REFLETIR ABRIL NO
FEMININO – 48 ANOS DO 25 DE ABRIL
A proximidade do 48º
aniversário do 25 de Abril, dá-nos o pretexto para refletir sobre a importância
da celebrada Revolução dos Cravos, sobre a vitória da democracia contra o
regime ditatorial encabeçado por António Salazar, sobre as conquistas da
liberdade e sobre a, não menos importante, responsabilidade que temos em
preservá-la e expandir.
Baseámos esta reflexão nos
relatos feitos na primeira pessoa, de mulheres como Aurora Rodrigues, Margarida
Tengarrinha; Graça Marques Pinto - conhecida também pela alcunha de Magaça, recolhidos
e compilados sob a coordenação de Mariana Carneiro no âmbito do projeto
Mulheres de Abril.
Magaça, estava na
clandestinidade quando se deu o 25 de Abril, condição que mantinha desde
fevereiro de 1973, para dar apoio ao órgão clandestino de direção da União de Estudantes
Comunista, organização estudantil criada pelo PC. Porém, o seu percurso
iniciou-se mais cedo, quando abraçou o ideário da transformação da sociedade, através
da empenhada participação no movimento estudantil, que em 1969, reivindicava
uma educação democrática e os direitos de reunião, associação e manifestação.
A primeira manifestação em que
participou foi contra a guerra do Vietname, estava na linha da frente e
empunhava com orgulho com uma vizinha e amiga um cartaz e na outra mão um
jornal enrolado embebido em cola porque a ideia era de não fugir quando a
polícia de choque investisse. Foi assim que iniciou as lides de desafiar o
poder e dar visibilidade às lutas.
Foi detida pela primeira vez
em maio de 69, acusada de distribuir folhetos que apelavam à manifestação
popular para reivindicar o feriado do primeiro de maio vindo a ser julgada em
julho de 1970 e condenada a dois meses de prisão com pena suspensa por três
anos. Em março do ano seguinte foi presa em Caxias.
Durante um mês, debaixo de
ameaças, tortura psicológica e física, privação do sono, agressões e injúrias que
duravam dias e noites a fio, foi interrogada, sem sucesso, sobre colegas da
faculdade. Nos intervalos entretinha-se a observar, da janela da cela, os
movimentos dos habitantes de um bairro miserável sobranceiro ao forte. Nove
meses depois, incapaz de provar a sua ligação à União dos Estudantes Comunistas,
o tribunal absolveu-a dos factos que lhe foram imputados.
Esta experiência tornou Graça
Marques Pinto, ainda mais consciente da necessidade de pôr fim à ditadura e
disposta a lutar pela paz e pelo socialismo.
Ainda sem data para acontecer,
o parto da Revolução dos Cravos que gerou a liberdade, iniciou as contrações
num período ainda mais recuado do antigo regime. Disso, dá-nos conta, Margarida
Tengarrinha, portimonense e também ela Mulher de Abril.
Na sua memória tem presente a
manifestação que assistiu da janela da sua casa que dava para o antigo Largo do
Coreto, apinhado de gente pisoteada pelos cavalos da Guarda Republicana e chicoteada
pelos guardas. Tinha 5 anos e esta é a sua primeira memória do que era
repressão, corria o ano de 1934. Anos mais tarde soube que naquele dia, 18 de janeiro,
se deu uma revolta contra a fascização dos sindicatos, ou seja, o fim dos
sindicatos livres que em Portimão punha em causa o sindicato dos conserveiros,
dos metalúrgicos e associações de operários agrícolas.
No dia do armistício, em 8 de
maio de 1945, com 17 anos, participou na primeira manifestação política e tinha
muito clara a noção do que foi a guerra, do que foi o nazifascismo, da aliança
do Salazar com o Mussolini, cujo retrato autografado mantinha na sua secretária,
e com o Hitler, e da falta de neutralidade do ditador. Esta era uma
manifestação da alegria pela vitória dos aliados contra o nazifascimo e em
simultâneo pela vitória contra o próprio fascismo português que era seu aliado.
Em 1952 foi expulsa, junto com
outros 82 alunos, de Belas Artes e de todas as escolas do país, por encherem a
escola de pichagens e cartazes contra a NATO e pela paz. Avisada por José Dias
Coelho que a PIDE ia à escola para a expulsar, foi instruída para não aceitar a
expulsão sem um documento que justificasse a decisão, ganhando assim tempo para
explicar às alunas que era pela sua luta pela Paz que estava a ser expulsa e
todo um discurso de propaganda que os pides não puderam evitar porque ficaram à
porta da aula por falta do tal documento.
