domingo, 24 de abril de 2022

25 de Abril 1974–2022: Viva a LIBERDADE


Cartaz evocativo intemporal - António Couvinha


Era a “hora de ira para a cama, não podia ser tarde pois tinha que apanhar o comboio de manhã cedo.” Começa por nos contar Mariana Aiveca sobre a sua experiência do momento em que a revolução chegou. Prossegue assim: “Nessa noite de 24 de Abril de 1974, deitei-me como de costume, com o auscultador do rádio no ouvido e, como de costume percorria os vários programas até adormecer. “E depois do adeus” passou, cantarolei baixinho e achei normal. Rodando o botão do velho transístor ficou na renascença. Quando ouvi ler os primeiros versos de Grândola não achei normal e pensei baixinho… Ai, ai este homem vai preso! A seguir o Zeca cantou e comecei a perceber que a liberdade podia passar por aqui. Não era sonho, foi real!”.

Notem como 48 anos de repressão do antigo regime condicionaram as vidas de tantas mulheres e homens deste país, para quem um simples verso de uma canção, suscitava o receio pela vida da pessoa que a proferia e até mesmo o temor de pensar que tinha de ser “baixinho”.

Este era um país decrépito, analfabeto, doente, ignorante, faminto, em luto pelos seus filhos que foram morrer numa guerra lá fora, mas apesar de tudo até era um país sereno, respeitador e feliz na sua ignorância e à mercê de uma casta política de elite, respaldada numa polícia secreta que atuava com toda a força do estado sobre quem ousasse questionar a sua miséria.

Outrora uma utopia, a Revolução dos Cravos rompeu com tudo isto, e acima de tudo, trouxe-nos a possibilidade de escolher a sociedade que queremos, atuando individual e coletivamente nos caminhos da democracia.

Muitas vitórias foram alcançadas, nesta jovem democracia, que conta agora 48 primaveras e delas resultaram significativos avanços para nossa sociedade. Mas também recuos e hesitações que, por medo ou falta de imaginação, impedem a sua plena transformação.

Assistimos ao ressurgimento de coisas que julgávamos fechadas à chave do lado de lá da porta que fechámos há 48 anos atrás.

Recentemente chegados à casa da democracia, personificados na figura de alguns atores políticos, assistimos à reafirmação e massificação ideológica e política da extrema-direita, e à replicação e reforço destes nos diferentes órgãos de soberania quer ao nível nacional, quer ao nível local. É a partir de lá, que estes saudosistas do outro tempo, exercerão, ou melhor, exercem junto do povo, os SEUS valores de liberdade, os SEUS valores de democracia, os SEUS valores de igualdade de oportunidades.

Os dois últimos anos têm sido uma prova de fogo à nossa democracia. Passámos por uma pandemia que, por decreto, nos restringiu a Liberdade, e suspendeu direitos que julgávamos inalienáveis. Passámos por uma crise social, laboral e económica que abalaram milhares de famílias em todo o país. Passámos pela exaustão e quase colapso dos serviços de saúde, e pela quase estagnação dos demais serviços públicos que dávamos como garantidos.

Há que refinar, impulsionar, atrever-nos a alcançar mais longe, derrubar estigmas, abandonar preconceitos e a cada dia concretizar e consolidar o sonho de alcançar o inalcançável.

Neste caminho que não é fácil, muitas vezes há armadilhas que fazem perigar todo o esforço feito até aí e muitas mais vezes deparamo-nos com obstáculos no percurso: a corrupção, a xenofobia, o racismo, o sexismo, a homofobia, a escravidão e a precariedade laboral, a injustiça social, económica e judicial, são alguns deles, e têm raízes tão profundas e complexas que por mais desmoralizantes eles sejam, não são impossíveis de superar e combater.

Combater a corrupção, não é dizer-se a favor do reforço de leis anticorrupção, e depois reprová-las na Assembleia da República, ou pior, prestar serviço de defesa e de consultoria aos alegados corruptores - é agir em coerência pessoal e coletiva contra esse cancro da sociedade.

Criar condições sociais justas para todos os homens e mulheres deste país, é combater a injustiça social. Agir coerentemente, a nível pessoal e coletivo, não é jogar ao faz de conta que se resolvem as coisas, quando na verdade criam-se obstáculos e condições de acesso, trâmites, pontos e virgulas tais que excluem tantos homens e tantas mulheres que somente alguns, poucos, podem beneficiar. E o mesmo na justiça económica, e o mesmo na justiça judicial.

É estúpido combater a xenofobia com xenofobia, igualmente com o racismo e o sexismo e por aí em diante. Em outras palavras, o combate aos podres que persistem na nossa sociedade, não se faz com mais podres. Este combate não é feito de simpatias nem de palmadinhas nas costas, de coisas que soam bem aos ouvidos, nem de populismos, nem de oratória exuberante de dedo em riste. Faz-se com seriedade ideológica e ações coerentes pessoal e coletivamente.

O 25 de abril de 1974 foi o 1º dia de liberdade, mas também o primeiro de muitos mais de responsabilidade e vigília contra a usurpação ou a sua evocação em contextos contrários ao do seu significado.

Citando Fernando Rosas, no contexto de um comício de campanha em janeiro: “Neste ano de 2022, em que a democracia passa a ter mais anos de vida que o longo calvário da ditadura, permitam-me um apelo: um apelo a que se honre a memória dessa luta que abriu as portas de Abril e se enfrente a extrema-direita com uma certeza: NÃO PASSARÃO!

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25 de Abril, Sempre!

Fascismo, nunca mais!

 

Almodôvar, 24 de abril de 2022

Filipe M Santos

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