sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas II (18JAN2019)


Crónica 7.ª

(Caixa Alta S2 - 18JAN2019)

Somos essencialmente cidadãos e acidentalmente trabalhadores é o tema da crónica desta semana, uma reflexão de  ANA FILIPA FONSECA, JURISTA E AUTARCA DO BLOCO DE ESQUERDA.

Assim, afirma esta jurista, o “mercado de trabalho” passou a entrar no nosso léxico com demasiada e estranha facilidade; ao falarmos de “mercado de trabalho”, reconhecemo-nos, em primeiro lugar, como mercadoria e, em segundo, aceitamos uma sujeição à (simples) regra da oferta e da procura.

Mas o que queria isto significar? Ou, melhor, o que significa o “mercado de trabalho” na realidade de uma União Europeia, envolta em crises omnipresentes?

É que na verdade, na União Europeia, tudo começou pela promessa de uma ideia bem mais complexa, que depressa se dissipou: tudo começou pela ideia de que a circulação livre do trabalhador na União Europeia, sob a égide da proibição da discriminação em razão da nacionalidade, potenciaria o desenvolvimento da cidadania (europeia).

De lembrar que a cidadania europeia é condição suficiente para se poder invocar o direito de circular e permanecer no território de um Estado Membro, com todas as consequências, leiam-se, direitos e garantias em situação de desemprego pois, através do trabalho, chegaríamos ao conceito de cidadania europeia.

Hoje, é o trabalho que nos limita a cidadania, enquanto exercício de direitos.

Estamos cada vez mais longe de uma situação de pleno emprego – isto é, o trabalho é cada vez menos acompanhado de direitos, principalmente nos países que foram mais afetados pela crise económica.

Não basta termos mais emprego, é necessário que esse emprego não diminua o cidadão, pelo contrário, a existência do trabalho deve refletir-se no incremento da nossa qualidade de vida.

Por isso, se o regime das 35 horas no privado “não é (ou foi) compromisso” do Governo para esta legislatura, é porque o PS não vê o trabalho desta forma. Por isso, é porque para o PS não é necessário que o trabalho deixe de obedecer às puras regras do mercado – o facto de os trabalhadores passarem a ser vistos como uma espécie de enorme “exército disponível para a batalha” tem vindo a limitar a capacidade de negociar melhores condições de trabalho, paradigma que deveria (pelo menos, tendencialmente) sido alterado nos últimos anos.

Para isto, há que recordar, somos essencialmente cidadãos e acidentalmente trabalhadores, mas nunca, nunca,  mercadoria. 


Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 18/1/2019



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