sexta-feira, 29 de abril de 2022

Cristina Ferreira - Crónicas V (29ABR2022)


 

DUAS GERAÇÕES, DUAS VISÕES DO TRABALHO


 

O 1º de maio, o trabalho, duas gerações num mundo em construção e as palavras de José Saramago a unir o passado e o presente num texto breve, mas intenso:

“Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.

Estou diante de ti, e não [te] entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.

É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.”

 

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 29/04/2022


domingo, 24 de abril de 2022

25 de Abril 1974–2022: Viva a LIBERDADE


Cartaz evocativo intemporal - António Couvinha


Era a “hora de ira para a cama, não podia ser tarde pois tinha que apanhar o comboio de manhã cedo.” Começa por nos contar Mariana Aiveca sobre a sua experiência do momento em que a revolução chegou. Prossegue assim: “Nessa noite de 24 de Abril de 1974, deitei-me como de costume, com o auscultador do rádio no ouvido e, como de costume percorria os vários programas até adormecer. “E depois do adeus” passou, cantarolei baixinho e achei normal. Rodando o botão do velho transístor ficou na renascença. Quando ouvi ler os primeiros versos de Grândola não achei normal e pensei baixinho… Ai, ai este homem vai preso! A seguir o Zeca cantou e comecei a perceber que a liberdade podia passar por aqui. Não era sonho, foi real!”.

Notem como 48 anos de repressão do antigo regime condicionaram as vidas de tantas mulheres e homens deste país, para quem um simples verso de uma canção, suscitava o receio pela vida da pessoa que a proferia e até mesmo o temor de pensar que tinha de ser “baixinho”.

Este era um país decrépito, analfabeto, doente, ignorante, faminto, em luto pelos seus filhos que foram morrer numa guerra lá fora, mas apesar de tudo até era um país sereno, respeitador e feliz na sua ignorância e à mercê de uma casta política de elite, respaldada numa polícia secreta que atuava com toda a força do estado sobre quem ousasse questionar a sua miséria.

Outrora uma utopia, a Revolução dos Cravos rompeu com tudo isto, e acima de tudo, trouxe-nos a possibilidade de escolher a sociedade que queremos, atuando individual e coletivamente nos caminhos da democracia.

Muitas vitórias foram alcançadas, nesta jovem democracia, que conta agora 48 primaveras e delas resultaram significativos avanços para nossa sociedade. Mas também recuos e hesitações que, por medo ou falta de imaginação, impedem a sua plena transformação.

Assistimos ao ressurgimento de coisas que julgávamos fechadas à chave do lado de lá da porta que fechámos há 48 anos atrás.

Recentemente chegados à casa da democracia, personificados na figura de alguns atores políticos, assistimos à reafirmação e massificação ideológica e política da extrema-direita, e à replicação e reforço destes nos diferentes órgãos de soberania quer ao nível nacional, quer ao nível local. É a partir de lá, que estes saudosistas do outro tempo, exercerão, ou melhor, exercem junto do povo, os SEUS valores de liberdade, os SEUS valores de democracia, os SEUS valores de igualdade de oportunidades.

Os dois últimos anos têm sido uma prova de fogo à nossa democracia. Passámos por uma pandemia que, por decreto, nos restringiu a Liberdade, e suspendeu direitos que julgávamos inalienáveis. Passámos por uma crise social, laboral e económica que abalaram milhares de famílias em todo o país. Passámos pela exaustão e quase colapso dos serviços de saúde, e pela quase estagnação dos demais serviços públicos que dávamos como garantidos.

Há que refinar, impulsionar, atrever-nos a alcançar mais longe, derrubar estigmas, abandonar preconceitos e a cada dia concretizar e consolidar o sonho de alcançar o inalcançável.

Neste caminho que não é fácil, muitas vezes há armadilhas que fazem perigar todo o esforço feito até aí e muitas mais vezes deparamo-nos com obstáculos no percurso: a corrupção, a xenofobia, o racismo, o sexismo, a homofobia, a escravidão e a precariedade laboral, a injustiça social, económica e judicial, são alguns deles, e têm raízes tão profundas e complexas que por mais desmoralizantes eles sejam, não são impossíveis de superar e combater.

Combater a corrupção, não é dizer-se a favor do reforço de leis anticorrupção, e depois reprová-las na Assembleia da República, ou pior, prestar serviço de defesa e de consultoria aos alegados corruptores - é agir em coerência pessoal e coletiva contra esse cancro da sociedade.

