sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas III (22NOV2019)



Sobre a água
Outubro foi mais um mês de seca.
Segundo os dados disponíveis no sítio do Instituto Português do Mar e da Atmosfera – IPMA o Alentejo é fustigado por uma seca persistente classificada de moderada a extrema.
No histórico existente para o mês de outubro, desde 2008, esta região não vê serem ultrapassados os 150 mm de precipitação, facto que aconteceu apenas em 2013, sendo a regra ficar-se entre 50 e 100 mm. Mostra também que, em 2017, a precipitação ficou abaixo dos 25 mm e abaixo dos 50 mm em 2019, constituindo-se assim como os anos de menor precipitação. Especificamente, no mês que findou, registaram-se em Évora 26,7 mm e em Beja 31,3 mm de precipitação.
Neste contexto, a região circundante ao eixo Almodôvar - Castro Verde, também não excede o segundo intervalo da escala com precipitações entre os 10 e os 50 mm. Não admira, por isso, que os solos mantenham registos abaixo dos 10% para o índice de água.
Este não é um boletim meteorológico. Reflete, apenas, parte de um conjunto de dados com importância para a compreensão da atual escassez de água.
De facto, tomando apenas a albufeira de Monte da Rocha como exemplo, esta escassez está à vista de todos. É confrangedor que esta barragem, entre janeiro e abril de 2011, portanto há não muitos anos, estava na sua cota máxima e escoava o excedente pelo ralo de segurança, esteja agora a pouco mais de 3.5 m da cota do nível mínimo de exploração, com 8,5% da capacidade máxima e, tal como  o Jornalista Rui Rosa noticia, em junho deste ano, o ministro do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, já adjetivava a situação da albufeira como a mais crítica quando esta estava nos 11%.
Em 2016 a barragem de Monte da Rocha abastecia os concelhos de Almodôvar, Castro Verde, Ourique e projetava-se fazer o abastecimento de parte dos concelhos de Odemira e Mértola até este ano.
Em operação desde 1972, sob a tutela da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado, esta barragem integra a rede de abastecimento concessionada em regime de exclusividade por 50 anos à AgdA – Águas Públicas do Alentejo em 25 de setembro de 2009. A concessão abrange cerca de 18,5% do território nacional continental, correspondentes a 21 municípios. Entre eles, os cinco municípios abastecidos por Monte da Rocha anteriormente referidos.
A Águas Públicas do Alentejo afirma ter como missão proceder “à exploração e à gestão dos serviços de água (…) visando a prestação de um serviço de qualidade, com respeito pelos aspetos essenciais de ordem social e ambiental, bem como a disponibilização das suas capacidades ao serviço do interesse nacional.”
Convenhamos, dito assim até esquecemos que esta é uma empresa e, como tal, tem em vista um único e verdadeiro objetivo: o lucro.
O Bloco de Esquerda sempre mostrou alguma resistência sobre o facto de este recurso ser entregue ao setor privado e mostrou-o quando, em 2009, estas matérias estiveram em deliberação nas respetivas Assembleias Municipais onde tinha representação e 10 anos depois mantém-na.
A água é um bem vital e não deve estar na mão do capital, sujeito a oscilações de preços derivadas de pressões de mercado, de investimento ou falta dele, e até mesmo de fatores não tão diretos tal como a pressão ambiental que se vem registando.
São também palavras da Águas Públicas do Alentejo: “A gestão da empresa deve fazer-se num contexto de procura permanente da sua sustentabilidade económica e financeira, seguindo os princípios da ecoeficiência e da responsabilidade social e ambiental.”
Mais palavras bonitas, mas que levam o Bloco a uma pergunta:
- E quando a sustentabilidade económica e financeira acabar?
O Contrato de Gestão que vincula a Águas Públicas do Alentejo possui vários mecanismos que asseguram a sustentabilidade económica e financeira da empresa, dos quais destaco a renda mínima assegurada por cada município, a correção quinquenal (a cada cinco anos) das tarifas ou a devolução decenal (em 10 anos) de eventuais proveitos.
Para ilustrar estas preocupações, a título de exemplo e passe-se a publicidade, na minha área de residência, na superfície comercial Pingo-Doce, desde algum tempo passou a ser muito difícil adquirir água engarrafada da própria marca devido à sua escassez nas prateleiras, mas nas prateleiras vizinhas reservado a outras marcas de água o abastecimento manteve-se regular. Fosse isto motivado por uma escassez de stock na origem, nos centros de distribuição, por opção da gestão local ou outro, o facto é que o consumidor acabou por ser “obrigado” a consumir a água a um preço mais elevado visto que as opções disponíveis eram igualmente mais caras. Obra do acaso? Decida você.
Curiosamente, enquanto me documentava sobre o tema que vos trago hoje, deparei-me com o Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento – ENEG 2019 | Roteiro para 2030 a decorrer em Ílhavo desde dia 19 e que termina hoje. Este evento subordinado à questão da água em Portugal na próxima década, desenvolve-se em torno de 10 temas principais. Um deles: “Alterações climáticas, economia circular e transição energética” contou com a participação de Daniela Guerreiro e Susana Ramalho da Águas Públicas do Alentejo que falaram sobre o REUSE - Produção e utilização de água para reutilização no regadio do Alentejo. Simultaneamente, numa Mesa Redonda moderada por Pulido Valente, vice-presidente da CCDR Alentejo as intervenções centraram-se n’ “A Desertificação do Interior de Portugal e o Impacto nos Serviços de Águas”
Mas, para o Bloco de Esquerda, existem outras preocupações transversais à temática da água como é o caso da agricultura de regadio, em particular as monoculturas intensivas e superintensivas, sem esquecer a agricultura das estufas, integradas nos planos de regadio do programa nacional.
Quando antes a cultura do olival ocupava cerca de 300 árvores por hectare, hoje, no mesmo hectare são plantados mais de 1000. O mesmo se passa com amendoal e outras espécies arbóreas e que tem uma só justificação, a maximização do lucro. Existe um senão, este tipo de exploração degrada rápida e acentuadamente ou esgota os recursos locais, sejam eles o solo, a fauna, os recursos hídricos ou outros. Mesmo assim, o olival, o amendoal e as estufas são as formas de agricultura que mais crescem no cada vez mais árido Baixo Alentejo. Uma vitória na opinião de Pedro do Carmo, deputado PS pelo círculo eleitoral de Beja. A prossecução do aumento da produtividade e da competitividade da agricultura são a batuta que rege o Programa Nacional de Regadios e conduziram o anterior ministro da agricultura, Capoulas Santos, a aprovar à pressa dois novos projetos de regadio, dias antes de terminar o seu mandato. São mais 5.327 hectares a beneficiar da água do Alqueva, que vê assim o seu perímetro de rega alargado para os 170 mil hectares.
Cem mil novos hectares de regadio serão criados até 2023, com a conclusão da primeira parte do Programa Nacional de Regadios, um esforço de 560 milhões de investimento público para criar 10 mil novos postos de trabalho. Contas redondas, são 56.000 euros por posto de trabalho ou 56 euros por cidadão.
Sobre isto o Bloco também tem tido uma palavra a dizer: Cuidado! E tem várias propostas que postas em prática mitigam os efeitos perversos de todas estas coisas. Haja força e vontade política para as considerar e aceitá-las.
Para terminar, uma sugestão: Quando abrir a sua torneira de água, pergunte-se quanto realmente lhe custa um litro de água.

Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/Filipe M Santos, 21-11-2019




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