sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Cristina Ferreira - Crónicas IV (13NOV2020)

 



HOMENAGEM

 

O carro seguia a uma velocidade lenta.

Olhou em volta e não reconheceu os dois rostos que a acompanhavam. Quem eram? Nunca os tinha visto.

Onde estavam aqueles que saíram do seu ventre? Onde estavam os netos, os familiares, os amigos?

Olhou melhor e, lá ao fundo, viu que eles saiam dos seus carros ou já estavam à porta. Afinal iam acompanhá-la àquela que seria a sua última morada.

Viu os seus rostos e, por momentos, ficou triste!

O percurso continua e ela reconhece cada um deles, alguns tinham ido à sua casa e ela recebeu-os com um sorriso honesto, verdadeiro, com o coração cheio de alegria.

Alegrou-se por cada vitória, chorou por cada derrota, em cada queda ajudou-os a levantarem-se, sempre com a mesma força que lhe permitiu levantar-se, erguer-se por cada derrota que a vida lhe deu.

Ficou contente por lembrar que, de alguma maneira, em algum momento lhes proporcionou um sorriso, lhes deu força para seguir em frente. Agora estavam fortes para sozinhos, enfrentarem a vida. Sim esse tinha sido o seu contributo.

O que cada um sentia, à medida que caminhava para a sua última morada, era fruto de alívio, dor, paz, afinal ela descansar em paz, pois já era velhinha.

Chegou, olhou para a sua última morada, e percebeu que aquele cubo de betão era o seu espaço entre a terra e o céu; falta de espaço, sociedade moderna, o corre-corre dos dias, tudo servia de justificação para ir para ali.

Subiu, a porta fechou-se e, por momentos, ficou triste: ia deixá-los.  O escuro tomou conta do espaço e do tempo.

Agora a família estava reunida: pôr conversa em dia, sorrisos, matar saudades, conhecer os novos membros.

Ainda bem que a sua morte se transformou em vida.

Como alguém disse: por cada morte há sempre uma vida a surgir!

Na vida, “Em cada avanço (…) há perdas, há lutos a fazer, mas há novos investimentos que são fonte de prazer e reforço da identidade.” (Celeste Malpique)

 

 

CaixaAlta, Rádio Castrense

Cristina Ferreira, 13/11/2020

 

Sem comentários:

Enviar um comentário