sábado, 30 de janeiro de 2021

Cristina Ferreira - Crónicas IV (29JAN2021)

 



ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS E ALENTEJO

 

Não se esperava que os resultados das Eleições Presidenciais se focassem no Alentejo, mas estes provocaram uma onda de análises, discussões, nas redes sociais surgem reações negativas e um sem número de acusações de que os alentejanos desonraram as lutas do passado, de que não há respeito pelos valores de Abril.

O que levou 28.404 eleitores a viver no Alentejo a votar em Ventura?

Talvez a resposta seja muito simples e, ao mesmo tempo, complexa.

O esquecimento a que os diversos governos têm deixado o Alentejo deixou um rasto de revolta, desalento e insatisfação. Os poucos investimentos são conseguidos a ferro e fogo e após anos de lutas, como é o caso da abertura do troço da autoestrada.

Há uma lista enorme do que é preciso fazer, seja ela apresentada por grupos organizados, populares ou outros. E enquanto se aguarda que algum investimento seja projetado, saia do papel e depois executado passam-se anos e anos. As desculpas são muitas, desde a económica à social, mas todas visam adiar a solução do problema.

O sentimento de que o país está a desistir do Alentejo facilmente é canalizado para o populismo: se fecham escolas, postos da GNR e PSP, postos de CTT, não rentabilizam o aeroporto, não equipam o hospital e centros de saúde com os meios humanos e materiais necessários, a ferrovia e redes de estradas estão num estado deplorável, são razões mais que suficientes para o desalento, para acreditar de que foram abandonados e, assim, facilmente seguir os populismos de certos candidatos.

Talvez esse descontentamento se tenha traduzido em voto num candidato que tem tanto de expressivo como de excessivo: tal como na feira quem faz mais barulho é quem chama mais clientela, independentemente da qualidade do produto.

Ventura fez barulho, apresentou um conjunto de propostas que, apesar de serem da extrema direita, parecem ir de encontro a muitas insatisfações e desejos de mudança. 

Mas de onde vieram esses votos?

Se a ideia de que vieram do PCP pode ser plausível, os resultados, ao longo da última década, nos concelhos onde Ventura teve mais votos, são aqueles onde houve um decréscimo de votos no PCP; paralelamente, aconteceu o mesmo nas freguesias com maior incidência de comunidades ciganas, o que revela a preocupação das pessoas quanto à segurança e distribuição de rendimentos.  Não esquecer que a pandemia, o medo e o isolamento deram uma ajuda nesta votação.

Não deixa de ser surpreendente, e muito, muito preocupante, que um partido bastante recente, fundado em 2019, e de extrema direita tenha um número de votos tão expressivo em diferentes pontos do território e com uma rápida infiltração em todo o país.

Esta disseminação marcada pelo discurso do ódio, xenofobia, racismo que é repetido até à exaustão, de que há metade a trabalhar para a outra metade que não trabalha, é o rastilho que só precisa de um fósforo. O  imaginário nacionalista do Estado Novo e a imitação da postura ideológica de Donald Trump completam o cenário da extrema direita.

Ventura não está a criar caminhos, pelo contrário cria becos, caminhos sem saída para fuzilar a DEMOCRACIA.

 

Caixa Alta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 29/01/2021


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