A
LUTA FEMINISTA: ORIGENS, CAUSAS, OBJETIVOS
“Tudo
começou em 1824 quando as operárias de Rhode Island abandonaram os seus postos
de trabalho em protesto contra os cortes salariais. As movimentações de
operárias continuaram ao longo do século XIX e inícios do século XX. Em 1908, a
Marcha do Pão e das Rosas juntou 15 mil mulheres nas ruas de Nova Iorque.
Denunciavam a exploração e exigiam igualdade económica e política, nomeadamente
o direito ao voto. Em 1917, a 8 de Março, as trabalhadoras russas encabeçaram
uma greve geral contra a fome, a guerra e o czarismo.
Em
1975, 65 anos depois de Clara Zetkin ter proposto, no II Congresso da
Internacional Socialista na Dinamarca, a instituição de um dia a nível
internacional, para lembrar a situação particular das mulheres na sociedade, o
dia 8 de Março é finalmente consagrado pela ONU como Dia Internacional das
Mulheres. Portugal, recentemente saído de uma ditadura, comemorou também em
1975, pela primeira vez, o Dia Internacional da Mulher em liberdade.
Esta
é, de forma muito resumida, a história que marca o início da luta das mulheres
por melhores condições de trabalho, mas sobretudo, por liberdade e igualdade.
Quase dois séculos depois vejamos onde estamos:
Apesar
de serem a maioria no ensino superior e a maioria dos diplomados, as mulheres
permanecem minoritárias nas profissões com níveis de qualificação e remuneração
mais elevados. São residuais nos cargos de liderança e de tomada de decisão
política. Na Assembleia da República representam 40% dos deputados. Mas se
olharmos para as autarquias, nas eleições autárquicas de 2017, em 308
municípios, apenas 32 mulheres foram eleitas para a presidência das Câmaras
municipais. Em 46 anos de democracia e 22 governos constitucionais as mulheres
permaneceram a minoria e os homens a esmagadora maioria.
A
disparidade salarial mantém-se em torno dos 16%. Considerando todos os
trabalhadores por conta de outrem em todas as empresas, as mulheres ganham
menos 149€ por mês de remuneração base do que os homens e em termos de ganho
total, recebem menos 225€ por mês. São 1800€ e 2700€, respetivamente, a menos
por ano.
A
desigualdade salarial aprofunda-se à medida que aumentam os níveis de
qualificação. Nos trabalhadores com ensino superior a desigualdade salarial
dispara para os quase 30%. Na reforma, ascende aos quase 40%.
A
feminização da precariedade contribui para esta disparidade salarial e para a
persistente menor autonomia das mulheres. São também as mulheres as mais
vulneráveis à pobreza e exclusão social.
As
mulheres entraram em força no mercado de trabalho, mas continuam “donas de
casa” e a desigual partilha das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos
mantém-se. Estima-se que sejam precisos
ainda 180 anos para que se reverta esta realidade. As responsabilidades
familiares, sempre mais pesadas para as mulheres, condicionam obviamente sua
disponibilidade para a participação cívica e política.
O
mapeamento da persistente condição de subalternidade das mulheres na sociedade
ficaria incompleto sem referência às formas mais abjetas de violência contra as
mulheres e sem lembrar as mais de 500 mulheres assassinadas em contexto de
relações de intimidade desde que em 2004 se recolhem dados, ou as perto de 30
mil participações anuais de violência doméstica, ou o facto de uma em cada três
mulheres ser vítima de violência física ou sexual durante a sua vida, ou ainda
o consistente aumento do crime de violação e abuso sexual.
Estas
são consequências da opressão secular de um sistema patriarcal que teima em
subalternizar as mulheres – porque lhes serve os interesses – mantém e fomenta
os estereótipos de género que condicionam escolhas educativas e profissionais,
a desigualdade salarial e a segregação nos cargos de chefia e liderança.
Convive com a sub-representação das mulheres nos cargos de tomada de decisão
política, a desigual repartição na partilha das tarefas domésticas e nos
cuidados com os filhos, promove a feminização da precariedade, da pobreza e da
exclusão social.
Naturaliza
o assédio e a intimidação das mulheres no trabalho, na escola, no espaço
público. Desculpabiliza a exploração sexual, o assédio e a violação.
Desvaloriza a violência doméstica e no namoro que resulta tantas vezes na morte
de tantas mulheres. Despreza as múltiplas discriminações que sofrem as mulheres
com deficiência, as migrantes, as racializadas, as lésbicas ou as mulheres
trans.
Feministas
porquê?
A
resposta não podia ser mais simples: feministas porque defendemos a liberdade e
queremos uma sociedade onde a igualdade entre homens e mulheres, entre todas as
pessoas seja, finalmente, a norma.”
Este
é um texto de Sandra Cunha, deputada e dirigente do Bloco de Esquerda,
professora universitária e socióloga.
Cristina
Ferreira, 19/03/2021
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