sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (31JAN2020)



Fator de Sustentabilidade

Cumprem-se doze meses que os trabalhadores das lavarias e pedreiras obtiveram acesso a antecipação da idade de reforma por desgaste rápido. Este era um direito reivindicado por estes trabalhadores há já longos anos e que foi possível alcançar face a uma conjuntura política favorável de quando o governo na anterior legislatura granjeou do apoio parlamentar negociado entre os partidos de esquerda – PS, PCP e Bloco de Esquerda.

No entanto este direito é ainda usufruído de forma manca, pois a regulamentação que estabelece a sua aplicação penaliza os trabalhadores que o exerçam. Isto é, por um lado são reconhecidas as condições extraordinárias de desgaste nas profissões destes grupos de trabalhadores, por outro, estes mesmos trabalhadores por via dos decretos regulamentares, portarias e extensões que lhes são aplicados, acabam sendo castigados, e esse é o termo correto, castigados por terem exercido sua profissão numa atividade desgastante.

Desde que começou a ser aplicado o fator de sustentabilidade, nas pensões de reforma, este foi igualmente aplicado às pensões dos trabalhadores das profissões de desgaste rápido, à revelia do que expressa a lei – acesso à pensão sem penalizações. Tal facto foi imediatamente denunciado pelas várias estruturas representantes dos trabalhadores, uma delas o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira. Surgiram, entretanto, algumas “adendas” regulamentares para legitimar essa subtração.

Os trabalhadores mineiros, pescadores, pedreiros, lavarias entre outros, abrangidos por esta regulamentação, individualmente ou unidos nas suas estruturas representativas mantêm a reivindicação de que o fator de sustentabilidade deve ser retirado do cálculo das pensões requeridas antecipadamente por desgaste rápido e no último dia 29, um grupo destes homens e mulheres, depois de um curto percurso em manifestação, levaram à sra. ministra do trabalho a sua carta reivindicativa.

Hoje dia 31, decorrem novas manifestações em Lisboa, organizada por CGTP e sindicatos afetos à central que convocaram à participação dos trabalhadores de todo o país. Entre estes, espero que os trabalhadores camarários de Moura, não se tivessem amedrontado pelo seu presidente nem pela sua tentativa de limitar o direito de manifestação.

Sei que não é só em Moura que os trabalhadores são assediados com o sentido de limitar o seu direito a manifestar. Este mal existe também no sector privado, mas vejo com muita preocupação que atos destes têm crescido impunemente nos órgãos públicos



Caixa Alta, Rádio Castrense

Filipe M Santos/Cristina Ferreira, 31-01-2020

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (24JAN2020)






O AEROPORTO (DO MONTIJO)




Para que tenhamos um mundo mais sustentável os líderes políticos e económicos mundiais reúnem-se no Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça; as alterações climáticas e a necessidade de transformar a economia para criar um mundo mais justo e sustentável dão o mote a este encontro.

O desafio de reconciliar a economia com o planeta e criar um mundo mais coeso e sustentável é o apelo lançado pela comissária Europeia, visto que as questões ambientais estão no centro da discussão e é urgente a sua resolução.

Salvar o planeta, implementar economias mais justas e um futuro mais saudável é da responsabilidade de todos e exige ação e mudança por parte do todo e cada um tem o dever de participar e agir pois só assim a mudança ocorre.

Se em Davos se discute como criar mais sustentabilidade ao nível ambiental, em Portugal discute-se a criação de um novo aeroporto, o aeroporto do Montijo, numa área da extrema importância ambiental, numa zona densamente povoada e que possui um importante ponto de captação de água – Onde está a preocupação com o ambiente e as pessoas?

O impacto ambiental do projeto bem como as alternativas de implantação no terreno devem equacionar a avaliação de impactes positivos e negativos relativos à transferência/aumento de tráfego associado, nomeadamente o decréscimo da qualidade de vida da população aí residente.

As consequências ao nível das acessibilidades, conservação da natureza, ruído e poluição do ar são algumas das questões que devem ser equacionadas bem como os custos associados à minimização dos impactos negativos.

A conservação da natureza é um dos maiores problemas de ter um aeroporto junto ao estuário do Tejo, bem como o efeito sobre as aves que ali passam na sua rota migratória e, como tal, merecedor de toda a atenção.

Quanto ao ruído, para além da perturbação da avifauna do Estuário do Tejo, irá também afetar essa zona densamente povoada.

