sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas IV (30OUT2020)

 


A PROPOSTA DE ORÇAMENTO CHUMBADA

 

Depois do inesperado choque motivado pela situação pandémica que conduziu à viabilização do orçamento suplementar em 2020, é preciso agora desenhar uma estratégia orçamental que enfrente as fragilidades antes que estas se transformem em problemas estruturais, nomeadamente no que diz respeito à degradação dos serviços públicos, ao desemprego e precariedade laboral e à pobreza resultante do previsível aumento do desemprego e redução das atividades.

O Orçamento de Estado para 2021 poderia ser uma sólida resposta a estas questões pela combinação de estímulo orçamental com a alteração de regras estruturais. A proposta de António Costa falha ambas e chega mesmo a atribuir menores recursos ao que foi previsto no Orçamento Suplementar de 2020 a sectores que, no atual cenário pandémico, mostraram os efeitos de sucessivos anos de desinvestimento como é o caso do SNS.

Nas atuais circunstâncias de crise pandémica, económica e social a resposta do OE é, sob todas as perspectivas, insuficiente.

Dados da Ameco mostram Portugal na cauda da Europa no que respeita a Investimento Público em 2020 e manteve, no combate à pandemia, o mesmo nível de investimento em todas as áreas de intervenção pública.

A capacidade infraestrutural dos serviços públicos, debilitados pelo fraco investimento público, são o espelho da recorrente dificuldade de execução dos investimentos. Em 2020 a execução estimada ficou abaixo do orçamentado, apesar do Orçamento Suplementar ter aumentado o investimento.

Esta disparidade entre orçamentação e execução é transversal a todas as áreas de intervenção, mas não foi gasto 1 único cêntimo dos 4,5 mil milhões de euros do reforço aprovado.

Se os recursos na Saúde foram insuficientes em 2020, seria de esperar que esta área fosse reforçada capacitando-a para melhorar e responder à COVID-19 e recuperar os atrasos acumulados na resposta geral à população, mas na verdade ficará abaixo do reforço de anos anteriores.

Existem várias formas de expor a suborçamentação deste setor mas talvez o mais evidente, apesar de indireto, é a despesa com o pessoal que em 2020 fica  aquém das necessidades de contratação, em 2021 estão orçamentados 301 M€, valor esse que já inclui os 60 M€ previstos para o subsídio de risco. Já agora, como encaixam nestas contas as novas contratações que governo se comprometeu publicamente a duplicar face às de 2020?

A Saúde, o Emprego, a Proteção Social, o Novo Banco, norteia a posição do Bloco de Esquerda quanto à concordância com o Orçamento de Estado e, assim, incluem 35 propostas negociais de alteração ao OE-2021.

Das propostas apresentadas, apenas uma foi integralmente acolhida pelo governo, e outras 3 apenas parcialmente. As 31 restantes foram recusadas.

Nas propostas para a área da Saúde, das 14 propostas levadas à mesa de negociação, 3 foram parcialmente aceites, restando 3 em que o Bloco insiste, e são elas a Autonomia das Instituições, a criação da carreira de Técnico Auxiliar de Saúde e o Regime de dedicação plena para médicos.

Na área do Emprego, o Bloco fez 13 propostas, que na mesa negocial teve o acolhimento de apenas 1 – a Inclusão do falso trabalho temporário no âmbito da lei contra a precariedade e limitação a três renovações. As 12 propostas que sobram, foram divididas: metade foram remetidas para outras calendas, a outra metade, o Bloco entende que deve manter na mesa.

Sobre a Proteção Social, o Bloco apresentou 3 propostas que incidem nos pontos relativos ao Subsídio de Desemprego sobre a ponderação da idade e os tempos de desconto devem retornar às regras anteriores a 2012, e ao acesso a Nova Prestação Social.

Foram também apresentadas duas propostas relativas ao Novo Banco. Sem surpresa nenhuma, o Governo recusa mexer nas “joias da família”, mas o Bloco de Esquerda insiste que se deverão suspender os compromissos de pagamento até que a auditoria à gestão do Novo Banco esteja concluída.

O acolhimento das propostas de orçamento à mesa de negociações não é o garante de que um orçamento aprovado seja cumprido. São exemplos disso o Estatuto dos Cuidadores Informais, o Apoio Social Extraordinário para trabalhadores sem proteção social, a Redução para metade do prazo de garantia de acesso ao subsídio de Desemprego, o reforço do Complemento Solidário para Idosos, a Reforma das pessoas com deficiência, o Trabalho por turnos, o Plano Nacional de Saúde Mental, a Dedicação plena ao SNS, o Plano plurianual de investimento para os meios complementares de diagnóstico e terapêutica.

Estamos a viver a maior crise das nossas vidas e ela vai agravar-se nos tempos mais próximos e por isso as negociações do OE revestem-se de particulares dificuldades. Não basta manter a trajetória de orçamentos anteriores, ele tem de ser capaz de defender o país e as pessoas dos efeitos perversos da pandemia e do desemprego.

Na emergência da crise pandémica o Bloco de Esquerda deu ao Governo o apoio de que este precisou para tomar medidas imediatas na resposta ao primeiro impacto e no Orçamento Suplementar. Empenhou-se sem reservas no processo negocial, muito embora o Governo tenha recusado soluções mais robustas e não tenha cumprido parte dos compromissos em nome dos quais o BE viabilizou o OE-2020.

As propostas do Bloco de Esquerda visam minorar a orientação geral de um orçamento que responde a uma crise económica sem precedentes com uma contenção na despesa sem paralelo. Para o BE somente uma política que enfrenta a ameaça do desemprego e levanta a economia pode minimizar os impactos negativos nas contas públicas.

Não é sobre disponibilidade orçamental que o Bloco de Esquerda e o Governo divergem no OE-2021. Essencialmente as diferentes opções estruturais e que resultarão indubitavelmente em nova desvalorização salarial, precarização e degradação dos serviços públicos.

Por tudo isto o voto do Bloco de Esquerda do Orçamento de Estado para 2021, na generalidade, é contra.

 

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Filipe M Santos / Cristina Ferreira, 30/10/2020



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