PELO
DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE
O
anteprojeto de lei do Bloco de Esquerda, entregue em fevereiro de 2016, na
Assembleia da República, excluía o recurso à morte assistida a menores e
doentes com perturbações mentais, era constituído por 25 artigos e definia as
condições em que a pessoa poderia recorrer à morte assistida. E foi este
documento que foi apresentado, na Casa da Cultura de Beja, em 2017, por Ana
Matos Pires, João Semedo e José Manuel Pureza.
Passados quatro anos são aprovados na generalidade na Assembleia da
República os cinco projetos de lei sobre descriminalização da eutanásia. Bloco
de Esquerda, PAN, PS, PEV e IL levaram a votos diplomas sobre este tema: o do
Bloco de Esquerda contou com 124 votos a favor.
A
apresentação do projeto de lei do Bloco de Esquerda esteve a cargo de José
Manuel Pureza. Pureza citou João Semedo e colocou a pergunta “escolhemos nós a
prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida que significa uma
violência insuportável para muitos ou, recusando qualquer imposição, decidimos
respeitar a escolha de cada um sobre o final da sua vida?”.
Mariana
Mortágua recordou que o tema não é novo e, por isso, nenhum deputado pode
“dizer, em consciência, que não teve tempo ou condições para tomar uma posição”,
pois não devemos obrigar uma pessoa com um prognóstico irreversível de doença
fatal, que se encontre numa situação de sofrimento profundo e irredutível e
quem, de forma lúcida e consciente, deseja evitar essa agonia degradante a
suportar o prolongamento do sofrimento, impedindo que decida sobre como deseja
viver a sua morte com dignidade.
Esta “não é uma questão de conceções
ideológicas de Estado ou de mercado; não é uma questão da nossa relação com a
religião nem de alteração da nossa conceção sobre a vida”. A decisão é “se a
sociedade deve impedir ou permitir que o sistema de saúde ajude a interromper
um sofrimento que não tem cura e que aquele que sofre considera intolerável”.
Assim, deve-se “respeitar a dignidade que cada um escolheu para si”, o que é
“uma questão de humanidade e compaixão”. Uma questão de respeito para todos
“tanto quem escolhe dignamente viver o seu sofrimento até ao fim, como quem,
para manter a sua dignidade, decide por um fim ao seu sofrimento”.
Por
sua vez, Moisés Ferreira questionou: “porquê obrigar ao sofrimento? Porquê
prender à dor e à violência de ver-se a definhar contra a sua vontade? Porquê
submeter o outro a algo que a pessoa já não considera ser a sua vida?” A
decisão é sempre da pessoa e não de outrem. “À sociedade cabe construir os
instrumentos para concretizar esta decisão,” disse.
Na
intervenção de encerramento, Pedro Filipe Soares definiu-o como “um dos debates
mais importantes da atual legislatura” e reconheceu a “elevação e serenidade do
debate no parlamento e no país”, a provar que “este tema já está bastante
discutido na nossa sociedade e não criou nenhum tipo de alarme social”.
O
líder parlamentar bloquista lembrou o debate aberto pelo Bloco de Esquerda,
pela mão de João Semedo. “Mais direitos não implicam um desvario qualquer”,
recordando a semelhança dos argumentos de algumas bancadas da direita com os
que usava na oposição à descriminalização do aborto, todos desmentidos pela
realidade que se seguiu a essa decisão. Respondendo ao argumento de que os
cuidados paliativos seriam a alternativa à morte assistida, Pedro Filipe Soares
afirmou que “a ciência tem limites, não consegue responder a toda a dor, a todo
o sofrimento, nem principalmente às questões da dignidade”.
No
entanto, a aprovação dos projetos lei não é o fim do processo legislativo.
Depois desta aprovação na generalidade, os projetos de lei seguem agora para o
debate na especialidade, onde os diferentes projetos aprovados serão ajustados
entre si até chegarem a um texto comum.
Esse
novo texto deverá depois ser novamente submetido a uma votação na especialidade
e só depois a uma votação final global. Caso seja aprovada, a lei segue para
Palácio de Belém. Lá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
poderá vetar, promulgar ou enviar para o Tribunal Constitucional.
Caso
Marcelo Rebelo de Sousa decida usar o veto político, a lei é reenviada para São
Bento, para que a Assembleia da República decida alterá-la (ou não). Se for
alterada, o Presidente da República pode voltar a vetá-la. No entanto,
se o texto for aprovado novamente pelo Parlamento sem que tenha sido feita
qualquer alteração, então o Presidente é obrigado a promulgar.
Se
o Tribunal Constitucional considerar que a lei é inconstitucional, o Parlamento
terá de alterar a lei, respondendo às observações e recomendações feitas
ao diploma.
Rádio
Castrense, Caixa Alta
Cristina
Ferreira, 21/02/2020
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