domingo, 25 de novembro de 2018

Cristina Ferreira - Crónicas II (23NOV2018)


Crónica 3.ª

(Caixa Alta S2 - 23NOV2018)

A tragédia de Borba obriga-nos a questionar a condição das estradas em Portugal e colocar um conjunto de questões que implicam a segurança rodoviária, o desenvolvimento das regiões, a exploração intensiva dos recursos, a aplicação dos dinheiros públicos e o papel do Estado na manutenção e fiscalização das mesmas.

Na tragédia ocorrida em Borba, o aluimento da estrada demonstra que, em Portugal, pouco importam as condições das estradas e áreas envolventes. Por diversas vezes, e ao longo de anos, foram feitos alertas mas fizeram-se orelhas moucas, e só agora, e porque a tragédia aconteceu, é que se aborda o assunto.

Uma vez mais demonstra-se também que o Estado, ao imiscuir-se da sua função fiscalizadora - no caso em apreço, deixando nas mãos das entidades exploradoras o autocontrolo dos limites legais que têm de respeitar, é um erro crasso e além do mais pode matar. De quem é agora a culpa? Lembremo-nos, já em Entre-os-Rios, quando a ponte ruiu, a culpa morreu solteira.

Viajar em Portugal é uma aventura: estradas em mau estado de conservação, troços de autoestradas concluídas mas que não estão abertas à circulação, obras iniciadas mas cuja conclusão não tem prazo, pagamento de SCUTS e todo um rol de situações, cada uma mais caricata que a outra.

A segurança rodoviária passa por ter estradas, digo estradas, não um conjunto de troços em alcatrão, esburacados, desnivelados, remendados e que há anos não vê qualquer tipo de manutenção, exceto na altura de eleições quando, por milagre, alguns deles são alvo de intervenção para ter uma cara bonita nos boletins municipais.

Circular em estradas degradadas não é, definitivamente, favorável ao desenvolvimento de uma região, não cativa à fixação de pessoas, não convida à implementação de empresas, não atrai turistas, não promove um concelho e o que nele existe. Assim, os concelhos do interior, esquecidos pelo poder central, do pouco que já tinham ficam com ainda com menos - a desculpa esfarrapada é a de que a relação número de habitantes e custo é muito elevada, pelo que não se faz: as regiões menos povoadas não podem continuar a ser penalizadas, não podem ser colocadas em segundo ou terceiro plano, não podem morrer lentamente.

Cabe aos órgãos autárquicos fazer chegar, no seu seio ou fora dele, a quem de direito, a urgência  de que as estradas do seu concelho estejam em condições de nelas se circular em segurança, pois "Infraestruturas de Portugal", como o próprio nome indica, é de Portugal, não de algumas regiões.

Cabe, também, aos deputados eleitos pelo círculo de Beja defender a região pela qual foram eleitos e que tanto "prezam".

Paralelamente à modernização da ferrovia - nomeadamente a eletrificação das linhas de comboio, à rentabilização do aeroporto de Beja - reconhecendo-o como alternativa ao Montijo, a rodovia deve ser também objeto de atenção, não só pela degradação e precariedade existente - que em muito prejudica quem cá teima ficar, mas porque para percorrer as significativas distâncias entre localidades deve apresentar boas condições, facilitando o transporte de pessoas e mercadorias e até mesmo aumentando a eficiência do transporte de doentes no distrito.

O concelho de Almodôvar não escapa a este problema: estradas esburacadas, desniveladas, remendadas, algumas só estão arranjadas pela metade, outras há muitos anos que não têm qualquer manutenção.

Uma dessas estradas é a que liga Almodôvar a Mértola, estrada que pelo menos desde 1995, repito 1995, nunca teve nenhuma intervenção da Infraestruturas de Portugal, nem da parte do município de Almodôvar ou da parte do município de Mértola. Os remendos que, por vezes, são colocados, rapidamente dão lugar a buracos, que o diga a população da Semblana que utiliza essa estrada como principal via de acesso à localidade. Que o diga eu que faço esse trajeto há 23 anos e sei o quanto isso custa ao nível da segurança e conforto, bem como da manutenção do carro. A degradação é cada vez maior e, mesmo com o aumento do tráfego de carros e camiões, esta é mais uma votada ao esquecimento.

Parece-me que está na altura de olhar para o país numa outra perspetiva, a de uma intervenção estruturada, pensada: tragédias como a queda da ponte de Entre-os-Rios, que ainda está bem presente na memória dos portugueses, tragédias como a de Borba, se uma foi grave, duas são gravíssimas: demasiadas mortes que poderiam ter sido evitadas. Muitas vidas deixariam de ser colocadas em risco se a estratégia fosse a de preservar em vez de remediar. Muitas ter-se-iam poupado se o Estado assumisse a sua função fiscalizadora, essa gordurinha que vários governos acharam estar a mais.

Bom Fim de Semana

Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 23/11/2018


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