadas com o álbum “Inéditos 1967-1999”.





Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira, 6/12/2019