sexta-feira, 12 de junho de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (12JUN2020)




ROTA TURÍSTICA ESTRADA NACIONAL 2

Nove serras, onze rios, trinta e cinco concelhos, e cinco troços, dos quais dois encontram-se no distrito de Beja, foi instituída em maio de 1945 por decreto-lei e assenta sobre boa parte do traçado da antiga estrada do reino estendendo-se por mais de 738 km, faz a ligação do norte do país com o sul. É a Estrada Nacional 2, mas muitos a apelidam de a Route 66 portuguesa, uma infelicidade a meu ver já que esta, a nossa, vale por si mesma e nada tem de comparável com a dos Estados Unidos da América.

Foi uma decisão do governo na altura no mínimo curiosa, já que foi ponderada no decurso de uma guerra mundial e em 11 de maio de 1945, quando foi publicado o decreto-lei que a institui, apenas tinham passado 5 dias da data oficial do fim da segunda grande guerra na Europa.

Mais de 75 anos de obras, de melhoramentos, reparações, acrescentos e transformações, a Estrada Nacional 2 serve, ainda, o seu propósito original básico: ligar as extremas norte-sul, as regiões e municípios do interior do país atravessados pelo seu traçado.

Em 5 de novembro de 2016 foi constituída a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 – AMREN2, fruto do projeto apadrinhado por Marcelo Rebelo de Sousa, há pouco menos de quatro anos em julho de 2016 e, segundo ele, é uma oportunidade única de unir o país; diz ainda que as paisagens, a cozinha e as tradições são as atrações. O projeto Rota EN2, conforme as informações disponíveis à data no espaço da internet onde mantém presença, tem por objetivo desenvolver as zonas de interior, com especial foco no desenvolvimento turístico das regiões apensas a esta infraestrutura nacional.

Dos trinta e cinco municípios atravessados pela rota EN2, onze integram os órgãos sociais da associação e desses, dos três que pertencem ao distrito de Beja, Almodôvar é o único que se faz representar e tem assento no Conselho Diretivo.

Não admira por isso que a assinalar os 75 anos da Estrada Nacional 2, o presidente António Bota apareça em vídeo a promover o projeto Rota EN2, o município de Almodôvar e já agora, porque não, também a si próprio. São 2 minutos de virtuosismos deste município promovidos no âmbito deste projeto.

Mas nem tudo são virtudes e, em alguns aspetos, a Estrada Nacional 2 e, ou, o projeto Rota EN2 são o contrário da virtude.

Cingindo-me apenas aos troços compreendidos entre Ervidel e Almodôvar, o estado de degradação da infraestrutura é revelador da importância que é dada a esta estrada e às gentes que dela dependem para as suas deslocações diárias. É obsceno que, por exemplo, entre Aljustrel e Castro Verde, se mantenha em más condições por anos a fio os cerca de 21 km desta ligação rodoviária, propiciando a sempre lamentável perda de vidas aí conhecidas. É, também, indecente a degradação da EN2 nos vários quilómetros que antecedem a entrada norte da vila de Almodôvar. Provavelmente um esforço para manter o lado antigo e rústico desta estrada, uma característica geralmente apreciada e valorizada pelos turistas.

Rota EN2 é, na sua génese, um projeto cuja vocação é a promoção turística dos municípios que a integram, mas e se os turistas não vierem?

Para o presidente de Almodôvar, a Estrada Nacional 2, foi nos anos da sua longa existência fulcro para o desenvolvimento do concelho, ou pelo menos, por aí passaram muitos e diversificados negócios, e antevê o potencial de desenvolvimento para o futuro do município que preside, mas apenas no âmbito da vocação do projeto.

No meu entendimento, erro crasso. A Estrada Nacional 2 deve, antes de mais, ser aquilo para que foi criada. Uma via para ligar regiões, aproximar gentes, circular mercadorias, e esbater as assimetrias económicas entre as regiões que liga. Deve assumir um papel de pivot, articulando-se com outras infraestruturas adjacentes, nas regiões por onde passa a este e oeste do seu eixo. Por exemplo, aeroporto de Beja, ferrovias e outras rodovias itinerárias. Numa perspetiva estrutural, deve voltar a ser a espinha dorsal da economia das regiões e pessoas que serve, muito para além do turismo de restauração, museologia e comércio de lembranças e produtos endógenos, normalmente fugaz e incerto.

Relançar a Estrada Nacional 2 como eixo principal do motor da economia das regiões será, não haja dúvidas para isso, um projeto muito mais ambicioso que o projeto turístico Rota EN2 e só será possível se, tal como para o projeto turístico, houver a mobilização a união e o empenho dos municípios não só a estabelecer as metas, como a cobrar desde os padrinhos presidenciais aos deputados do distrito, o necessário para remover os obstáculos políticos que empecilham o pleno desenvolvimento dos nossos concelhos.




Cristina Ferreira / Filipe M Santos, 12/06/2020


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