A PROPOSTA DE ORÇAMENTO
CHUMBADA
Depois do inesperado choque motivado pela situação
pandémica que conduziu à viabilização do orçamento suplementar em 2020, é
preciso agora desenhar uma estratégia orçamental que enfrente as fragilidades
antes que estas se transformem em problemas estruturais, nomeadamente no que
diz respeito à degradação dos serviços públicos, ao desemprego e precariedade
laboral e à pobreza resultante do previsível aumento do desemprego e redução
das atividades.
O Orçamento de Estado para 2021 poderia ser uma sólida
resposta a estas questões pela combinação de estímulo orçamental com a
alteração de regras estruturais. A proposta de António Costa falha ambas e
chega mesmo a atribuir menores recursos ao que foi previsto no Orçamento
Suplementar de 2020 a sectores que, no atual cenário pandémico, mostraram os
efeitos de sucessivos anos de desinvestimento como é o caso do SNS.
Nas atuais circunstâncias de crise pandémica, económica
e social a resposta do OE é, sob todas as perspectivas, insuficiente.
Dados da Ameco mostram Portugal na cauda da Europa no
que respeita a Investimento Público em 2020 e manteve, no combate à pandemia, o
mesmo nível de investimento em todas as áreas de intervenção pública.
A capacidade infraestrutural dos serviços públicos,
debilitados pelo fraco investimento público, são o espelho da recorrente
dificuldade de execução dos investimentos. Em 2020 a execução estimada ficou abaixo
do orçamentado, apesar do Orçamento Suplementar ter aumentado o investimento.
Esta disparidade entre orçamentação e execução é
transversal a todas as áreas de intervenção, mas não foi gasto 1 único cêntimo
dos 4,5 mil milhões de euros do reforço aprovado.
Se os recursos na Saúde foram insuficientes em 2020,
seria de esperar que esta área fosse reforçada capacitando-a para melhorar e responder
à COVID-19 e recuperar os atrasos acumulados na resposta geral à população, mas
na verdade ficará abaixo do reforço de anos anteriores.
Existem várias formas de expor a suborçamentação deste
setor mas talvez o mais evidente, apesar de indireto, é a despesa com o pessoal
que em 2020 fica aquém das necessidades
de contratação, em 2021 estão orçamentados 301 M€, valor esse que já inclui os 60
M€ previstos para o subsídio de risco. Já agora, como encaixam nestas contas as
novas contratações que governo se comprometeu publicamente a duplicar face às
de 2020?
A Saúde, o Emprego, a Proteção Social, o Novo Banco,
norteia a posição do Bloco de Esquerda quanto à concordância com o Orçamento de
Estado e, assim, incluem 35 propostas negociais de alteração ao OE-2021.
Das propostas apresentadas, apenas uma foi
integralmente acolhida pelo governo, e outras 3 apenas parcialmente. As 31 restantes
foram recusadas.
Nas propostas para a área da Saúde, das 14 propostas
levadas à mesa de negociação, 3 foram parcialmente aceites, restando 3 em que o
Bloco insiste, e são elas a Autonomia das Instituições, a criação da carreira
de Técnico Auxiliar de Saúde e o Regime de dedicação plena para médicos.
Na área do Emprego, o Bloco fez 13 propostas, que na
mesa negocial teve o acolhimento de apenas 1 – a Inclusão do falso trabalho
temporário no âmbito da lei contra a precariedade e limitação a três renovações.
As 12 propostas que sobram, foram divididas: metade foram remetidas para outras
calendas, a outra metade, o Bloco entende que deve manter na mesa.
Sobre a Proteção Social, o Bloco apresentou 3
propostas que incidem nos pontos relativos ao Subsídio de Desemprego sobre a
ponderação da idade e os tempos de desconto devem retornar às regras anteriores
a 2012, e ao acesso a Nova Prestação Social.
Foram também apresentadas duas propostas relativas ao
Novo Banco. Sem surpresa nenhuma, o Governo recusa mexer nas “joias da família”,
mas o Bloco de Esquerda insiste que se deverão suspender os compromissos de
pagamento até que a auditoria à gestão do Novo Banco esteja concluída.
O acolhimento das propostas de orçamento à mesa de
negociações não é o garante de que um orçamento aprovado seja cumprido. São
exemplos disso o Estatuto dos Cuidadores Informais, o Apoio Social Extraordinário
para trabalhadores sem proteção social, a Redução para metade do prazo de
garantia de acesso ao subsídio de Desemprego, o reforço do Complemento
Solidário para Idosos, a Reforma das pessoas com deficiência, o Trabalho por
turnos, o Plano Nacional de Saúde Mental, a Dedicação plena ao SNS, o Plano
plurianual de investimento para os meios complementares de diagnóstico e
terapêutica.
Estamos a viver a maior crise das nossas vidas e ela
vai agravar-se nos tempos mais próximos e por isso as negociações do OE revestem-se
de particulares dificuldades. Não basta manter a trajetória de orçamentos
anteriores, ele tem de ser capaz de defender o país e as pessoas dos efeitos
perversos da pandemia e do desemprego.
Na emergência da crise pandémica o Bloco de Esquerda
deu ao Governo o apoio de que este precisou para tomar medidas imediatas na
resposta ao primeiro impacto e no Orçamento Suplementar. Empenhou-se sem
reservas no processo negocial, muito embora o Governo tenha recusado soluções mais
robustas e não tenha cumprido parte dos compromissos em nome dos quais o BE
viabilizou o OE-2020.
As propostas do Bloco de Esquerda visam minorar a
orientação geral de um orçamento que responde a uma crise económica sem
precedentes com uma contenção na despesa sem paralelo. Para o BE somente uma
política que enfrenta a ameaça do desemprego e levanta a economia pode minimizar
os impactos negativos nas contas públicas.
Não é sobre disponibilidade orçamental que o Bloco de
Esquerda e o Governo divergem no OE-2021. Essencialmente as diferentes opções
estruturais e que resultarão indubitavelmente em nova desvalorização salarial,
precarização e degradação dos serviços públicos.
Por tudo isto o voto do Bloco de Esquerda do Orçamento
de Estado para 2021, na generalidade, é contra.
Filipe M Santos / Cristina Ferreira, 30/10/2020