Se a Agência Portuguesa do Ambiente permitir o avanço deste projeto consegue-se destruir um estuário, a qualidade de vida da população aí residente e um ponto de captação de água.

Afinal em que ficamos?

Defendemos o ambiente ou somos hipócritas ao ponto de o destruir sob a bandeira do desenvolvimento?



Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 24/01/2020


sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (10JAN2020)




ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2020

Na perspetiva do Bloco de Esquerda a proposta de Orçamento do Estado para 2020 apresentada pelo governo quebra o caminho de recuperação dos últimos 4 anos. Os acordos assinados à esquerda na anterior legislatura foram garantia de segurança para quem trabalha e impulsionadores da recuperação de rendimentos.

O Partido Socialista decidiu recusar soluções acordadas com a esquerda e tenta agora impor ao parlamento um Orçamento que se pauta pela estagnação, pela insuficiência e falta de clareza.

A proposta de OE2020 é a primeira que, em 5 anos, não contempla medidas concretas e eficazes de aumento de salários e pensões, contrariando o incremento dado em 4 anos: fim de cortes em salários e pensões, aumentos extraordinários nas pensões, aumento nos salários mais baixos, fim da sobretaxa e aumento dos escalões do IRS, bem como o descongelamento de carreiras.

Com a exceção do aumento do Salário Mínimo Nacional, não existem medidas de recuperação dos rendimentos do trabalho.

Aliás é de referir que uma vez que as atualizações previstas para salários, pensões e IRS estão indexadas à taxa de inflação de 2019 (0,3%), esta proposta de OE mantém estagnados os rendimentos do trabalho e condena trabalhadores e pensionistas a uma perda real rendimentos em 2020, ano para o qual o governo prevê uma inflação de 1%. As medidas apresentadas para apoio às famílias, como IRS para jovens, bonificação para segundo filho até 3 anos ou complemento creche, têm alcance nulo ou muito limitado.

A única medida eficaz para libertar rendimento e apoiar a economia - a descida do IVA da energia - surge como mera hipótese e sem qualquer concretização. Acresce que sem medidas de combate às rendas abusivas do setor energético, a proposta de OE 2020 compromete o objetivo de descida do preço da energia em Portugal, que se mantém como um dos mais altos da Europa.

Também as condições de acesso à reforma se deterioram. Depois de um caminho de valorização carreiras que permitiu acabar com a dupla penalização do fator de sustentabilidade para trabalhadores com longas carreiras e com todas as penalizações no caso das muito longas carreiras, bem como do alargamento do regime de desgaste rápido, esta proposta de OE não só ignora as injustiças que permanecem como as situações já identificadas de grande desgaste: a dos trabalhadores por turnos e trabalho noturno e a dos trabalhadores com deficiência. Sem novas regras, em 2020, a idade legal de acesso à reforma aumenta um mês, passando para os 66 anos e 6 meses, e o corte do fator de sustentabilidade para quem pede a reforma antecipadamente, fora dos regimes especiais mais favoráveis, vai situar-se acima dos 15%.

A Mesa Nacional do Bloco, que se reuniu no dia 4 de janeiro,  tinha decidido  que o partido não votaria a favor do Orçamento de Estado para 2020 na generalidade porque este não refletia as propostas que o Bloco tinha apresentado, porque não havia medidas de recuperação de rendimentos para além das que "decorrem das medidas aprovadas em anos anteriores" que "combatam os baixos salários e baixas pensões" e porque o investimento público "está sacrificado ao excedente” e torna-se um "problema de deficit económico no nosso país".

“Negociámos até ao último minuto”, informou Catarina Martins, acrescentando que há “questões ainda em aberto”, mas outras estão “garantidas” e com formulação já escrita.

Algumas das medidas concretas negociadas incluem a eliminação das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários, a recuperação nos valores das pensões mais baixas, um alargamento do complemento solidário para idosos, a redução do valor das propinas no primeiro ciclo do ensino superior, a licenciatura.

A coordenadora do Bloco Catarina Martins sinalizou que há ainda um conjunto de questões "em aberto" sobre energia, salários e prestações sociais e apoios.

Assim o Bloco de Esquerda compromete-se a apresentar, na especialidade, as diversas medidas que não foram objeto de negociação. Entre elas estarão propostas sobre educação, cultura, ciência, justiça, transportes, habitação e questões ambientais.

Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira,10/01/2020