Posição
de um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda sobre as
orientações do Ministério da Educação sobre a organização do ano letivo
2020/2021:
"Aulas presenciais sim, com condições de segurança"
Em
tempo de confinamento, a classe docente esteve na primeira linha de resposta às
famílias, reinventando a escola, procurando soluções, desdobrando--se em
atividades pedagógicas, para que alunos e alunas deste país não deixassem de
ter acesso às suas aprendizagens.
Cedo
se percebeu que o contexto social e cultural dos/as alunos/as, realçou
condições de grave desigualdade de acesso aos indispensáveis recursos digitais
e de apoio por parte de muitos agregados familiares, que só o ensino presencial
poderá esbater.
As
recentes orientações divulgadas pelo Ministério da Educação (ME) basearam-se
numa leitura mais recente e conveniente de algumas normas da DGS e ignoraram
toda a experiência adquirida pelos/as professores/as, não só no terceiro
período, mas ao longo de anos de trabalho nas escolas, tendo sido elaboradas
sem ouvir quem no terreno, todos os dias, se apercebe das dificuldades
existentes e encontra soluções para as mesmas.
Os
documentos “Orientações" e "Orientações para a Organização do Ano
Letivo de 2020 /2021”, emanados da DGEST e divulgados a 3 de junho, em conjunto
com a entrevista que o Ministro da Educação deu a 4 de junho ao Expresso,
vieram lançar uma onda de perplexidade, inquietação e insegurança sobre a
comunidade escolar. Esta insegurança surge muito justificadamente por as
referidas "Orientações", caso se mantenham e sejam aplicadas, se
traduzirem em termos práticos, num irresponsável atropelo às regras de
distanciamento físico e social que a sociedade portuguesa se vem esforçando por
aplicar, a conselho da DGS.
É
nossa convicção que alunos, pais e professores defendem que o ensino tem de ser
presencial, o que implica que o ME crie as necessárias condições físicas e
organizacionais para que o mesmo possa ocorrer. Neste aspeto, a organização do
reinício das aulas em setembro próximo não está a correr bem.
A
irresponsabilidade do ME está ao determinar nas suas “Orientações para a
Organização do Ano Letivo de 2020 /2021”, o seguinte: “Dentro da sala de aula o
distanciamento físico será, no mínimo, de um metro, se isso for possível”.
Assim formuladas as "Orientações", este distanciamento de um metro
não tem caráter obrigatório e só ocorrerá "se for possível",
permitindo implicitamente que os alunos estejam encostados uns aos outros por
não haver salas de aulas onde caibam turmas com 28 e 30 alunos de outra
maneira. Deve acentuar-se que nas referidas "Orientações" também não
está prevista a redução do número de alunos por turma nem o seu desdobramento,
propósito reafirmado taxativamente na entrevista dada pelo Ministro da Educação.
Este
facto criará a inevitabilidade da partilha de mesas e uma proximidade
incompatível com as regras de segurança que são indispensáveis nos contactos
sociais.
Em
defesa da saúde dos alunos/as e restante comunidade escolar, cabe-nos a nós,
professores/as, impedir que a aplicação das «Orientações» atentatórias da saúde
pública seja consumada em setembro próximo.
Será
oportuno lembrar que relativamente ao distanciamento físico em sala de aula, as
«Orientações» trazidas a público contradizem o que o governo, apenas há um mês
e meio atrás, 18 de maio de 2020, preconizava no ponto 5 das suas
"Orientações - Regresso às aulas em Regime Presencial" emitido pela
DEGEST:
"Privilegiar a utilização de salas amplas e arejadas, sentando um aluno
por secretária (...)" ideia reforçada no ponto 6 do mesmo documento, nos
seguintes termos: "Quando o número de alunos da turma tornar inviável o
cumprimento das regras de distanciamento físico nos espaços disponíveis, as
escolas podem desdobrar as turmas, (...) Caso esta ou outra via não sejam
viáveis, pode ser reduzida até 50% a carga letiva das disciplinas lecionadas em
regime presencial, organizando-se momentos de trabalho autónomo nos restantes
tempos;" O que muitos professores e encarregados de educação questionam é
como é possível que as regras que foram válidas em maio e junho já não sejam
necessárias em setembro, num contexto em que se mantêm elevados os números
diários respeitantes a novas infeções. Com as prioridades invertidas, o
investimento que se torna escasso para a educação e para garantir as
indispensáveis condições de segurança sanitária no regresso ao ensino
presencial, não deixa de ser em abundância de largos milhões para a TAP, Novo
Banco e EFACEC.