Criar condições sociais justas para todos os homens e mulheres deste país, é combater a injustiça social. Agir coerentemente, a nível pessoal e coletivo, não é jogar ao faz de conta que se resolvem as coisas, quando na verdade criam-se obstáculos e condições de acesso, trâmites, pontos e virgulas tais que excluem tantos homens e tantas mulheres que somente alguns, poucos, podem beneficiar. E o mesmo na justiça económica, e o mesmo na justiça judicial.

É estúpido combater a xenofobia com xenofobia, igualmente com o racismo e o sexismo e por aí em diante. Em outras palavras, o combate aos podres que persistem na nossa sociedade, não se faz com mais podres. Este combate não é feito de simpatias nem de palmadinhas nas costas, de coisas que soam bem aos ouvidos, nem de populismos, nem de oratória exuberante de dedo em riste. Faz-se com seriedade ideológica e ações coerentes pessoal e coletivamente.

O 25 de abril de 1974 foi o 1º dia de liberdade, mas também o primeiro de muitos mais de responsabilidade e vigília contra a usurpação ou a sua evocação em contextos contrários ao do seu significado.

Citando Fernando Rosas, no contexto de um comício de campanha em janeiro: “Neste ano de 2022, em que a democracia passa a ter mais anos de vida que o longo calvário da ditadura, permitam-me um apelo: um apelo a que se honre a memória dessa luta que abriu as portas de Abril e se enfrente a extrema-direita com uma certeza: NÃO PASSARÃO!

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25 de Abril, Sempre!

Fascismo, nunca mais!

 

Almodôvar, 24 de abril de 2022

Filipe M Santos

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Cristina Ferreira - Crónicas V (22ABR2022)

 


REFLETIR ABRIL NO FEMININO – 48 ANOS DO 25 DE ABRIL



A proximidade do 48º aniversário do 25 de Abril, dá-nos o pretexto para refletir sobre a importância da celebrada Revolução dos Cravos, sobre a vitória da democracia contra o regime ditatorial encabeçado por António Salazar, sobre as conquistas da liberdade e sobre a, não menos importante, responsabilidade que temos em preservá-la e expandir.

Baseámos esta reflexão nos relatos feitos na primeira pessoa, de mulheres como Aurora Rodrigues, Margarida Tengarrinha; Graça Marques Pinto - conhecida também pela alcunha de Magaça, recolhidos e compilados sob a coordenação de Mariana Carneiro no âmbito do projeto Mulheres de Abril.

Magaça, estava na clandestinidade quando se deu o 25 de Abril, condição que mantinha desde fevereiro de 1973, para dar apoio ao órgão clandestino de direção da União de Estudantes Comunista, organização estudantil criada pelo PC. Porém, o seu percurso iniciou-se mais cedo, quando abraçou o ideário da transformação da sociedade, através da empenhada participação no movimento estudantil, que em 1969, reivindicava uma educação democrática e os direitos de reunião, associação e manifestação.

A primeira manifestação em que participou foi contra a guerra do Vietname, estava na linha da frente e empunhava com orgulho com uma vizinha e amiga um cartaz e na outra mão um jornal enrolado embebido em cola porque a ideia era de não fugir quando a polícia de choque investisse. Foi assim que iniciou as lides de desafiar o poder e dar visibilidade às lutas.

Foi detida pela primeira vez em maio de 69, acusada de distribuir folhetos que apelavam à manifestação popular para reivindicar o feriado do primeiro de maio vindo a ser julgada em julho de 1970 e condenada a dois meses de prisão com pena suspensa por três anos. Em março do ano seguinte foi presa em Caxias.

Durante um mês, debaixo de ameaças, tortura psicológica e física, privação do sono, agressões e injúrias que duravam dias e noites a fio, foi interrogada, sem sucesso, sobre colegas da faculdade. Nos intervalos entretinha-se a observar, da janela da cela, os movimentos dos habitantes de um bairro miserável sobranceiro ao forte. Nove meses depois, incapaz de provar a sua ligação à União dos Estudantes Comunistas, o tribunal absolveu-a dos factos que lhe foram imputados.

Esta experiência tornou Graça Marques Pinto, ainda mais consciente da necessidade de pôr fim à ditadura e disposta a lutar pela paz e pelo socialismo.

