sexta-feira, 3 de maio de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas II (03Mai2019)


Crónica 17.ª

(Caixa Alta S2 - 03MAI2019)




Cumprem-se 133 anos da greve geral nos Estados Unidos da América e da manifestação que levou às ruas de Chicago 500 mil trabalhadores. Estes foram os eventos que deram origem ao 1º de maio, Dia do Trabalhador.

A transformação das cadeias produtivas, por força da mecanização, ao invés de conduzir a uma maior libertação do Homem, levou-o no sentido inverso, em direção à completa desregulação das relações laborais.

Na sua obra, Karl Marx, refere-se a isto da seguinte forma:

“ A maquinaria, considerada sozinha, encurta as horas de trabalho mas, quando ao serviço do capital, prolonga-as; torna o trabalho mais leve, mas [ao serviço do] capital aumenta a intensidade do trabalho; (…) é uma vitória do homem sobre as forças da natureza mas, nas mãos do capital, torna[-o] escravo (…); (…) aumenta a riqueza dos produtores mas, nas mãos do capital, torna-os indigentes (…) ”

Todas estas razões, e mais algumas, culminaram no movimento das classes operárias em prol das mudanças que à época se exigiam. Fundamentalmente o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores.

Aos poucos esses direitos foram sendo conquistados. Nos EUA, na Europa, em Portugal, essas conquistas foram-se concretizando a compassos próprios e com maior ou menor expressão reivindicativa.

Em Portugal o 1º de maio passou a ser assinalado desde o primeiro ano da sua realização internacional em 1890. A organização de piqueniques, com discursos de circunstância, era o ponto alto deste dia. Com o fim da monarquia assistiu-se à transformação da celebração do 1º de maio para além do que até então era costumeiro. Ao longo da I República a par de um sindicalismo cada vez mais reivindicativo, consolidado e ampliado, também o 1º de maio se transformou e passou a ter características de ação de massas. Alguns direitos foram sendo conquistados, como a jornada de oito horas para trabalhadores do comércio e da indústria, em 1919, mas apenas em 1962 é que a celebração do 1º de maio foi, talvez, a mais relevante e carregada de simbolismo. Apesar das proibições e repressão do Estado Novo, os pescadores, os corticeiros, os telefonistas, os bancários, os trabalhadores da Carris e da CUF, saíram à rua em manifestações em Lisboa, Porto e Setúbal, perfazendo 125.000 trabalhadores. E foram precursores das revoltas dos mais de 200 mil assalariados agrícolas que, com a sua luta, impuseram ao capital a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias.

1974 é eventualmente o ano do mais extraordinário 1º de maio alguma vez realizado em Portugal. Sobre este, o jornal Comércio do Porto, dedica uma edição especial com a seguinte caixa alta em 1ª página: “Um vulcão de civismo – Que povo e que dia 1 de maio!”

Até há 133 anos atrás os trabalhadores somente trabalhavam e nada mais eram que uma unidade produtiva. Quando, de forma unida, se atreveram a exigir os seus direitos, tomaram nas suas mãos as rédeas do seu futuro em contextos muito para além do laboral.

Daí para cá muitas foram as lutas, e também muitas foram as conquistas. Desde os horários de trabalho mais humanizados, a melhores salários, melhor qualificação, segurança, previdência e tantas outras, que por si só, cada uma destas justificam as 130 celebrações do Dia do Trabalhador.

Mas o Dia do Trabalhador não é apenas dia para se fazer memória das lutas e conquistas dos trabalhadores do passado. Não o é também de celebração em jeito de romarias, piqueniques, ou dia de discursos à medida.

O Dia do Trabalhador é tudo isso, mas fundamentalmente, é um dia que devemos, enquanto trabalhadores, pensar qual é o futuro que pretendemos.

Em Portugal, tal como no resto da Europa, na última década, os trabalhadores viram os seus direitos reduzidos, nas mais variadas formas. O congelamento de carreiras, a caducidade da contratação coletiva, a revogação de normas como a do princípio do tratamento mais favorável, são alguns dos exemplos dos recuos nos direitos dos trabalhadores. Mas existem outras formas de redução de direitos que nem sempre são tão evidentes mas que, cedo ou tarde, ameaçam o equilíbrio laboral, social e económico.

Adaptando as palavras de Marx, anteriormente citadas, ao contexto contemporâneo, em que a indústria, comércio, serviços, economia estão a transformar-se por força da computorização, informatização e robotização dos processos, estamos a caminhar novamente na direção contrária àquela que se devia.

Vejamos as novas formas de trabalho, de que os motoristas Uber são exemplo, em que o trabalhador é, sem outra possibilidade de escolha, o seu próprio patrão.

Também as rotinas informáticas usadas em “julgamentos administrativos” nos tribunais, decisões essas, até agora exclusivas de humanos são outro tipo de ameaça.

O próprio trabalho on-line esbate a linha seja de espaço, seja de tempo, entre vida no trabalho e fora do trabalho.

Mesmo outras propostas de modificação, em reposta aos desafios vindouros, que à partida parecem não ter nada que ver com as questões das relações laborais, podem ser instrumentos que as desgastam.

O RBI, Rendimento Básico Incondicional – que tem sido proposta de campanha do Livre e do PAN - é disso exemplo.

A sua atribuição à população portuguesa teria um de dois caminhos: ou o seu valor ficaria entre os cerca de 80 euros propostos para Inglaterra e os 8 euros da proposta da Índia. Ou este valor seria calculado à luz do Salário Mínimo Nacional, que caso fosse de 500 euros representaria um custo de 60 mil milhões anuais, significando isto a morte do estado social, i.e., o serviço nacional de saúde, a escola pública, ou as pensões da segurança social, etc. – o que por sinal até conta com o entusiasmo de várias figuras do PSD; ou o aumento da carga fiscal, triplicando-a.

Uma ou outra forma de atribuir o Rendimento Básico Incondicional é, segundo Francisco Louçã, economista e fundador do Bloco de Esquerda, uma armadilha para os trabalhadores e não uma alternativa. 

Ricardo Antunes, sociólogo brasileiro, considera que estamos em “Uma nova era de escravidão digital”. Segundo ele, “Estamos em uma fase tão destrutiva do capitalismo financeiro que a exigência que sua lógica tenta nos impor, em escala planetária, é a do trabalho cada vez mais flexível, sem jornadas pré-determinadas, sem espaço laboral definido, sem remuneração fixa, sem direitos, nem mesmo o direito de organização sindical. É desse modo que o capitalismo informacional, digital e financeiro vem aprimorando a sua engenharia da dominação.”

Estamos às portas de uma nova era do trabalho: o chamado Trabalho 4.0 que terá muitos desafios para superar. Não é, por isso, descabido fazermos do 1 de maio o dia do Trabalhador 4.0.

(Crónica em co-autoria com o camarada Filipe Santos)


Rádio Castrense, Caixa Alta 

Cristina Ferreira, 3/5/2019


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