sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (21FEV2020)





PELO DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE


O anteprojeto de lei do Bloco de Esquerda, entregue em fevereiro de 2016, na Assembleia da República, excluía o recurso à morte assistida a menores e doentes com perturbações mentais, era constituído por 25 artigos e definia as condições em que a pessoa poderia recorrer à morte assistida. E foi este documento que foi apresentado, na Casa da Cultura de Beja, em 2017, por Ana Matos Pires, João Semedo e José Manuel Pureza.

Passados quatro anos são aprovados na generalidade na Assembleia da República os cinco projetos de lei sobre descriminalização da eutanásia. Bloco de Esquerda, PAN, PS, PEV e IL levaram a votos diplomas sobre este tema: o do Bloco de Esquerda contou com 124 votos a favor.

A apresentação do projeto de lei do Bloco de Esquerda esteve a cargo de José Manuel Pureza. Pureza citou João Semedo e colocou a pergunta “escolhemos nós a prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida que significa uma violência insuportável para muitos ou, recusando qualquer imposição, decidimos respeitar a escolha de cada um sobre o final da sua vida?”.

Mariana Mortágua recordou que o tema não é novo e, por isso, nenhum deputado pode “dizer, em consciência, que não teve tempo ou condições para tomar uma posição”, pois não devemos obrigar uma pessoa com um prognóstico irreversível de doença fatal, que se encontre numa situação de sofrimento profundo e irredutível e quem, de forma lúcida e consciente, deseja evitar essa agonia degradante a suportar o prolongamento do sofrimento, impedindo que decida sobre como deseja viver a sua morte com dignidade. 

Esta “não é uma questão de conceções ideológicas de Estado ou de mercado; não é uma questão da nossa relação com a religião nem de alteração da nossa conceção sobre a vida”. A decisão é “se a sociedade deve impedir ou permitir que o sistema de saúde ajude a interromper um sofrimento que não tem cura e que aquele que sofre considera intolerável”. 

Assim, deve-se “respeitar a dignidade que cada um escolheu para si”, o que é “uma questão de humanidade e compaixão”. Uma questão de respeito para todos “tanto quem escolhe dignamente viver o seu sofrimento até ao fim, como quem, para manter a sua dignidade, decide por um fim ao seu sofrimento”.

Por sua vez, Moisés Ferreira questionou: “porquê obrigar ao sofrimento? Porquê prender à dor e à violência de ver-se a definhar contra a sua vontade? Porquê submeter o outro a algo que a pessoa já não considera ser a sua vida?” A decisão é sempre da pessoa e não de outrem. “À sociedade cabe construir os instrumentos para concretizar esta decisão,” disse.

Na intervenção de encerramento, Pedro Filipe Soares definiu-o como “um dos debates mais importantes da atual legislatura” e reconheceu a “elevação e serenidade do debate no parlamento e no país”, a provar que “este tema já está bastante discutido na nossa sociedade e não criou nenhum tipo de alarme social”.

O líder parlamentar bloquista lembrou o debate aberto pelo Bloco de Esquerda, pela mão de João Semedo. “Mais direitos não implicam um desvario qualquer”, recordando a semelhança dos argumentos de algumas bancadas da direita com os que usava na oposição à descriminalização do aborto, todos desmentidos pela realidade que se seguiu a essa decisão. Respondendo ao argumento de que os cuidados paliativos seriam a alternativa à morte assistida, Pedro Filipe Soares afirmou que “a ciência tem limites, não consegue responder a toda a dor, a todo o sofrimento, nem principalmente às questões da dignidade”.

No entanto, a aprovação dos projetos lei não é o fim do processo legislativo. Depois desta aprovação na generalidade, os projetos de lei seguem agora para o debate na especialidade, onde os diferentes projetos aprovados serão ajustados entre si até chegarem a um texto comum.

Esse novo texto deverá depois ser novamente submetido a uma votação na especialidade e só depois a uma votação final global. Caso seja aprovada, a lei segue para Palácio de Belém. Lá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, poderá vetar, promulgar ou enviar para o Tribunal Constitucional.

Caso Marcelo Rebelo de Sousa decida usar o veto político, a lei é reenviada para São Bento, para que a Assembleia da República decida alterá-la (ou não). Se for alterada, o Presidente da República pode voltar a vetá-la. No entanto, se o texto for aprovado novamente pelo Parlamento sem que tenha sido feita qualquer alteração, então o Presidente é obrigado a promulgar.

Se o Tribunal Constitucional considerar que a lei é inconstitucional, o Parlamento terá de alterar a lei, respondendo às observações e recomendações feitas ao diploma.


Rádio Castrense, Caixa Alta
Cristina Ferreira, 21/02/2020




Sem comentários:

Enviar um comentário