Ainda sem data para acontecer, o parto da Revolução dos Cravos que gerou a liberdade, iniciou as contrações num período ainda mais recuado do antigo regime. Disso, dá-nos conta, Margarida Tengarrinha, portimonense e também ela Mulher de Abril.

Na sua memória tem presente a manifestação que assistiu da janela da sua casa que dava para o antigo Largo do Coreto, apinhado de gente pisoteada pelos cavalos da Guarda Republicana e chicoteada pelos guardas. Tinha 5 anos e esta é a sua primeira memória do que era repressão, corria o ano de 1934. Anos mais tarde soube que naquele dia, 18 de janeiro, se deu uma revolta contra a fascização dos sindicatos, ou seja, o fim dos sindicatos livres que em Portimão punha em causa o sindicato dos conserveiros, dos metalúrgicos e associações de operários agrícolas.

No dia do armistício, em 8 de maio de 1945, com 17 anos, participou na primeira manifestação política e tinha muito clara a noção do que foi a guerra, do que foi o nazifascismo, da aliança do Salazar com o Mussolini, cujo retrato autografado mantinha na sua secretária, e com o Hitler, e da falta de neutralidade do ditador. Esta era uma manifestação da alegria pela vitória dos aliados contra o nazifascimo e em simultâneo pela vitória contra o próprio fascismo português que era seu aliado.

Em 1952 foi expulsa, junto com outros 82 alunos, de Belas Artes e de todas as escolas do país, por encherem a escola de pichagens e cartazes contra a NATO e pela paz. Avisada por José Dias Coelho que a PIDE ia à escola para a expulsar, foi instruída para não aceitar a expulsão sem um documento que justificasse a decisão, ganhando assim tempo para explicar às alunas que era pela sua luta pela Paz que estava a ser expulsa e todo um discurso de propaganda que os pides não puderam evitar porque ficaram à porta da aula por falta do tal documento.

Margarida Tengarrinha diz-nos que a consciência política é dinâmica, transforma-se ao longo da vida. Para um jovem ela tem muito de romantismo revolucionário e aos poucos, à medida que observamos a realidade, vai-se transformando num espírito revolucionário consequente e com objetivos mais claros.

De 1955 a 1964 esteve na clandestinidade dando apoio aos movimentos revolucionários em curso. De 1964 a 1968 reforçou a Rádio Portugal Livre e regressou novamente à clandestinidade, ocupando-se com trabalhos partidários no PCP até 1974. De 1974 em diante manteve-se ligada ao partido em diversas funções, desde o Comité Central à Assembleia da República como deputada. Toda uma vida de luta, antes e após o 25 de Abril, dedicada à transformação da nossa sociedade.

Quando foi presa, Aurora Rodrigues, tinha uma música na cabeça: “Ronda do Soldadinho” de José Mário Branco. No meio da tortura cantava para si a estrofe “Um e Dois e Três, era uma vez um soldadinho. Um lindo menino que nasceu no roseiral. Os meninos bons não nascem para fazer mal. Os senhores da guerra não matam, mandam matar. Os senhores da guerra não morrem, mandam morrer. E, apesar da presença dos PIDES que espumavam de raiva, ela apenas cantava, mesmo que a amordaçassem cantaria e continuaria a pensar.

Diz-nos Aurora Rodrigues: “Há esta importância das coisas pequeninas, sem importância, que percebi bem pela primeira vez. Hoje, quando conto até sinto, às vezes uma espécie de pudor. Está aqui uma coisa que fiz, que me aconteceu, que fui forçada a viver, mas nunca mais ninguém me tira a noção de que nós somos capazes.

Tenho consciência de que nós somos capazes, e somos efectivamente. Podemos resistir. E é, no fundo, este sentimento que foi amplificado e se materializou nas pequenas coisas.

Era essa convicção que eu tinha e me deu força. Mas não resisti em nome de nenhum partido. Era mais do que isso. Era uma força de querer mudar e também não querer que ninguém fosse preso por minha causa. Eu sabia que se dissesse o nome de alguém, essa pessoa era presa e começando, não acabava e tinha de aguentar.

Nervosos estavam eles e a prova foi terem-me dito: “O que mais nos exaspera é a tua calma”.”

Diz-nos ainda: “Há quem teime em ver ou em querer que os outros vejam os torcionários como uns coitadinhos, que tinham aquele emprego. O que eu vi é que os torcionários faziam, por iniciativa própria e não apenas para cumprimento do plano de tortura, um esforço premeditado para aumentar o mal-estar dos presos e faziam-no com gosto.”

