sexta-feira, 17 de julho de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas III (17JUL2020)





NOVO ANO LETIVO, MAS SEM NOVIDADES

 “O país tem de estar agradecido aos milhares de docentes e profissionais das diversas escolas que fizeram das tripas coração para construir e implementar estratégias de ensino à distância” que garantissem o acompanhamento dos alunos depois do encerramento das escolas afirmou, em declarações ao esquerda.net, a deputada bloquista Joana Mortágua; salientou que o afastamento das crianças e jovens da escola agrava as desigualdades e prejudica o seu desenvolvimento, por isso é necessário fazer todos os esforços para que no próximo ano letivo o acompanhamento presencial seja a regra”, sendo que, para isso, “é preciso adaptar as escolas e uma das medidas centrais é a diminuição do número de alunos por turma”, defendeu.
Voltar à escola e com segurança tem de ser a regra, sendo de lamentar a ausência desta questão no orçamento suplementar, no qual “não há um cêntimo reservado para a contratação de docentes, profissionais ou reforço de meios materiais”
O projeto de lei que foi chumbado estabelecia princípios e orientações, designadamente em matérias relativas à dimensão das turmas e ao número máximo de alunos por docente, para o ano letivo de 2020/21, ou enquanto durar a necessidade de distanciamento físico provocada pela pandemia de COVID-19.
A proposta, que se aplica quer aos agrupamentos de escola e às escolas não agrupadas da rede pública quer aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, previa que na educação pré-escolar o número de crianças para um docente e, no ensino básico e secundário, o número de alunos por turma, corresponderia a um mínimo de 15 e um máximo de 20.
“Responder pela igualdade social e pelo desenvolvimento do país tem de corresponder um esforço de investimento por parte do Governo e do Ministério da Educação para o reforço de recursos humanos e materiais”, reafirma o Bloco de Esquerda, frisando que “não seria aceitável que, por opções orçamentais, se negasse o direito à educação a todas as crianças do país”.
 O Orçamento Suplementar apresentado no Parlamento pelo novo ministro das Finanças foi anunciado como o balão de oxigénio de investimento público para responder à pandemia. A recuperação económica e o reforço dos serviços públicos foram objetivo anunciado – daí chamarem-lhe suplementar, e não retificativo.
É compreensível a indignação de quem não encontrou no documento uma única referência à escola e às necessidades do próximo ano letivo pelo que se mantém inalterado o valor para o ensino básico e secundário e administração escolar em cerca de 5 milhões, e nem mais um euro.
Segundo o Orçamento Suplementar, o próximo ano letivo será igual a todos os anteriores ou, pior, igual aos últimos meses. Ambas as ideias são trágicas. A primeira, porque não é concretizável face à pandemia e não fazer nada só agravará alguns problemas estruturais da escola pública.
 A segunda, porque se baseia na perigosa ilusão de que o sucesso do ensino à distância depende de equipar os alunos, os docentes e as escolas.
Sem equívocos, o programa de modernização digital é uma boa notícia que só peca por tardia, mas não resolve o problema essencial da educação em 2020/2021. As limitações do contacto educativo à distância não decorrem do acesso a computadores, mas do afastamento das crianças e jovens em relação à escola. Esse afastamento tem consequências pedagógicas e sociais e prejudica até direitos fundamentais das crianças e dos jovens.
É dado adquirido que o ensino à distância agrava as desigualdades. Particularmente preocupante é a ideia de que, em meados de maio, mais de metade dos professores continuava sem conseguir contactar os seus alunos, mas mais de 70% estavam a lecionar novos conteúdos.
 Há dimensões da escola e da educação pré-escolar que não são substituíveis pelo ensino à distância, mesmo que ele se realizasse em condições pedagógicas perfeitas, o que está muito longe de se verificar. A socialização com os pares e com os docentes, dentro e fora das salas de aula, é um contributo insubstituível no percurso de desenvolvimento das crianças e dos jovens. O confinamento em casa impede essa socialização e prejudica de forma particular as crianças e os alunos com necessidades educativas especiais.
Os danos do afastamento serão tão mais permanentes quanto o tempo que ele durar. O que devia estar no centro do debate não são apenas os instrumentos do ensino à distância, mas as condições para o regresso às escolas em tempos de pandemia. Há muitos fatores que têm de ser tidos em conta, mas há um ao qual não é possível escapar: a diminuição do número de alunos por turma e o acompanhamento dos alunos que ficaram para trás durante este período. Vai ser preciso contratar mais professores, mais assistentes operacionais, mais técnicos especializados.
Sobre isto, nem uma palavra no Orçamento Suplementar. Devemos um agradecimento a todas as escolas que se empenharam na resposta de emergência à distância, mas desengane-se quem viu nela a panaceia para todos os males. O direito à educação desta geração vai jogar-se na possibilidade do seu regresso à escola.
Certamente que a adaptação das escolas à educação presencial em tempos de pandemia custa dinheiro. Mas quanto custará abdicar da igualdade social, da diminuição do abandono escolar, da elevação geral do povo pela educação, conquistas da escola? Tudo isto é demasiado importante para ficar resolvido por uma inexistência no Orçamento Suplementar.

Cristina Ferreira, 17/07/2020


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