MAFALDA, A CONTESTARÁRIA
Em determinada época da sua vida, o célebre, melancólico, gentil e minucioso génio argentino Joaquín Lavado, mais conhecido por Quino dá voz a Mafalda, a menina contestatária, que expressa um irremediável desejo de democracia e liberdade de espírito que a ditadura militar na Argentina teimava em calar. O humor, a corrosão e a fina ironia foram as suas armas para mostrar as falhas da sociedade, mas também, como deveria ser o futuro da mesma.
Após a
eleição democrática de um governo civil na Argentina talvez fosse altura de
parar pois achava que a tarefa contestatária da Mafalda tinha acabado.
Voltou
a pedido dos seus leitores e acompanhada por novos personagens.
O
autor, Quino, não desmobilizou dos seus propósitos democráticos e sociais pois
não tinha ilusões acerca da natureza humana, fosse qual fosse o alinhamento,
pelo que, com os seus desenhos continuou a lutar contra a estupidez e falta de
honestidade humana. Quino voltou a desenhar pelas razões mais justas que se
possam imaginar como, por exemplo, para a UNICEF, na defesa de Os Direitos das
Crianças.
Mafalda
não é só uma personagem da banda desenhada, na opinião de Umberto Eco: Mafalda
é, de facto, uma heroína que recusa o mundo tal como este é, bem como um país
cheio de contrastes sociais, que se questiona sobre o estado da humanidade e a
razão de esta funcionar tão mal.
Mafalda
relaciona-se de modo constante com o mundo adulto, mundo esse que não estima
nem respeita, pelo contrário, ridiculariza e rejeita-o, reivindicando sempre o
seu direito a permanecer uma menina que não quer assumir o universo adulto dos
pais.
Mafalda,
essa pequena personagem de papel e tinta, que detesta sopa, é uma questionadora
de costumes, representa uma juventude inquieta à procura de respostas num mundo
em transformação política e social.
Quino
morreu aos 88 anos, deixa para trás uma vasta obra que, juntamente com o seu
pessimismo, tem uma lição importantíssima – a de procurarmos ser, sempre,
melhores pois, afinal, o grande problema da família humana é que todos querem
ser o pai.
As batalhas continuam
atuais, talvez o género humano não tenha solução, mas os homens e mulheres são
obstinados no jogo da vida e nunca a ela afeitos. Cada qual erguendo alto o seu
balão de orgulho ou de esperança, encandeia o passo nos passos dos mais,
seguindo juntos ou sós, vestidos de gala e de assombro.
Cristina
Ferreira, 2/10/2020
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