E
CANCELAR A DÍVIDA EXTERNA DA UCRÂNIA? A Opinião De Mariana
Mortágua
Levanta-se
na Ucrânia, entre quem resiste à invasão, a exigência do cancelamento da dívida
externa do país, em particular a parcela pertencente ao FMI. Esta medida não
trará a paz, mas é essencial para oferecer a este povo já tão castigado um
horizonte de democracia e direitos sociais.
Há uma
razão para a comunidade imigrante ucraniana ser tão importante em Portugal. A
maioria destas pessoas chegou durante a década de 1990, enfrentou a
clandestinidade e a xenofobia e trabalhou muito abaixo das qualificações que
trazia. Chegaram em busca de melhores condições de vida, fugindo de uma
economia frágil, marcada pela corrupção endémica e pela formação de oligarquias
locais, tal como denunciado por organizações como a Transparência Internacional
ou Repórteres sem Fronteiras.
Para
além do êxodo massivo da sua população - a Ucrânia é o oitavo país do Mundo com
mais emigrantes - a crise, a pandemia e a guerra forçaram a Ucrânia a recorrer
a sucessivos empréstimos do FMI e da Comissão Europeia. Como sabemos por cá,
estas "ajudas" saem caras: a privatização da energia e da banca
pública, a introdução de limites nominais à despesa do Estado (mesmo durante a
pandemia) são exemplos do tratamento imposto ao povo ucraniano até às vésperas
da invasão russa.
A
resistência à agressão e a necessidade de reconstrução impõem agora uma pressão
insuportável sobre o Orçamento do país mais pobre da Europa (lugar disputado
com a Moldávia). Com uma economia capturada por oligarcas regionais - nas
indústrias extrativa e financeira -, não se vislumbra como a Ucrânia encontrará
os recursos para lançar projetos infraestruturais e desenvolver-se como
democracia. Os juros que a Ucrânia paga por uma dívida externa que ascende a
125 mil milhões de euros correspondem a 12% do orçamento anual do país e servem
de justificação para o adiamento da reconstrução dos serviços públicos
essenciais, bloqueada pelas regras de austeridade impostas pelo FMI e pela
Comissão Europeia.
Por
todas estas razões, levanta-se na Ucrânia, entre quem resiste à invasão, a
exigência do cancelamento da dívida externa do país, em particular a parcela
pertencente ao FMI. Esta medida não trará a paz, mas é essencial para oferecer
a este povo já tão castigado um horizonte de democracia e direitos sociais.
Artigo
publicado no “Jornal de Notícias” a 15 de março de 2022
Sobre o/a
autor(a): Mariana Mortágua – Deputada/Dirigente do Bloco de Esquerda/Economista.
Cristina
Ferreira, 18/03/2022
Sem comentários:
Enviar um comentário