A
contratação de 2500 professores anunciada pelo Ministro de Educação é
claramente insuficiente para suprir as necessidades de contratação necessárias
para permitir uma real recuperação e consolidação de aprendizagens e
conteúdos/competências que ficaram por fazer durante o Ensino à Distância
(E@D).
Em
setembro, se se mantiver este gravíssimo atropelo às regras de distanciamento
físico, corre-se o risco de transformar as escolas em geradoras de surtos
locais de covid-19. Um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda
faz eco da indignação de muitos dos seus colegas e encarregados de educação,
não aceitando tamanha irresponsabilidade nem sendo complacente com
comportamentos negligentes que concorram de alguma forma para a expansão da
epidemia. Nestas circunstâncias, como docentes que defendem uma escola pública
segura e universal, preconizamos a aplicação de regras que garantam condições
de segurança sanitária, condições de trabalho e condições de aprendizagem,
nomeadamente através das seguintes medidas:
- Diminuição do número de alunos por turma, de forma a garantir o distanciamento físico dentro de sala de aula, de acordo com as orientações das entidades de saúde (distanciamento de 1,5 metros a 2 metros entre alunos/as e alunos/professor/a);
- Contratação de docentes e assistentes operacionais em número suficiente para acorrer às necessidades de cada Agrupamento de Escolas/Escola não agrupada;
- Contratação de Técnicos Especializados, como Assistentes Sociais, Educadores/as Sociais e Psicólogos/as, para constituição de Equipas Técnicas Multidisciplinares de forma a proceder-se a uma identificação e sinalização de dificuldades e vulnerabilidades sociais aumentadas durante o período de confinamento e pandemia;
- Disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual em número suficiente para todo o pessoal docente, não docente e alunos;
- Realização de testes de despiste de infeção por COVID-19 a toda a comunidade escolar para reforço das condições de segurança;
- Autonomia para os Agrupamentos de Escolas/Escolas não agrupadas para aumentar o número de turmas por ano de escolaridade, ou em alternativa o desdobramento de turmas, de forma a cumprir as orientações de segurança sanitárias emanadas pelas entidades de saúde;
- Apoios sociais para as famílias em situação de impossibilidade de Escola a Tempo Inteiro, garantindo apoios para que os alunos possam frequentar espaços alternativos, nomeadamente ATL´s, Centro de Estudo, IPSS, etc;
- O tempo/modo de recuperação e consolidação de aprendizagens gerido de acordo com as necessidades identificadas por cada Agrupamento de Escolas/Escola não agrupada;
- Recurso a mais espaços letivos para responder às necessidades ocasionadas pela criação de novas turmas ou pelo desdobramento das existentes, explorando as opções já lançadas nas “Orientações”;
- A montante, devemos exigir que as boas práticas de distanciamento físico sejam garantidas nos transportes públicos que são utilizados pelos membros da comunidade escolar.
Atendendo
à gravidade da situação sanitária, defendemos através das medidas acima
descritas, a manutenção para todas as aulas presenciais, das condições de sala
de aula que foram praticadas em maio e junho, aquando do regresso às aulas do
11º e 12º anos de escolaridade.
Compete
ao Estado o dever de criar condições para ultrapassar as adversidades e tomar
medidas de segurança que protejam todos os intervenientes do sistema de ensino
público. As medidas a tomar devem ter em conta aspetos pedagógicos e de
segurança sanitária e não estar reféns de constrangimentos económicos.
A
insensibilidade e irresponsabilidade demonstradas pelo ME, através das
Orientações divulgadas em junho, levam-nos a temer que as escolas venham a ser
espaços geradores de surtos de propagação da pandemia. As opções economicistas
sobrepõem-se ao direito à segurança e à saúde.
Os
professores não estão disponíveis para aceitar tamanha irresponsabilidade e
instam a sociedade a exigir que o ME assuma as suas responsabilidades de defesa
da Escola Pública como local seguro de aprendizagem e socialização dos jovens.
As
“Aulas presenciais sim, mas com condições de segurança”, resulta da preocupação
de um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda, preocupados com um
ano letivo que representa um enorme desafio para todos.
julho
de 2020, um grupo de professores e professoras do Bloco de Esquerda
Cristina
Ferreira, 31/07/2020