sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Cristina Ferreira - Crónicas III (29NOV2019)




AS ESTUFAS

Na passada semana, esteve em Caixa Alta, a questão da água para consumo humano e agrícola nas perspetivas da sua disponibilidade, gestão, comércio e de investimento público.

Hoje, trago-vos a questão da agricultura em regime de estufas, que a par das monoculturas intensivas e superintensivas, são o modelo de exploração com maior crescimento no nosso Alentejo.

Face à agricultura tradicional, a produção agrícola em estufas, é um método eficaz de controlo das variáveis e fatores que determinam o sucesso, ou insucesso, das produções agrícolas e, até mesmo, encurtar os ciclos produtivos e incrementar o número de colheitas de determinadas espécies.

Mas se este modelo tem estes pontos positivos, com os inerentes benefícios na disponibilidade alimentar, também existem vários pontos negativos que a ele estão associados e por regra são escamoteados e afastados do conhecimento generalizado das populações.

Recentemente acompanhei, em São Teotónio, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins e deputados e deputadas responsáveis pelas áreas do Ambiente, Habitação, Agricultura e Imigração, numa visita às estufas integradas no perímetro de rega de Mira.

Esta região constitui atualmente um mar de plástico. Estufas a perder de vista, que têm nascido sem quaisquer regras ou disciplina, estudos de impacto ambiental e muitas vezes em desrespeito pelos zonamentos predeterminados de proteção como parques naturais e similares. Mas constitui, também, terreno fértil para a proliferação de problemas sociais e laborais, porque a prática de exploração intensiva estende-se para além dos produtos agrícolas e atingem os trabalhadores e trabalhadoras, muitos deles migrantes recrutados à margem da lei, assim como as comunidades locais onde se inserem.

Esta visita espelha a preocupação crescente manifestada por diversas associações, organizações e comunidades locais, integra-se no contexto de várias ações do Bloco de Esquerda que para o efeito têm sido realizadas. Destaco a pergunta dirigida ao Ministério da Presidência e da Modernização Administrativa, sobre o acesso a habitação e serviços públicos pelos trabalhadores migrantes de explorações agrícolas no perímetro de rega do Mira. Destaco também o requerimento para audição do ministro das Infraestruturas e Habitação e do ministro do Ambiente e Ação Climática, sobre a resolução ministerial que prevê respostas excecionais de habitação indigna – isto é: contentores, dotados de algumas comodidades, colocados dentro das explorações agrícolas, para estes mesmos trabalhadores e trabalhadoras.

Em 4 de junho foi estabelecido um programa de erradicação das situações indignas de habitação através do decreto-lei nº. 37/2018. Para tal, com base numa Nova Geração de Políticas de Habitação, cerca de 170 000 fogos têm de ser construídos. Neste contexto impõem-se a questão: é esta resolução de ministros uma forma de dar cumprimento ao decreto-lei nº. 37/2018 ou uma cedência às vontades dos empreendedores agrícolas?
Estando o Perímetro de Rega do Mira integrado no Programa Nacional de Regadio, que abordei na passada semana, é de todo, e por extrapolação, legítimo considerar os 3.600 trabalhadores aferidos nos diversos relatórios conexos à resolução, como parte dos 10.000 que ocuparão os novos postos de trabalho criados pelo programa de regadio. Atendendo às condições precárias e sub-humanas atuais destes trabalhadores, o futuro não se adivinha melhor para os restantes, sejam eles migrantes ou não.


Caixa Alta, Rádio Castrense
Cristina Ferreira/Filipe M Santos, 29-11-2019



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