JÁ SE
SENTIU ESPIADO PELO SEU TELEMÓVEL?
No
artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 27 de julho de 2021 Mariana Mortágua
coloca a pergunta: Já se sentiu espiado pelo seu telemóvel?
Parece
contraditório que sociedades que tanto prezam o segredo bancário e
profissional, facilmente concebam a transformação de informações pessoais e
políticas em produtos comerciais. A contradição é apenas aparente, já que tudo
é, afinal, um negócio ao serviço dos grandes poderes.
Pegasus.
Assim se chama o software de espionagem mais invasivo do Mundo, utilizado por
serviços secretos de vários países para vigiar jornalistas, organizações não
governamentais, académicos, líderes religiosos e membros de governos. Ao todo,
segundo a investigação divulgada pelo jornal "The Guardian", em que
participou também a Amnistia Internacional, são mais de 50 000 entidades
vigiadas, muitas de forma ilegal.
O
método é assustadoramente simples. O Pegasus entra nos telemóveis como um
vírus, passando a ter acesso a todos os movimentos do seu utilizador, a todas
as horas. E não é pouco o que um telemóvel pode contar, se pensarmos no poder
deste software para gravar chamadas telefónicas ou conversas tidas ao alcance
do microfone do aparelho, para usar a câmara e aceder às fotografias, mas
também e-mails, mensagens ou pesquisas de Internet.
Na
origem do dispositivo está a israelita NSO, uma das muitas start-ups que, sob a
capa de "combate ao terrorismo", desenvolvem os mais sofisticados
dispositivos securitários. Não é por acaso que Israel, um dos estados mais
militarizados do Mundo, que promove uma violenta perseguição ao povo
palestiniano, acolheu muitas destas empresas. Não são novas as denúncias de
obtenção ilegal de informações pessoais junto de palestinianos, que depois eram
utilizadas em todo o tipo de chantagens e ameaças destinadas a desestabilizar
os territórios ocupados.
Sobre
a desculpa esfarrapada desta empresa milionária, que diz servir o combate ao
terrorismo, a Amnistia Internacional responde que a "NSO Group não pode
continuar a garantir que os seus produtos só são utilizados contra delinquentes
quando mais de 3500 ativistas, jornalistas, opositores políticos, políticos
estrangeiros e diplomatas têm sido selecionados... não há dúvida de que o seu
software espião é utilizado para exercer repressão à escala mundial: as provas
são irrefutáveis".
Mas a
Amnistia vai mais longe, ao denunciar a existência de um mercado de
ciberespionagem fora de controlo, que opera à margem da legalidade, em violação
grotesca de direitos fundamentais, ao serviço de estados, serviços secretos e,
quem sabe, até de empresas privadas.
Em
Portugal, a utilização destes mecanismos é proibida. O que não impede que
existam portugueses espiados pela NSO. E isto sem falar, é claro, naquela
sensação estranha ao vermos no telemóvel um anúncio a um produto que já
tínhamos referido em conversa...
Parece
contraditório que sociedades que tanto prezam o segredo bancário e
profissional, facilmente concebam a transformação de informações pessoais e
políticas em produtos comerciais. A contradição é apenas aparente, já que tudo
é, afinal, um negócio ao serviço dos grandes poderes.
Artigo
publicado no “Jornal de Notícias” a 27 de julho de 2021
Mariana
Mortágua - Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
Cristina
Ferreira, 30/07/2021