Para Aurora Rodrigues, nascida mertolense na mina de São Domingos e criada Castrense, foi presa em 1973 e torturada pela PIDE em Caixas por ser militante do MRPP, enquanto era espancada não fazia nada. Com as mãos nos bolsos, balouçava com as pancadas, sem cair e dizia para si mesma: “Isto vai acabar. Isto vai acabar”. E houve uma altura em que acabou.

Não é de todo inocente que faço esta reflexão numa perspetiva feminina, assim como não é de todo inocente a responsabilização pela preservação das conquistas do 25 de Abril e a expansão, em todos os domínios das nossas vidas, onde a democracia, e os demais valores que ela abriga, ainda não chegou.

Estas são algumas das Mulheres de Abril, com percursos e história de vida e luta peculiares. Mas a luta não se findou em 25 de Abril de 1974. De lá para cá muitas transformações aconteceram na nossa sociedade, carregadas nos ombros e conseguidas a pulso por estas mulheres e tantos outros homens, mas de cá para o futuro necessita de todos nós para não retroceder na história, rumo à negritude do fascismo.

 

Fascismo nunca mais!

25 de Abril, SEMPRE!

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Filipe M Santos/Cristina Ferreira, 22/04/2022


sexta-feira, 8 de abril de 2022

Cristina Ferreira - Crónicas V (08ABR2022)

 



INFLAÇÃO E AS MEDIDAS DE EMERGÊNCIA PROPOSTAS PELO BE

 


O Bloco de Esquerda propõe medidas de emergência para combater a inflação como o controlo de preços na grande distribuição alimentar e nos combustíveis, congelamento das rendas, aumento do salário mínimo para 800€ e atualização dos salários à taxa de inflação são algumas das propostas apresentadas na passada quarta-feira por Catarina Martins.

A coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, apresentou em conferência de imprensa na sede do partido um conjunto de medidas de emergência para dar resposta ao aumento do custo de vida.

“Estamos a viver um ciclo de aumento abrupto de preços que se iniciou com a retoma da economia no pós-confinamento. As pessoas sentiram-no em Portugal sobretudo a partir do segundo trimestre de 2021 com a abrupta subida do preço dos combustíveis”.

De facto, em dezembro de 2021 a taxa de inflação foi 2,7%, subiu para 3,3% em janeiro de 2022, 4,4% em fevereiro e, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), em março de 2022 deverá ter batido os 5,5%, com os combustíveis a aumentarem quase 20% e os alimentos quase 5%.

“Este movimento inflacionista não é inevitável e é, em boa parte, resultante de movimentos especulativos. A promessa de que a liberalização do preço dos combustíveis os tornaria mais baratos, provou-se uma mentira” disse Catarina Martins, acrescentando que “as petrolíferas aumentam os preços dos combustíveis ao ritmo do aumento diário da transação do barril de petróleo, ainda que estejam a vender combustíveis adquiridos há meses e com preços protegidos por contratos longos”.

“Se era preciso uma prova empírica deste movimento especulativo, vejamos que, como todas as pessoas sabem, quando há baixas abruptas dos preços do barril petróleo estes não se refletem no preço dos combustíveis.”

Medidas para controlar os preços dos alimentos pois “Na grande distribuição, o aumento de preços sugere também um movimento especulativo” afirmou Catarina Martins, recordando que o grupo Jerónimo Martins, que detém o Pingo Doce e o Recheio, anunciou um aumento de lucros de 48% em 2021. Por seu turno, a SONAE, proprietária do Continente e do Meu Super, verificou um aumento de 45,6%. Entre os dois, obtiveram mais de mil milhões de euros de lucro em 2021.

Os grupos Auchan, Mercadona e Lidl apresentaram também lucros consideráveis durante a pandemia. Não obstante, estes lucros não se refletem nos preços dos produtos nem nos salários dos trabalhadores. Além disso, recordou, “multiplicam-se as queixas e as condenações por práticas de cartelização de preços na grande distribuição”.

“É fundamental agir para controlar os preços especulativos”, lembrando que “durante a pandemia foi aprovada legislação para possibilitar controlo de preços face à situação de emergência vivida. Também agora, num momento em que a guerra na Europa cria enorme instabilidade, é necessário o controlo de preços, com limitação das margens da grande distribuição alimentar e de combustíveis”.