Margarida Tengarrinha diz-nos
que a consciência política é dinâmica, transforma-se ao longo da vida. Para um
jovem ela tem muito de romantismo revolucionário e aos poucos, à medida que
observamos a realidade, vai-se transformando num espírito revolucionário
consequente e com objetivos mais claros.
De 1955 a 1964 esteve na
clandestinidade dando apoio aos movimentos revolucionários em curso. De 1964 a
1968 reforçou a Rádio Portugal Livre e regressou novamente à clandestinidade,
ocupando-se com trabalhos partidários no PCP até 1974. De 1974 em diante
manteve-se ligada ao partido em diversas funções, desde o Comité Central à
Assembleia da República como deputada. Toda uma vida de luta, antes e após o 25
de Abril, dedicada à transformação da nossa sociedade.
Quando foi presa, Aurora
Rodrigues, tinha uma música na cabeça: “Ronda do Soldadinho” de José Mário
Branco. No meio da tortura cantava para si a estrofe “Um e Dois e Três, era uma
vez um soldadinho. Um lindo menino que nasceu no roseiral. Os meninos bons não
nascem para fazer mal. Os senhores da guerra não matam, mandam matar. Os
senhores da guerra não morrem, mandam morrer. E, apesar da presença dos PIDES
que espumavam de raiva, ela apenas cantava, mesmo que a amordaçassem cantaria e
continuaria a pensar.
Diz-nos Aurora Rodrigues: “Há
esta importância das coisas pequeninas, sem importância, que percebi bem pela
primeira vez. Hoje, quando conto até sinto, às vezes uma espécie de pudor. Está
aqui uma coisa que fiz, que me aconteceu, que fui forçada a viver, mas nunca
mais ninguém me tira a noção de que nós somos capazes.
Tenho consciência de que nós
somos capazes, e somos efectivamente. Podemos resistir. E é, no fundo, este
sentimento que foi amplificado e se materializou nas pequenas coisas.
Era essa convicção que eu
tinha e me deu força. Mas não resisti em nome de nenhum partido. Era mais do
que isso. Era uma força de querer mudar e também não querer que ninguém fosse
preso por minha causa. Eu sabia que se dissesse o nome de alguém, essa pessoa
era presa e começando, não acabava e tinha de aguentar.
Nervosos estavam eles e a
prova foi terem-me dito: “O que mais nos exaspera é a tua calma”.”
Diz-nos ainda: “Há quem teime
em ver ou em querer que os outros vejam os torcionários como uns coitadinhos,
que tinham aquele emprego. O que eu vi é que os torcionários faziam, por
iniciativa própria e não apenas para cumprimento do plano de tortura, um
esforço premeditado para aumentar o mal-estar dos presos e faziam-no com gosto.”
Para Aurora Rodrigues, nascida
mertolense na mina de São Domingos e criada Castrense, foi presa em 1973 e
torturada pela PIDE em Caixas por ser militante do MRPP, enquanto era espancada
não fazia nada. Com as mãos nos bolsos, balouçava com as pancadas, sem cair e
dizia para si mesma: “Isto vai acabar. Isto vai acabar”. E houve uma altura em
que acabou.
Não é de todo inocente que
faço esta reflexão numa perspetiva feminina, assim como não é de todo inocente a
responsabilização pela preservação das conquistas do 25 de Abril e a expansão,
em todos os domínios das nossas vidas, onde a democracia, e os demais valores
que ela abriga, ainda não chegou.
Estas são algumas das Mulheres
de Abril, com percursos e história de vida e luta peculiares. Mas a luta não se
findou em 25 de Abril de 1974. De lá para cá muitas transformações aconteceram
na nossa sociedade, carregadas nos ombros e conseguidas a pulso por estas
mulheres e tantos outros homens, mas de cá para o futuro necessita de todos nós
para não retroceder na história, rumo à negritude do fascismo.
Fascismo nunca mais!
25 de Abril, SEMPRE!
Caixa Alta, Rádio Castrense
Filipe M Santos/Cristina
Ferreira, 22/04/2022