GERAÇÕES
DE IDOSOS À RASCA
“O que
o país alheado da realidade descobriu com os milhares de mortes nos lares não
se muda com melhores lares. Muda-se com mudança de muitas coisas na sociedade
para que a cidadania e os direitos dos mais velhos sejam o princípio e não a exceção,
afirma José Manuel Pureza, Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da
República. Dirigente do Bloco de Esquerda e professor universitário, no artigo
publicado no diário “As Beiras”.
Em
fevereiro, o país descobriu o que já estava escancarado há muito tempo. Os
milhares de mortos nos lares puseram em evidência as condições extremamente
precárias de uma grande maioria deles, limitados a serviços mínimos de
depósitos de pessoas passivas e infantilizadas. O país confrontou-se com o que
já devia saber há muito: em vez de investirmos na autonomia segura dos mais
idosos, deixámos que se instalasse uma atitude geral de armazenamento dos
velhos, desaproveitando a sua sabedoria e a sua experiência de vida. E essa
atitude animou uma economia, a dos lares e centros de dia, certamente a mais
pujante em muitos territórios abandonados pelo investimento público e sobre a
qual se criaram polos de poder local personalizado e malhas de negociação
política privilegiada entre o local e o nacional.
O país
sabia disto tudo e deixou andar porque isso convinha às redes de poder assim
estabelecidas. Os mais idosos são, há muito tempo, uma geração à rasca. Tantas,
tantas vidas apoiadas em pensões abaixo do limiar de pobreza, com habitações
sem a mínima qualidade, a levar em cima todas as fragilidades do Serviço
Nacional de Saúde. Universo pobre, desconsiderado, desrespeitado.
À
geração à rasca dos jovens precários o país respondeu ofensivamente com o
convite à emigração. A sucessivas gerações à rasca dos idosos o país respondeu
irresponsavelmente com o armazenamento e a infantilização em lares. A
institucionalização para a passividade e para a dependência foi o rosto da
demissão da sociedade e do Estado para com os mais velhos.
Precisamos
de uma bazuca de vontade política para termos uma sociedade e um Estado onde os
mais velhos não sejam um peso, mas sim ativos de experiência e de saber. Para
ser assim, a um tratamento baseado no depósito e na infantilização tem que se
contrapor um tratamento baseado na cidadania e nos direitos. Isso
materializa-se em descentralização dos serviços públicos, em programas de apoio
domiciliário, em políticas de adaptação das habitações, na criação de condições
para a mobilidade nas cidades, em gabinetes de apoio em todas as freguesias
para combater a infoexclusão. E sempre, mas sempre, uma valorização das pensões
fazendo convergir as mais baixas com o salário mínimo, e um alargamento do
acesso ao Complemento Solidário para Idosos.
O que
o país alheado da realidade descobriu com os milhares de mortes nos lares não
se muda com melhores lares. Muda-se com mudança de muitas coisas na sociedade
para que a cidadania e os direitos dos mais velhos sejam o princípio e não a
exceção. Mudar a sociedade para os mais velhos e para os mais novos, não menos
que isso.”
Artigo
publicado no diário “As Beiras” a 4 de maio de 2021
Sobre o
autor: José Manuel Pureza - Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da
República. Dirigente do Bloco de Esquerda, professor universitário.
Cristina
Ferreira, 7/5/2021
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