O Aumentos dos salários é primordial pois o Bloco de Esquerda considera que o controlo de preços não é suficiente para proteger quem vive do seu salário e sente já tanta dificuldade para chegar ao fim do mês. “A cesta básica já aumentou três vezes mais do que os salários. É necessária uma atualização geral dos salários à taxa da inflação”.

O Bloco de Esquerda propõe que, sem prejuízo dos aumentos ou progressões na carreira estabelecidos nos contratos de trabalho, individuais ou coletivos, deve ser estabelecido por lei que todos os salários devem ter um aumento mínimo no valor da inflação. Este aumento deve acontecer, de forma extraordinária, já no final do primeiro semestre de 2022.

O Bloco defende que “o salário mínimo nacional deve ser atualizado imediatamente para os 800€ e as pensões devem também ter uma atualização intercalar que responda à inflação” referiu Catarina Martins.

“Uma economia em que os lucros sobem, mas os salários encolhem, com o salário médio colado ao salário mínimo, e um ciclo de aumento de preços que empobrece a generalidade da população, é o maior perigo que temos que evitar”, afirmou a coordenadora bloquista, acrescentando que “a combinação das medidas de controlo de preços e atualização salarial é a forma de proteger o país e quem vive do seu trabalho”.

O Bloco defende também o congelamento das rendas da habitação bem como que o controlo de preços seja acompanhado de medidas fiscais, como a descida do IVA da eletricidade para a taxa mínima, o fim do adicional do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) e a tributação dos lucros extraordinários do setor energético.

Catarina Martins considera que “o governo erra no programa de estabilidade que apresentou e que não prevê qualquer atualização de salários e pensões” e que “ignora o ciclo de aumento de preços que vivemos”.

A coordenadora bloquista terminou a intervenção afirmando que o Bloco de Esquerda irá bater-se, inclusive no debate sobre o Orçamento de Estado, por estas medidas de emergência de resposta ao aumento do custo de vida.

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 08/04/2022


sexta-feira, 1 de abril de 2022

Cristina Ferreira - Crónicas V (01ABR2022)

 


UM NOVO GOVERNO É EMPOSSADO, MAS O PROGRAMA É O MESMO…

 


O XXIII Governo Constitucional tomou posse esta quarta-feira e o primeiro-ministro anunciou que o Programa de Governo a apresentar na próxima semana ao Parlamento será igual ao programa eleitoral das legislativas do final de janeiro.

Para o líder parlamentar do Bloco de Esquerda quando o primeiro-ministro “diz que vai apresentar o mesmo programa de Governo com que foi a eleições, parece que não houve uma guerra pelo meio, parece que não há uma inflação galopante no imediato”. Para Pedro Filipe Soares, no discurso de António Costa “faltou uma questão fundamental neste momento que é, face ao aumento dos preços galopante, não há nenhuma resposta para os mais fragilizados economicamente da nossa sociedade. É uma falha que é grande”, apontou.

O Bloco de Esquerda entende que o Governo deve desde já responder “aos novos desafios que a guerra traz” como o aumento dos preços, “o que isso significa nas pensões e nos salários já baixos do nosso país”.

Se o Programa de Governo não trará novidades quanto a estas respostas, a sua necessidade foi reconhecida no discurso de António Costa, mas ainda sem concretização. A intenção anunciada pelo primeiro-ministro é que as medidas sejam feitas “assegurando que não há ruturas no abastecimento, controlando o custo da energia e de matérias-primas essenciais, apoiando as empresas mais atingidas e as famílias mais vulneráveis”. Prometendo um Governo de “modernização com solidariedade social”, António Costa defendeu que “ao longo dos próximos anos o país dispõe de condições únicas para romper definitivamente com um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários”.

Para o líder parlamentar bloquista, a referência presidencial “não faz sentido”, ao transformar o dia de tomada de posse do Governo no “dia de sequestro de um primeiro-ministro num Governo”.

“O primeiro-ministro não pode ter desculpas para não cumprir o seu mandato e não pode ter desculpas para não o cumprir de forma a responder aos problemas essenciais do país”, prosseguiu Pedro Filipe Soares, recordando que Costa teve a maioria absoluta que pediu e por isso deve ter “a capacidade de responder ao que não respondeu até agora”. Da parte do Bloco de Esquerda, pode esperar “uma oposição construtiva, forte e que não lhe dará essa desculpa para não cumprir perante o país”.

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 01/04/2022